Ele se humilhou a si mesmo

Filipenses 2:6-11 NVI

que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz! Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai.

NVI: Nova Versão Internacional - Português

Filipenses 2:5-11 ARC

De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.

ARC: Almeida Revista e Corrigida

Existem dois tipos de pleonasmo: o pleonasmo vicioso e o pleonasmo literário.

O Pleonasmo Vicioso, também chamado de redundância, é um vício de linguagem. É um erro sintático não intencional que a pessoa comete por desconhecimento das normas gramaticais.

Exemplos: "Subir para cima": o verbo “subir” já indica ir para cima, elevar-se. "Descer para baixo": o verbo “descer” já denota mover de cima para baixo, declinar. "Entrar para dentro": o verbo “entrar” já indica passar para dentro. "sair para fora": o verbo “sair” é sempre passar de dentro para fora, afastar-se.

Pleonasmo Literário Já o pleonasmo literário (ou intencional) é usado com intenção poética de oferecer maior expressividade ao texto. Assim, nesse caso ele é considerado uma figura de linguagem.

Em outras palavras, o pleonasmo literário é utilizado intencionalmente como recurso estilístico e semântico para reforçar o discurso de seu enunciador. Observe que nesse viés, o escritor tem 'licença poética' para fazer essa ligação.

Exemplos:

“E rir meu riso e derramar meu pranto” (Vinicius de Moraes) “E ali dançaram tanta dança” (Chico Buarque e Vinicius de Moraes) “Me sorri um sorriso pontual e me beija com a boca de hortelã” (Chico Buarque)

Na Bíblia, que é um livro traduzido em excelente e exemplar português altamente erudito, temos inúmeros exemplos de pleonasmo literário, construídos por meio da repetição do pronome oblíquo, gerando um pleonasmos literário de grande efeito comunicativo:

"E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz." (Filipenses 2:8)

"Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão, e beba deste cálice." (1Cor 11:28 - Almeida Revista e Corrigida)

"Depois disto ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem irá por nós? Então disse eu: Eis-me aqui, envia-me a mim." (Isaías 6:8 Versão Almeida Revista e Atualizada).

Espero ter ajudado.

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Ele Humilhou-se a Si Mesmo Redescobrindo a esquecida arte de servir

Kenneth C. Fleming

ISBN-0-8297-1758-7 Categoria: Discipulado Traduzido do original em inglês: He Humbled Himself © 1989 por Kenneth C. Fleming © 1994 por Editora Vida Tradução de Oswaldo Ramos Todos os direitos reservados na língua portuguesa por Editora Vida, Deerfield, Florida 33442-8134 — E.U.A. Salvo onde outra fonte é indicada, as citações bíblicas foram extraídas da Edição Contemporânea da Tradução de João Ferreira de Almeida, publicada pela Editora Vida. Ilustração: Ford Maddox Brown/ The Tate Gallery, London/ Art Resource, N.Y.

ÍNDICE

Prefácio PARTE I: SIGNIFICADO 1. A perdida arte de servir 2. Aprendamos a ser ministros

7 11 19

PARTE II: MODELO 3. Jesus Cristo, servo de Deus 4. O Messias que completou a obra 5. A missão de paz do redentor 6. Jesus Cristo, o discípulo 7. Cântico do Servo sofredor 8. "Em resgate por muitos" 9. Nosso humilde Salvador

29 39 52 67 78 89 100

PARTE III: RETRATOS 10. O círculo íntimo de Deus 11. Histórias para os seguidores de Cristo . . 12. Mais do que apóstolo — um servo 13 • Aos pés de Jesus Conclusão

110 122 132 141 151

' Este livro eu o dedico afetuosamente à minha esposa Helena, que tem sido exemplo singular de excelência na arte de servir, tanto no campo missionário como no lar e na igreja local.

Faça-me teu escravo, Senhor, e liberto sempre serei; Força-me a depor minha espada, e conquistador me tornarei. Mas se tento erguer-me por mim mesmo, nos temores da vida afundarei. Aprisiona-me em teus braços, e mais força nas mãos terei. Fraco é meu coração, pobre e sem rumo o vi, Não tendo estímulo nem ação, solto no vento, caído Sem direção certa, até que se acorrentasse a ti. Subjuga-o, pois no teu amor e pela morte jamais será traído. Débil foi minha força, até que aprendi a servir; É necessário o fogo para brilhar e a brisa para subir; Não podendo dirigir o mundo, até que tu mesmo a venha guiar, Sua bandeira não se desfralda, sem teu sopro nela tocar. Minha vontade não é mais minha, pois tu a fizeste prisioneira; Se ao trono do monarca chegasse, com sua coroa reinaria Serena em meio à discórdia e ao conflito sempre estaria, Em teu peito apoiada, encontra apenas em ti a vida primeira. George Matheson

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Prefácio uando perguntou-se a uma classe de calouros de Harvard quais seriam seus objetivos pessoais para o novo ano entrante, responderam: dinheiro, poder e reputação, nesta ordem.

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Não há dúvida de que essa pesquisa reflete o pensamento generalizado da maioria dos estudantes universitários do Ocidente. Este livro também trata de objetivos. Contudo, são objetivos bem diferentes dos do estudante universitário típico. O Senhor Jesus deixou bem claro qvie os objetivos no Reino de Deus opõemse aos do mundo secular. A grandeza, no Reino de Deus, mede-se pelo espírito de servir, do qual o próprio Jesus foi exemplo: "Pois o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (Marcos 10:45). A Bíblia dá grande ênfase ao espírito de serviço. A Concordância Bíblica da Sociedade Bíblica do Brasil apresenta cinqüenta referências ao verbo "servir", 800 ao substantivo "servo", mais 300 às palavras derivadas de "servo", e ainda 130 para as palavras "escravo, escravizar e escravidão". É óbvio que as pessoas a quem Deus mais usa são as que estão mais dispostas a serem servas. Servir constitui um modo de vida, uma atitude, um relacionamento. As páginas seguintes contêm um estudo bastante amplo do que significa a atitude de servo na Bíblia. Minha oração fervorosa é para que meus leitores possam aprender mais a respeito deste espírito de serviço segundo a Bíblia, e que se sobressaiam de modo excepcional ao imitar o Servo perfeito. Kenneth C. Fleming Dubuque, Iowa

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PARTE I

SIGNIFICADO

A perdida

arte de servir

o mercado de trabalho e por toda a parte, nossa geração vem testemunhando um declínio alarmante na arte de servir. A antiga idéia de serviço era que se fizesse algo em prol de outra pessoa, a fim de ajudá-la. Em nossos dias, nesta era do "sirva-se a si mesmo", a ênfase recai sobre redução dos custos de mão-de-obra a fim de não diminuir o lucro. Nos supermercados, nos centros de lojas e no comércio em geral é cada vez mais difícil encontrar alguém que conheça os produtos que vende e nos explique suas qualidades. A disponibilidade em servir está desaparecendo, a menos que você tenha em mente o "sirva-se a si mesmo", isto é: procure, pegue, leve para casa e faça você mesmo. Até mesmo na igreja a idéia de ajudar o próximo perde terreno. Aos domingos vamos a um culto na igreja, onde nos sentamos e usufruímos boa seleção de hinos, orações e mensagem, em ambiente amistoso e simpático. Quanto melhor nos sentirmos, depois de uma hora mais ou menos, melhor é nossa opinião a respeito do culto. Só pequena minoria faz mais do que sentar-se e ouvir. Alguns julgam que "já serviram a Deus" só pelo fato de estar lá, quando, na verdade, nós é que fomos servidos pelo pregador. Em contraste, o Senhor Jesus veio não para ser servido, mas para servir (Marcos 10:45). À personagem principal da igreja dá-se o nome de "ministro", uma antiga palavra que significa "servo", embora hoje não haja às vezes muita evidência desse significado. Belos ternos e grava-

tas enfeitam ministros que ocupam púlpitos luxuosos e pisam espessos carpetes. Muitos são mais professores do que pastores, outros sabem mais como levantar fundos do que restaurar almas, ou são melhores na direção de entretenimentos sociais do que no pastoreio espiritual. O principal ministro de grande igreja poderá exibir uma descrição de cargo muitíssimo diferente do "ministério" vivido pelo Senhor Jesus. Dele se espera que seja pregador eloqüente, superorganizador e grande administrador. Deve residir numa casa que esteja à altura de seu "status". O carro, as roupas, sua mobília e seus livros, tudo que lhe pertence deve ser da melhor qualidade. Nós, membros da congregação, queremos que ele reflita nosso próprio estilo de vida. Com toda alegria doamos dinheiro para sustentar nosso pastor, mas mostramo-nos relutantes em dedicar nosso tempo e esforços em trabalhar com ele como servos e companheiros na mesma obra. Será que carregamos a culpa de desejar que nosso pastor reflita nossos ideais materialistas, em vez de liderar-nos, como servos, na obra de Deus? O espírito de serviço em ação é o transbordamento da vida cristã em prol do próximo, assim como o culto é o transbordamento da vida cristã na direção de Deus. Ambos começam no próprio Deus. Quando cultuamos a Deus, estamos reagindo à divindade em função de quem é o Senhor, e do que ele faz. Ficamos maravilhados com seus atributos infinitos, e com sua obra. Assim é que o culto se torna nossa expressão de gratidão e nosso louvor, porque conseguimos vislumbrar a glória do Senhor. Talvez cantemos, talvez oremos, talvez permaneçamos em humilde silêncio, enquanto nos inclinamos diante dele. Essa é a reação vertical do homem diante de seu Criador. Maravilhados diante do amor de Deus, e em face à redenção que nos transferiu do reino das trevas para o Reino de seu Filho amado, expressamos nosso amor ao alcançar horizontalmente nosso próximo (Colossenses 1:13-14). "Nós o amamos porque ele nos amou primeiro" (1 João 4:19). Espírito de serviço é obediência, disposição e gratidão a Deus, ao expressarmo-nos em atos de amor às pessoas.

A perdida arte de servir 13 Assim exortava o apóstolo Paulo: "Não atente cada um somente para o que é seu, mas cada qual também para o que é dos outros. . . haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus que. . . tomando a forma de servo. . . humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte" (Filipenses 4-8). Cristo Jesus, o Servo, sofreu para nosso benefício, sendo obediente até à morte na cruz. Duas dimensões O conceito neotestamentário de servo apresenta duas facetas: ação em favor do próximo e submissão a um senhor. A primeira é representada pela palavra grega diakonos, usada muitas vezes por todo o Novo Testamento. Na maioria das vezes é traduzida por "servo" por Almeida, Edição Contemporânea, sendo traduzida também como "ministro" e "diácono" (Veja 2 Coríntios 6:4, Colossenses 1:25, 1 Timóteo 3:12). A ênfase está no serviço como ação, algo que fazemos por alguém. Outra faceta, a da submissão, é representada pela palavra grega doulos, usada com mais freqüência ainda, a fim de descrever o povo de Deus. É traduzida pela palavra portuguesa "escravo" ou "servo", como aparece na Edição Contemporânea (Filipenses 1:1, Efésios 6:6,1 Pedro 2:16). Doulos enfatiza a idéia de submissão. Epafras é descrito como um "servo de Jesus Cristo", indicando assim que vivia em completa submissão à autoridade do Senhor Jesus (Colossenses 4:12). Para os cristãos primitivos Jesus Cristo era Senhor e Mestre, e tinham imensa alegria em aceitar a posição de escravos de Jesus. Uma terceira palavra grega para ministro é litourqos, que transmite a idéia de alguém a quem foi designado um trabalho especial a ser executado para o Estado. Quando usada para designar crentes, a ênfase recai sobre a responsabilidade que lhes foi atribuída por Deus. Paulo, que tinha assumido a obra de evangelizar os gentios, usa a palavra litourqos para descrever-se a si próprio (Romanos 15:16). Quem deseja ser um doulos, um diakonos ou um litourqos? Pouca gente. Ser escravo não é anseio popular. Quem deseja acatar com respeito a todas as pessoas ao seu redor? Quem quer

carregar a valise de alguém, ou lavar-lhe as meias? Quem almeja ser considerado um "joão-ninguém" mesmo quando trabalha com afinco? Quem aprecia não receber nenhum reconhecimento? Nem mesmo os discípulos primitivos mostravam muita vontade de ser servos, e nenhum deles se apresentou como voluntário a fim de lavar os pés de seus companheiros, na Última Ceia (João 13:1-11). Por que o espírito de serviço é tão desprezado? O espírito de serviço, segundo a Bíblia, opõe-se de modo radical aos valores do mundo. O mundo nos oferece uma atmosfera onde se desenvolvem interesses egoístas; é um lugar de prazer, em que se busca a satisfação dos cinco sentidos. No mundo há oportunidade para adquirirmos coisas materiais que nos atraem de forma tentadora: roupas, carros e produtos de consumo. Oferece-nos, também, a oportunidade para aumentar nossa autoridade pessoal, "avançar na vida". A palavra usada no Novo Testamento para mundo é kosmos, e primordialmente significa ordem, disposição, adorno, beleza. É a "condição atual dos assuntos humanos, a oposição a Deus e a alienação de Deus" (W. E. Vine). "O senhor deste mundo" é o próprio Satanás (João 12:31; 14:30; 16:11), que também é chamado de "príncipe das potestades do ar" (Efésios 2:2). "Ar significa aquela esfera onde vivem os habitantes do mundo. . . e que constitui o seu trono de autoridade" (W. E. Vine). Satanás é o senhor daqueles que andam "segundo o curso deste mundo" (Efésios 2:2). O espírito de serviço cristão opõe-se aos valores do sistema do mundo. "Sé alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele" (1 João 2:15). Os dois "amores" mencionados neste versículo opõemse entre si. O "amor do mundo" é uma cobiça que busca o que mundo tem para oferecer: prazer pessoal, possessões materiais, auto-exaltação. Tais coisas são descritas nesta passagem como "a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida" (1 Jqão 2:16). O crente que ama a Deus deve rejeitar este falso sistema de valores. Prossegue o apóstolo João afirmando que tudo quanto nos interessa neste mundo há de passar ( l j o ã o 2:16,17). Nada é permanente. Os servos segundo a Bíblia não desperdiçam suas

A perdida arte de servir 15 energias esforçando-se "pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna" (João 6:27). Outra razão pela qual o espírito de serviço é desprezado é que ele se opõe aos "nossos direitos". Fomos educados crendo que nossos direitos ã saúde, ã riqueza material e ã felicidade são inalienáveis, isto é, não nos podem ser tirados, nem transferidos — eles nos são garantidos por lei. As guerras acontecem por causa de direitos. No entanto, o crente precisa aprender a distinguir a diferença entre seus direitos como cidadão nacional e seus direitos como cidadão do Reino dos Céus. No Reino dos Céus ele é um servo, um simples escravo. Que direitos possui um escravo? Salário, relacionamentos, tempo livre, autoridade, escolhas próprias? Nada disso. O escravo não tem direitos, nenhum direito. Ele depende totalmente das boas graças de seu senhor. Em termos humanos, o senhor poderia ser cruel no caso em que a situação fosse intolerável. No Reino de Deus, entretanto, o Senhor dos escravos é o próprio Deus, cheio de graça, que trata seus servos com amor, que deseja sempre o melhor para eles, e tudo faz nesse sentido. Seus servos o amam, e gostam muito de servir a ele. Todavia, sendo servos, reconhecem que ele é Senhor, e que a ele cabem todas as decisões. Não têm direitos próprios, senão os de agradar e obedecer a seu Senhor. Ao agir assim, estão assumindo o lugar ocupado por Jesus, quando este tomou a "forma de servo" (Filipenses 2:7). Mable Williams, missionária na China, captou este pensamento nos seguintes versos: Ele não tinha direitos Ele não tinha direitos. Nenhum direito a uma cama macia, à mesa bem posta. Nenhum direito a um lar seu mesmo, ou lugar onde pudesse encontrar um prazer próprio. Nenhum direito de encontrar companheiros agradáveis, do mesmo temperamento, capazes de compreendê-lo e nutrir simpatias por ele. Nenhum direito de esquivar-se da sujeira e do pecado, de ajustar as roupas ao redor do corpo e caminhar por caminhos mais limpos.

16 Ele Humilhou-se a Si mesmo Nenhum direito de ser compreendido e apreciado: não, nem mesmo por aqueles sobre quem ele derramara uma porção dobrada de seu amor. Nenhum direito, nem mesmo o de não ser abandonado pelo Pai, a Pessoa mais importante para ele. Seu único direito foi o de suportar a vergonha em silêncio, levar cuspidas e bordoadas, assumir o lugar do pecador, o do criminoso no tribunal: levar sobre si meus pecados, em angústia, até a cruz. Ele não tinha direitos. E eu, tenho? Tenho o direito aos "confortos" da vida? Não, mas tenho o direito ao amor de Deus onde posso repousar a cabeça. O direito à segurança física? Não, mas tenho o direito à segurança de quem lhe faz a vontade. O direito ao amor e à simpatia das pessoas ao meu redor? Não, mas tenho o direito à amizade de Alguém que me entende melhor do que eu mesmo. O direito de ser líder entre os homens? Não, mas tenho o direito de ser liderado e orientado por Alguém a quem entreguei todo meu ser, a ser guiado como uma criancinha, com a mãozinha na mão do Pai. O direito a um lar, a ter entes queridos? Não necessariamente. Tenho direito, todavia, de morar no coração de Deus. O direito de ser eu mesmo? Não, mas, ah! tenho o direito de ter Cristo. Tudo que quiser de mim lhe entregarei. Tudo que me der aceitarei. Ele é todo o meu direito! Ele é o direito diante do qual todos os demais direitos transformam-se em nada. Recebi o direito de tê-lo integralmente. Ah! Possa ele ter direito integral sobre mim! (Nós não temos direitos? Moody, 1957)

A sociedade respeita os poderosos, não os escravos. Ela com certeza vai honrá-lo pelo que você tem, e não pelo que você é. Com certeza respeitará seus diplomas universitários mais do que o que você sabe. Com certeza reconhecerá os símbolos de cultura que você exibe mais do que suas atitudes e atos de amor genuíno. A sociedade procura poder e o honra, quer seja mau, quer seja bom, respeita qualquer paspalho político, quer goste dele, quer não. O rico usa o poder econômico para seus próprios propósitos e também para controlar pessoas. Atletas detêm poder para influenciar milhões, alguns o usam para o bem, outros para o mal. Pessoas que trabalham na televisão exercem tremenda influência, e nossa cultura lhes paga tributo. Parece que nossa sociedade conhece e honra o poder, nunca a servidão. A maioria das pessoas é responsável diante de outrem, como empregados (servos) que são. Entretanto, os empregados raciocinam em termos de benefícios, ao invés de serviço. Discutimos salários, política de aposentadoria, férias, benefícios médicos e outros, mas não queremos discutir a qualidade do serviço que prestamos. O movimento feminista opõe-se ao espírito de serviço segundo a Bíblia. Esse movimento foi além da promoção da igualdade e da dignidade pessoal das mulheres. O campo de batalha hoje é o papel que as mulheres desempenham no lar, na igreja e nos negócios. Sempre que os princípios bíblicos invalidam seus objetivos, as feministas prontamente descartam as Escrituras. Os velhos papéis de dona-de-casa e mãe são papéis próprios de servas e, por isso, desprezíveis de todo. As feministas fazem sentir sua presença nas igrejas, à medida que um número crescente de mulheres assume posições de liderança e de ensino. Elas tentam justificar-se mediante reinterpretação de 2 Timóteo 2, e passagens correlatas. Os servos formam uma espécie em extinção. Entretanto, o perigo não é tão moderno como pensam alguns. Tão logo Deus colocou ordem no universo, Satanás rebelou-se e, em seu orgulho, declarou: "Subirei acima das mais altas nuvens; serei semelhante ao Altíssimo" (Isaías 14:14).

Adão e Eva rebelaram-se quando duvidaram da orientação de Deus e comeram do fruto proibido. Satanás lhes havia dito: "No dia em que comerdes desse fruto, os vossos olhos se abrirão, e sereis como Deus" (Gênesis 3:5). Ninrode rebelou-se contra Deus e construiu uma cidade, Babilônia, a fim de prover um nome para si mesmo (Gênesis 10:10; 11:4). A História é uma longa lista sobre as tentativas do homem no sentido de descartar-se do papel de escravo, e estabelecer seus próprios propósitos orgulhosos. O resultado tem sido discórdia, revolução e guerra. O espírito de serviço é uma arte. Onde a ordem de Deus se estabelece há harmonia. Que é que existe de mais belo do que um lar abençoado pela harmonia, onde cada um desempenha suas responsabilidades? Como é atraente a igreja cujos líderes e liderados desempenham adequadamente suas atribuições e responsabilidades: os crentes em paz, adorando a Deus juntos, e assim aprendendo as coisas de Deus, enquanto os líderes assumem suas responsabilidades de servos e ministros (Atos 20:28), guiando e alimentando o rebanho de Deus. Como é abençoada a nação cujos governantes insistem no cumprimento da lei, na observância da ordem, e conduzem o povo à prosperidade e à paz! Sem o adequado relacionamento entre governantes e governados, entre senhores e servos, não pode haver harmonia. Quando cada pessoa pratica o que julga ser direito a seus próprios olhos, o resultado final é a anarquia, como nos dias dos juizes (Juizes 21:25). Entretanto, quando a ordem designada por Deus é colocada em prática, há verdadeira harmonia. O espírito de serviço é fator chave no Reino de Deus.

2 Aprendamos a ser ministros eria a minha posição a de um simples "office-boy"? Cresceu dentro de mim forte sensação de mágoa. Eu havia sido missionário entre o povo zulu, na África do Sul, durante mais de dois anos. Meu tempo havia sido ocupado principalmente no estudo da língua e cultura zulus, bem como na extração de dentes, assentamento de tijolos, e ensino das Escrituras na escola local. Havia iniciado a pregação de mensagens simples, em zulu, e funcionava, de modo geral, como ajudante de nosso missionário mais antigo, Edwin Gibbs. Certa época ele e a esposa partiram de férias para os Estados Unidos. Por isso, minha esposa e eu éramos os únicos missionários casados naquela sede missionária. Sentia certo prazer em ser considerado "o encarregado". Finalmente, seria um "missionário de verdade!" Então, no concilio trimestral, alguns dos líderes zulus entraram em acordo segundo o qual alguém dentre eles mesmo é quem deveria assumir a "posição e autoridade" do Sr. Gibbs. Aí surgiu a questão do cargo a ser atribuído ao novo missionário, ou seja: a mim. O cargo dele — disseram os zulus — seria de "office-boy". Foi quando, então, nem prestei atenção mais à luz tremulante e aos besourinhos esvoaçantes que rodeavam as velas acesas, cada vez mais perto, até morrerem queimados. Só conseguia pensar numa coisa: "office-boy!" Minhas defesas ergueram-se. A maioria deles

S

nem sequer sabia ler. Será que não sabiam do padrão de vida que havíamos abandonado na América do Norte a fim de estarmos ali? Que ligação haveria entre o cargo de "office-boy" e o trabalho missionário que eu deveria executar? Terminada a reunião, alguns irmãos zulus conversaram comigo lá fora — também ficaram perturbados com a notícia. Foi quando meu melhor amigo zulu, Isaque Zindela, levou-me para um canto. Zindela era excelente homem, evangelista de coração ardoroso. Morava com a família numa vila de cabanas de barro, numa colina 1.500 metros acima do rio Umzimkulu. Ele e eu havíamos percorrido quilômetros e mais quilômetros, para cima e para baixo, subindo e descendo montanhas, em visitas pastorais. Ele era como um pai para mim: corrigia minha gramática zulu, e ensinava-me coisas relativas à cultura de seu povo. Ria deliciado quando eu, afinal, conseguia entender determinado ponto, depois de tê-lo explicado pacientemente várias vezes. Quando ficamos a sós, disse-me ele: — Não fique perturbado com o que ouviu há pouco. Lembre-se do que Jesus disse aos discípulos em Marcos, capítulo dez, versículo quarenta e cinco. Eu sabia esse versículo de cor, em inglês. Entretanto, agora, quando esse homem o mencionava com deliberação, devagar, na língua zulu, cada palavra fazia-me sentir como alguém que estivesse sendo apedrejado, nos tempos bíblicos. "Pois o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos." De súbito, o quadro todo ficou perfeitamente em foco. Eu havia aprendido esse versículo dez anos antes, em Seattle. Lorne Sanny havia discipulado alunos universitários, sendo parte do programa a memorização de partes das Escrituras. Várias vezes antes esse versículo me apanhara quando tentava superestimar a mim mesmo, com o objetivo de satisfazer meu "hábito de orgulho". Agora, ei-lo que me pega de novo, e com a mão na botija. O ministro é um servo A palavra ministro ecoou nas escarpas de minha mente duran-

te muitos dias, depois deste incidente. Percebi de novo que essa palavra tão antiga significava apenas "servo". Até mesmo o Filho do homem viera para servir, não para ser servido! Para que eu viera? Viera para ministrar, para servir, exatamente como meu Salvador. Aos poucos, a glória do caráter de servo, protagonizado por Cristo, começou a nascer em minha mente obscurecida pelo orgulho. O cargo de "office-boy" começou a adquirir um pouco de dignidade. Marcos 10:45 é, para mim, o versículo mais desafiador da Bíblia. À semelhança daquela noite em 1954, vezes sem conta tenho sido despertado espiritualmente pela verdade nele contida. Este versículo tem barrado observações sarcásticas na ponta da minha língua. Ele decepa pela raiz a tendência à autopiedade. A mágoa derivada de pessoas ingratas tem sido, de forma literal, transformada em gratidão pelo privilégio de servi-las. O conceito integral de servir como o Senhor serviu consegue mudar-nos a vida. Aprender a servir é aprender a ser como o Senhor Jesus. O espírito de serviço e o espírito de Cristo estão interligados, visto que Cristo foi um servo. "Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração" (Mateus 11:29). Esta declaração representa um modo figurado de dizer: "Submetam-se às minhas instruções assim como um boi se submete ao jugo, a fim de servir". Tenho muitas vezes observado bois no momento de receber o jugo. O boi precisa abaixar a cabeça ao máximo, a fim de receber o jugo. Eis uma ilustração bem apropriada para nós, se quisermos receber o jugo de Cristo. O Senhor Jesus, que é "manso e humilde de coração", é nosso modelo. O exemplo de Cristo pode tornar-se realidade experimental em cada um de nós. Faz parte da vontade de Deus que cada crente seja servo. E quanto mais profundo for nosso espírito de serviço, mais satisfação sentiremos. Graça em servir Infelizmente, em nossa apreciação da vida de Cristo, muitos de nós perdemos o impacto de seu programa de treinamento para o discipulado.

Nossas emoções explodem quando lemos a respeito de uma pomba que, de modo visível, repousou sobre o Senhor; com uma voz de trovão partindo das nuvens; ou com o misterioso desaparecimento de Jesus diante da multidão enfurecida. Identificamo-nos de modo fácil com as reações de Cristo às necessidades humanas: morte de uma criança, doença de uma mulher, cegueira de um homem. Podemos sentir seu toque poderoso, quando multidões famintas são alimentadas, ou quando um homem endemoninhado se liberta, enquanto porcos despencam no mar e morrem afogados. Ficamos sobremodo alegres quando crianças correm para ele. Aplaudimos quando inimigos, de língua ferina, procuram escapulir sorrateiramente às suas sábias respostas. Reagimos de maneira afirmativa também quando vemos sua obra redentora. Entendemos que a salvação de que nos beneficiamos proveio de sua morte expiatória, de sua ressurreição, e que nos livramos da perdição eterna. Todavia, precisamos compreender que as implicações de seus ensinos vão mais longe um pouco. Precisamos identificar-nos com sua graça em servir, precisamos partilhar o Senhor na semelhança dele como Servo. "O Filho do homem. . . veio. . . para servir" (Marcos 10:45). Marta, à semelhança de muitos de nós, estava confusa quanto ao conceito integral de serviço ao Senhor. A "obra" envolvida no serviço não era problema para ela. Ninguém a superava na excelência do serviço de hospedagem: "Marta o recebeu em sua casa" (Lucas 10:38). Nós a encontramos ocupada com todos os preparativos que precisavam ser feitos (v. 40). Entretanto, a atitude de Marta pôs à mostra a confusão que fazia a respeito do que significa realmente servir. Diz-nos Lucas que ela estava "distraída" com todos aqueles preparativos. A distração de Marta relacionava-se com os afazeres do trabalho, em vez de prender-se à Pessoa a quem estava servindo. Ela fazia coisas certas com atitude errada. O Senhor Jesus a repreendeu, dizendo: "Marta, Marta, estás ansiosa e preocüpada com muitas coisas, mas uma só é necessária" (w. 41-42). Essa única coisa necessária era que Marta fixasse toda a atenção na Pessoa por quem executava tanto serviço. Marta precisava da graça em servir.

Aprendamos a ser ministros 23 Não era alimento o fator importante. Nem era importante o fato de que a ajuda de sua irmã apressaria os preparativos. A coisa mais importante era que o Mestre fosse servido por ambas as mulheres. Maria agradava ao Senhor porque se sentara a seus pés e ouvia. Marta poderia agradar-lhe de modo semelhante ao trabalhar na cozinha. Não era a atividade em si, mas a atitude, que constituía o fator-chave. Marta precisava de graça divina, a fim de bem servir a seu Senhor. Servir faz parte do discipulado As exigências básicas do discipulado são fáceis de entender porque são simples: no entanto, difíceis de serem postas em prática porque exigem demais. O programa de discipulado do Senhor inclui o seguinte: 1. Completa submissão a seu senhorio. 2. Completo espírito de serviço voltado ao povo do Senhor. 3. Completa separação do sistema mundano. Eis aí os ingredientes essenciais do discipulado prático. "Da mesma forma, qualquer de vós que não renuncia a tudo que tem, não pode ser meu discípulo" (Lucas 14:33). "Todo aquele que, entre vós, quiser tornar-se grande, seja vosso servo" (Mateus 20:26). "Como não sois do mundo, antes, dele vos escolhi, é por isso que o mundo vos odeia" (João 15:19). Observe que o espírito de serviço ocupa posição central no modo de viver segundo os princípios bíblicos. O problema é que tais princípios se tornam muito incômodos para nós que estamos conformados segundo o padrão de vida mundano. E assim é que reagimos e resistimos. Eu, escravo? Que horror! Eu sou um escravo? Tais palavras ressoam a princípio como

sentença eondenatória, ou como pesadelo. Associamos a palavra escravo com trabalho de jumento, salário exíguo, serviço braçal para analfabetos. Na África do Sul, a idéia de escravo, ou servo, traz à tona a figura de um negro ou negra trabalhando na cozinha de uma família branca. Tais servos trabalham longas horas em troca de remuneração vil. Às vezes são tratados bem, às vezes não. O padrão total da cultura passa por alterações, mas ainda a imagem de servo naquele país é pejorativa. Os ocidentais, de modo geral, também desligam automaticamente diante do conceito de servo. Jamais se apressariam em atender a um anúncio que fosse assim redigido: Precisa-se de servo. Que seja bem disposto, responsável, obediente e humilde. Exigem-se cinco anos de experiência, e que traga referências. Os norte-americanos sonham com sucesso, segurança, independência, direitos e prosperidade — nunca sonham com servidão. Se você almeja "ganhar amigos e influenciar pessoas" o caminho recomendado não é o do serviço humilde. Se você quer ver seu nome na lista do "Who's Who" (Quem é Quem!), poucas pessoas lhe recomendariam fazer o que Jesus ensinou. Contudo, se estudar a Bíblia e quiser seguir os ensinos claros do Mestre, prestar serviço é coisa que aparece no topo da lista. O verdadeiro espírito de serviço ganha de fato amigos, e influencia pessoas. Produz resultados que vão além de nossos sonhos, embora não apareçam em termos de prosperidade material. Países ocidentais estão cheios de pessoas bem sucedidas — mas infelizes. A felicidade lhes escapou porque os objetivos dessas pessoas de tiveram-se em si próprias. Não aprenderam que a verdadeira felicidade é o resultado de darmos, não de recebermos, de servir a outros, não de servir a nós mesmos. Os objetivos do serviço autêntico projetam-se para além de nós mesmos e atingem outros — inclusive Deus. Ao fazer isso influenciaremos pessoas da mesma maneira como Jesus o fez. A alegria de servir Pense um pouco nas pessoas mais realizadoras que você conhece. Descobrirá que conhecem a alegria de alcançar a outros. O segredo da felicidade está no servir.

Muitos acham difícil crer neste princípio, visto que contraria os ideais de nossa cultura. Acontecia a mesma coisa nos dias de Jesus. Disse ele: "Qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas qualquer que, por minha causa, perder a sua vida, esse a salvará" (Lucas 9:24). Perder a vida significa pôr de lado os objetivos egoístas da sociedade. Entretanto, é perda apenas do ponto de vista do mundo. Salvar a vida é encontrar satisfação espiritual. Os servos "salvam" suas vidas. Um exemplo exponencial de pessoa que perdeu a vida a fim de salvá-la foi Helen Flint, esposa de um professor de seminário teológico. Ela empregou a vida no serviço em prol dos seminaristas. Sua casa ficava próxima ao Seminário, de modo que ela sempre estava pronta para "ministrar" às necessidades de cada aluno que a procurava. E eles apareciam às dúzias. Aos sábados, iam bem cedo, para o café da manhã com bolinhos. Praticamente todos os dias apareciam por ali, a fim de usar o fogão dela, embora nem sempre o deixassem tão limpo como o encontravam. Helen de forma alegre o limpava. Todos os alunos do seminário eram incluídos em suas festinhas comemorativas de aniversários, feitas todos os meses. Dificilmente passava um dia sem que algum estudante não se beneficiasse daquele lar aberto, daqueles ouvidos atenciosos, daquele coração amoroso e receptivo. Helen partilhava alegrias e desapontamentos dos jovens. Distribuía conselhos maternais, piedosos. Embora muitas vezes se sentisse cansada, sorria sempre. Poucas pessoas seriam capazes de servir como Helen servia, e poucas pessoas conheceram a alegria profunda, plena de satisfação, experimentada por Helen. Ela e o marido estão aposentados agora. Entretanto, ela deixou um testemunho monumental em homenagem à alegria de servir. Fez a felicidade de centenas e, neste processo de servir, tornou-se a pessoa mais feliz entre todas. Você também pode experimentar a mesma alegria!

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2a PARTE

MODELO

Jesus Cristo, servo de Deus e quisermos aprender de modo apropriado o ensino bíblico a respeito do espírito de serviço, torna-se necessário conhecermos os costumes e leis dos hebreus e, em seguida, relacioná-los a Jesus Cristo, o Servo. A lei concernente ao serve hebreu é explanada duas vezes nas Escrituras (Êxodo 21:1-6; Deuteronômio 15:12-18). Na economia agrária dos hebreus, os pequenos proprietários de terras às vezes faliam. O interesse pelo bem da família poderia induzir esse homem falido a oferecer-se como servo de algum fazendeiro. Não se tratava de um acordo perpétuo, mas com duração de seis anos apenas. No sétimo ano esse servo deveria ser libertado. Ele só não podia levar consigo a esposa e os filhos adquiridos durante a escravidão; a esposa deveria terminar c contrato dela. O homem seria liberado e partiria bem provido de mercadorias de modo que pudesse reiniciar a vida. Essas provisões de ajuda deveriam ser proporcionais aos bens com que Deus havia abençoado o fazendeiro rico, o qual deveria lembrar-se de que Deus o libertara da escravidão no Egito. E assim era que tal homem libertava alegremente uma pessoa que passara por grandes dificuldades. Entretanto, constitui elemento básico, importantíssimo, no ensino bíblico a respeito da servidão, que o escravo às vezes decidia não abandonar seu amo e senhor. É possível que enten desse que as circunstâncias lhe seriam melhores se continuasse

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como servo, do que sendo livre: boas acomodações, comida sadia, lar feliz, senhor bondoso. Por isso, poderia escolher a opção de continuar como servo, e recusar a liberdade. A fim de oficializar essa servidão perpétua, havia uma pequena cerimônia prescrita para a ocasião. O senhor apresentaria o servo a Deus — a saber, para o juiz local, que agia em nome de Deus. O servo deveria declarar de público: "Eu amo a meu senhor, e a minha mulher, e a meus filhos, e não quero sair forro" (Êxodo 21:5). Em seguida era levado à porta de madeira e sua orelha era furada com uma sovela, deixando uma cicatriz permanente, marca de servidão perpétua. A partir de então não haveria retrocesso, ele serviria a seu senhor pelo resto da vida. Quatro coisas caracterizariam seu serviço a partir daí. Basearse-ia no amor, visto que havia experimentado o amor de seu senhor e reagido a ele positivamente. "Eu amo a meu senhor", havia dito. Era voluntário. O homem havia tido oportunidade de libertar-se, mas preferiu a servidão. Esta seria perpétua. Não haveria maneira de fugir do cativeiro, no futuro. O relacionamento senhor-servo nunca se alteraria. Seria total. Teria obrigação de cumprir a vontade de seu senhor em tudo. O salmo 40 relata a lei dos hebreus concernente ao servo, à pessoa do Senhor Jesus. Trata-se de um dos salmos messiânicos, o que significa que contém uma referência ao Messias, citada de forma direta no Novo Testamento. Davi escreveu baseado numa de suas experiências de rejeição, provavelmente quando seu filho Absalão rebelou-se e furtou os corações das pessoas. Absalão dera início à revolta aberta com uma festividade sacrificial. Esses sacrifícios, que objetivavam significar a vinda do Salvador, o qual deveria sofrer e morrer pelos nossos pecados, tornaram-se meramente cerimoniais. Contudo, Absalão abusou desses sacrifícios mais ainda. Sentindo-se rejeitado, Davi clamou ao Senhor numa oração em que pede livramento. Lembra-se de que Deus o livrara de dificuldades anteriores, e confia em que será ajudado de novo. Os primeiros cinco versículos são um cântico de louvor pelas

Jesus Cristo, servo de Deus 31 respostas anteriores às suas orações. Deus havia levantado Davi, tirando-o da cova, e dando-lhe um cântico de agradecimento. É na parte seguinte (w.6-10) que ocorre a referência à lei hebraica concernente ao servo. Ali declara Davi sua devoção a Deus, sendo servo obediente. Ele observa que Deus não está primordialmente interessado na faceta cerimonial dos sacrifícios. "Sacrifício e oferta não quiseste" (v. 6). Os sacrifícios legais de animais eram apenas figuras do único sacrifício verdadeiro pelo pecado, que seria oferecido pelo Servo-Redentor que a si mesmo se ofereceu na cruz. O próprio Servo perfeito é quem fala, na frase seguinte: "as minhas orelhas furaste". Eis uma frase estranha, até que nos lembremos de que o servo passava pelo furo das orelhas ao dar-se de maneira irrevogável à vontade de seu senhor. E aqui, no salmo 40, o Servo perfeito fala que sua orelha foi furada ao dar-se a si mesmo, em sacrifício verdadeiro pelos nossos pecados. O Senhor o havia transformado em servo: "As minhas orelhas furaste". O sacrifício era eficaz porque partia da iniciativa do Senhor. No versículo seguinte o Servo declara: "Então, eu disse: Eis-me aqui, cheguei, no rolo do livro está escrito a meu respeito. Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu, a tua lei está dentro do meu coração" (w. 7-8). O servo hebreu faria a vontade de seu senhor e, aqui, o Servo perfeito declara que encontra prazer e grande alegria em executar a vontade de Deus. Seu serviço é todo voluntário. "Eis-me aqui, cheguei". Não se trata de mero indício da Encarnação. "Eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" (João 6:38). O servo do salmo 40 é mencionado mais uma vez em Hebreus, onde as palavras deste são aplicadas diretamente a Cristo (Hebreus 10:5-7). Os primeiros quatro versículos desse capítulo declaram que os sacrifícios animais da Antiga Aliança não podiam remover pecados. A prova disso estava na repetição desses sacrifícios. Todavia, quando o Servo do capítulo 40 veio ao mundo, não trouxe sacrifícios animais, mas trazia um corpo

preparado para o único sacrifício eficaz (Hebreus 10:5). 0 corpo do Servo foi oferecido pelo pecado, na cruz. Observe que o autor de Hebreus usou palavras específicas: "corpo me preparaste" em lugar de "minhas orelhas furaste" do salmo 40. Entretanto, ambas as expressões se eqüivalem, na verdade, visto que a orelha perfurada do servo significava que se dera inteiramente a seu senhor. Tal doação incluía seu corpo, o qual, no caso de Cristo, deveria ser usado como sacrifício. Quando crentes se reúnem a fim de celebrar a Ceia do Senhor, participam do pão que é descrito como "meu corpo que é entregue por vós" (1 Coríntios 11:24). A lei concernente ao servo hebreu era, pois, em primeiro lugar, assunto civil, parte da regulamentação da sociedade hebraica. Em segundo lugar, tornou-se parte da promessa messiânica, no salmo 40. Por fim, a verdade integral foi explicada no oferecimento do corpo de Cristo como sacrifício pelo pecado. A Palavra de Deus é maravilhosa. À semelhança do servo hebreu do Antigo Testamento, nós também fomos libertos pelo Senhor de grande destruição e fracasso. Nós também nos tornamos recebedores de sua graça. Também chegamos ao ponto em que o amamos e o apreciamos. Ele nos deu inteira liberdade de escolha. Entretanto, se nosso amor for genuíno, só desejaremos a liberdade para executar a vontade dele, e ser servos do Senhor. A verdade é que ao escolher nossos próprios caminhos, escolhemos a pior servidão. E ao decidirmos que seremos servos de Deus encontramos a maior liberdade. Da mesma forma que o servo hebreu dos tempos bíblicos, devemos chegar a nosso Deus e Senhor e dizer: "Eu amo a meu senhor, e não quero partir em liberdade. Quero servir-lhe para sempre". Teremos nossa orelha perfurada, como marca da entrega perpétua ao Senhor. A orelha representa nossa habilidade de ouvir a voz de Deus e a ela obedecer. Considere a resposta que o adolescente Samuel deu ao Senhor, quando este o chamou: "Fala, pois o teu servo ouve" (1 Samuel 3:10). Na língua zulu há uma mesma palavra para ouvir e para obedecer: lalela. Handley Mouletaptou dá o conceito integral

Jesus Cristo, servo de Deus 33 desta idéia em seu hino de consagração: Meu glorioso Vencedor, Príncipe Divino, Segura minhas mãos rendidas nas tuas mãos, Porque finalmente minha vontade é só toda tua vontade, Sou vassalo alegre perante o trono do Salvador. Mestre meu, conduze-me à tua porta, Perfura mais uma vez minha orelha a ti sujeita; Tuas algemas são liberdade, permite-me permanecer Contigo a fim de trabalhar, sofrer e obedecer. Sim! Orelhas, mãos, pensamentos e vontade, Usa tudo que sou em teu serviço querido, Minha liberdade, exaurida, atiro aos teus pés. Toma-a e prende-a contigo. Espezinha minha liberdade própria, e saberei Então que estas mãos transbordarão de bênçãos tuas, Minhas orelhas perfuradas captarão as palavras Tuas que me dizem que eu e tu somos um. A atitude do Servo O tipo bíblico de Cristo como servo foi cumprido na vida e obra de Jesus. Uma das passagens mais maravilhosas e impressionantes das Escrituras a esse respeito é Filipenses 2:3-8, que descreve a auto-humilhação do Salvador. O texto apresenta algumas das mais profundas verdades bíblicas a respeito da divindade e humanidade de Cristo. A intenção de Paulo ao expressar essas verdades não era primordialmente teológica, mas prática. Exortava os crentes filipenses a renunciar o egoísmo, e a ver as outras pessoas como sendo mais importantes do que os próprios destinatários de sua carta. Essa atitude não significa que o piloto deve permitir que a comissária de bordo faça a aterrissagem de um Boing 747. Significa que o piloto considerará o bem-estar e conforto da comissária mais importantes do que seu próprio bem-estar e conforto. Todas as pessoas têm dignidade como pessoas, e devem ser consideradas importantes, não importando sua profissão.

Paulo prossegue, exortando os crentes a se concentrarem nos interesses dos outros e não apenas em seus próprios. Muitos de nós falhamos neste ponto por sermos bastante egocêntricos. A fim de imprimir a lição com profundidade, Paulo nos recomenda que tenhamos a mesma atitude de Cristo, que não buscou os próprios interesses, mas concentrou-se nos interesses dos outros. Ele pôs de lado seu nome, seu trono, sua dignidade, sua glória e sua coroa a fim de livrar-nos de nosso pecado, de nossa desesperança e condenação. Ao considerar nossas condições desesperadoras, Cristo demonstrou uma atitude que personificou o espírito de serviço. Pense bem nas palavras das Escrituras: "Não atente cada um somente para o que é seu, mas cada qual também para o que é dos outros. De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas a si mesmo se esvaziou, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens. E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz" (Filipenses 2:4-8). A ênfase aqui é que devemos manter a mesma atitude de Cristo, e que isso resultaria em dar-nos a nós mesmos aos outros, como Cristo o fez. A tentação reside em aceitarmos a oferta sacrificial do Senhor, pelos nossos pecados, e rejeitar essa mesma oferta sacrificial como modelo para nossa vida. Entretanto, é absurdo aceitar uma coisa e rejeitar a outra. Havendo recebido de forma gratuita os benefícios da servidão de Cristo, que ele operou por nós, devemos naturalmente reagir seguindo seu exemplo. O efeito proveniente do estudo das seis etapas da humilhação de Cristo deveria ser que viéssemos a desejar, acima de todas as coisas, ser como Jesus. Não estamos contemplando, aqui, a magnitude espantosa das declarações teológicas, mas o impacto prático que trarão ao nosso conceito de servidão. O caminho percorrido por Cristo inicia-se na glória de ser Deus e termina em humilhação, na crucificação.

Jesus Cristo, servo de Deus 35 Cristo e sua dignidade pessoal "Sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual Deus" (v. 6). A palavra "forma" aqui indica mais do que formato e aparência. Indica que Cristo possuía a natureza e a essência de Deus. lintretanto, não considerou isso vantagem a ser explorada, nem dignidade a ser arrebatada e agarrada. Cristo estava disposto a despir-se de sua glória exterior. Em contraste, às vezes consideramos certos atos como estando "abaixo de nossa dignidade". Como professor universitário, por exemplo, poderia considerar coisa baixa demais para mim limpar manchas de café no piso do "hall" de entrada. Este trabalho poderia ser executado pelo departamento de zeladoria ou conservação, ou por um estudante que tivesse de executar "trabalho de escravo" — mas, eu não! No entanto, tendo o Servo Salvador como exemplo, devo demonstrar atitude semelhante à dele, não tendo meu "status" pessoal como um tesouro que deva ser resguardado ou reconhecido. Cristo renuncia à sua dignidade pessoal Uma das mais profundas declarações das Escrituras é a seguinte: "a si mesmo se esvaziou" (v. 7). Cristo caminha mais um passo em sua humilhação ao fazer de si mesmo "nada" (como diz uma versão inglesa) ou "sem nenhuma reputação" (como diz outra). Ele abriu mão do direito de expressar sua Divindade. Deliberadamente lançou um véu sobre sua majestade e poder, enquanto esteve na terra, como o Filho encarnado, sendo que os únicos que lhe contemplaram a glória (no monte da Transfiguração) foram Pedro, Tiago e João. Como servo, Cristo de propósito escondeu os aspectos exteriores de sua Divindade. Quando pessoas referiam-se a ele só como o carpinteiro, ou mestre, ele não as corrigia, e tampouco as impressionou com demonstração de onipotência. Nós, por outro lado, freqüentemente fazemos as pessoas saberem "quem somos". Somos alguém, mas tentamos fazer parecer que somos humildes, apesar de quem somos. É por isso que deixamos escapulir sempre uma ligeira pista indicativa da dignidade que julgamos merecer. Nosso perfeito Servo jamais fez isso! Ensinou-nos a ter um coração igual ao dele, a estarmos

interessados na execução de nosso trabalho em vez de ficar demonstrando nossa dignidade. Na verdade, Cristo ocultou de nós a glória de sua Divindade. Às vezes acontece de usufruirmos a companhia amistosa de outro irmão em Cristo e só depois descobrimos, encantados, que se tratava de pessoa de renome, cujo prestígio não revelou durante a conversa conosco. Eis uma característica do verdadeiro serviço a Deus. Cristo assumiu o papel de servo Cristo não apenas se esvaziou mas tomou "a forma de servo", (v. 7), a saber, assumiu a natureza essencial de um escravo. Em relação a Deus, o Senhor Jesus assumiu o lugar de um servo. Estava determinado a fazer a vontade de Deus em sua máxima expressão. A satisfação do Pai era a ordem que o impelia. Eis a atitude que nos convém assumir, a atitude de Cristo, que tomou a posição de sujeição e submissão total à vontade de seu Pai. Agora, devemos entregar-nos de maneira total ao senhorio de Cristo, caminhar para o portal a fim de que nossa orelha seja furada, e apresentar nosso corpo em sacrifício vivo (Romanos 12:1).

Enquanto houver sangue quente pulsando nestas veias, Enquanto tiver saúde, força e energia, Enquanto permanecer em mim uma fonte latejante de vida, Toma este corpo que te ofereço, ó Deus, ele é teu! (William Blane) Cristo se torna homem O quarto passo descendente, na humilhação do Senhor Jesus, foi a encarnação: ele se tornou um homem. Os teólogos dão a isso o nome de encarnação de Deus. O Senhor abandonou a eternidade e invadiu o tempo. Tornou-se verdadeiramente homem. Foi feito, por um pouco, menor do que os anjos. Que condescendência! Milton colocou esse fato em sua poesia: Aquela Forma gloriosa, aquela Luz inefável. . . Ele tudo deixou de lado para estar aqui conosco, Abandonou a corte celestial da eternidade, Preferiu estar aqui, numa casa escura, de barro mortal.

Jesus Cristo, servo de Deus 37 A identificação de Cristo com o homem, a fim de tornar-se nosso Redentor, é fato singular na história do universo, dandonos uma visão ampla da atitude de servo que o Senhor requer de- seus seguidores. As vezes se dá a essa doutrina o nome de cncarnação divina para cumprimento da missão redentora. Significa apenas que você, sendo servo de Deus, deverá estar disposto a identificar-se com outro ser humano a fim de salvá-lo. Cristo se humilhou como homem Cristo não desceu apenas na escala, caindo da divindade para a humanidade: ele se dirigiu à extrema baixeza da humanidade. Nasceu numa manjedoura, numa estrebaria ou caverna, moradia de gado. Cresceu em circunstâncias pobres, numa cidadezinha desprezada, Nazaré. Sabia identificar-se com os oprimidos e destituídos de privilégios. Soube o que era sofrer, sentiu fome e cansaço, tudo que se associa a um mundo amaldiçoado pelo pecado. Poucos crentes sabem a respeito de escolhas deliberadas para estar ao lado dos desprezados e rejeitados. Entretanto, é isto que devemos fazer se quisermos imitar o Servo perfeito. É freqüente agirmos de forma paternalista, em relação aos menos afortunados. Em vez de humilhar-nos, enviamos por um portador um pacote de gêneros de primeira necessidade, ou um cheque. Conseguimos assim, aliviar nossa consciência. Entretanto, não nos damos a nós mesmos. O Senhor conversou com uma mulher de reputação questionável, à beira do poço. Conversava com publicanos e pecadores. Amava as pessoas como ninguém mais conseguiu amar. O Filho do homem veio para servir, não para ser servido. Ao fazê-lo, humilhou-se a fim de estar onde os homens estavam. Cristo obedeceu até à crucificação Os passos de Cristo na descida humilhante se iniciaram na glória de sua Divindade, e se encerraram com sua humilhação na morte como criminoso, numa cruz romana, a indignidade máxima. Profeticamente, Cristo poderia dizer: "Eu sou verme, e não homem, opróbrio dos homens e desprezado do povo. Todos os que me vêem zombam de mim" (Salmo 22:6-7).

A obediência de Cristo como servo levou-o a dar-se a si mesmo em sacrifício pelo nosso pecado. A morte por crucificação era a mais dolorosa, e mais degradante, porém, o Salvador foi obediente até à morte, "e morte de cruz" (v.8). Cristo foi ao extremo, por obediência ao Pai. Essa atitude do Servo, que cobriu todo o caminho até à cruz, deve ser também nossa atitude. "Haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus" (v. 5). Nenhum caminho é áspero demais, nenhum lugar longínquo demais, nenhuma dor intensa demais. A obediência nos conduzirá por todo o caminho, integralmente, ou não será obediência, de modo algum. No Antigo Testamento, o servo hebreu fazia uma entrega, um compromisso de obediência total, quando sua orelha era perfurada. O Senhor Jesus entregou a própria vida em obediência, como sacrifício pelo nosso pecado. E nós recebemos a ordem de assumir a mesma atitude de Cristo. Que a mente de Cristo, meu Salvador, Esteja em mim dia após dia. Que seu amor e seu poder controlem Tudo que sou, que faço e digo. (Katie B. Wilkinson)

4 O Messias que completou a obra prender a servir não é coisa complicada, especialmente quando dispomos do maior Mestre (e Servo) que já existiu. Deus nos ensina as características do Servo perfeito por inúmeros meios, inclusive as vidas dos santos do Antigo Testamento. Moisés, por exemplo, é comparado ao Senhor Jesus:

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"Mas os filhos de Israel caminharam a pé enxuto pelo meio do mar, e as águas lhes foram qual muro à sua direita e à sua esquerda. Assim o Senhor salvou a Israel naquele dia das mãos dos egípcios, e Israel viu os egípcios mortos na praia do mar. E quando Israel viu o grande poder que o Senhor havia mostrado aos egípcios, o povo temeu ao Senhor, e confiaram no Senhor e em Moisés, seu servo" (Êxodo 14:29-31, grifo do autor). "Considerai a Jesus. . . ele foi fiel. . . como também o foi Moisés em toda a casa de Deus. . . Moisésfoi fiel... como servo. .. " (Hebreus 3:1-5, grifo do autor). Todavia, é mais significativo ainda que as características do Antigo Testamento, que prefiguraram Jesus como Servo, foram transmitidas através de profecias diretas. E dentre os profetas que falaram dele como servo nenhum se destaca mais do que Isaías, o príncipe dos profetas do Antigo Testamento. Os capítulos 40 a 66 da proclamação de Isaías alcançam o ponto mais elevado entre as profecias veterotestamentárias con-

cernente ao Messias. Estes vinte e sete capítulos antecipam a verdade neotestamentária, com seus vinte e sete livros. A semelhança do Novo Testamento, iniciam-se com o ministério de João Batista e terminam com a glória dos novos céus e nova terra. (Compare Isaías 40:3-8, 65:17-22 com Mateus 3:1-3, Apocalipse 21,22). O messianismo épico que se desdobra entre esses dois eventos revela a glória do Messias em sua vida, sofrimentos e exaltação. Não é de admirar que esses capítulos sejam mencionados mais vezes no Novo Testamento do que qualquer outra parte do Antigo Testamento que se refira ao mesmo assunto. O Messias é um servo Pode parecer estranho que a maior pessoa que andou pela terra seja caracterizada pelo termo "servo". Entretanto, a servidão de Cristo está entre as principais profecias messiânicas. Suas funções de servo ocupam posição central no tema de Isaías visto que, como servo, Jesus executou a obra que o Pai lhe havia atribuído: salvar e redimir pecadores (Marcos 10:45). Quando esta obra estava terminada, ele o anunciou da cruz: "Está consumado" (João 19:30). O espírito de serviço demonstrado pelo Senhor era essencial para o cumprimento de sua missão. Deus quer que estudemos a Cristo, o Servo, e o sigamos como modelo. Deus nos chama a atenção para isso com a seguinte declaração: "Aqui está o meu servo. . . " (Isaías 42:1). Portanto, obedeçamos ao imperativo do Senhor. Cânticos do Servo Quatro passagens poéticas de Isaías freqüentemente são mencionadas como "Cânticos do Servo". Cada cântico enfatiza algo singular a respeito de Cristo, o servo incomparável. Revelam também outros aspectos de seu espírito de serviço, que devemos imitar, à medida que vamos sendo conformados à sua imagem (Romanos 8:29). Tais cânticos encontram-se nas seguintes passagens: Isaías 42:1-7 O Caráter do Servo Isaías 49:1-7 A Missão do Servo Isaías 50:4-9 A Disciplina do Servo Isaías 52:13 — 53:12 O Sofrimento do Servo

A descrição do Servo perfeito encontrada nessas quatro passagens líricas são inigualáveis em toda literatura. A primeira passagem mostra o caráter do Servo: "Aqui está o meu servo, a quem sustenho, o meu eleito, em quem se compraz a minha alma; porei o meu Espírito sobre ele, e justiça produzirá entre as nações. Não clamará, não se exaltará, nem fará ouvir a sua voz na praça. A cana ferida não quebrará, e não apagará o pavio que fumega. Em verdade, ele trará a justiça. Não faltará, nem será quebrantado, até que ponha na terra a justiça. Na sua lei as ilhas esperarão. Assim diz Deus, o Senhor, que criou os céus, e os estendeu, e formou a terra, e a tudo o que produz, que dá a respiração ao povo que nela está, e vida aos que andam nela. Eu, o Senhor, te chamei em retidão, eu te tomarei pela mão. Eu te guardarei, e te darei por aliança do povo, e para luz dos gentios, para abrir os olhos dos cegos, para tirar da prisão os presos, e do cárcere os que jazem em trevas" (Isaías 42:1-7). A Glória do seu caráter Submissão Quando se inicia o cântico, o Senhor descreve quatro aspectos do relacionamento entre ele próprio e seu servo. Quando o Senhor o chama de "meu servo", torna-se clara a propriedade e a autoridade do Senhor. Cristo sempre esteve bem ciente disso, durante toda sua vida. Pense em quantas vezes Cristo se referiu a "Meu Pai" demonstrando completa submissão do Filho a seu Pai. Força A segunda área de relacionamento mencionada pelo Senhor percebe-se nas palavras: "A quem sustenho". O Senhor Jesus foi sustentado ou fortalecido pelo Pai. Jesus, o servo, afirmou que era o Pai quem realmente executava a obra (João 14:10). Nos momentos de tensão, também, Jesus procurava e recebia forças do Pai. Na obra que executamos para o Senhor, nós também devemos reconhecer que não é o instrumento humano que executa, mas a força divina. Assim disse Paulo: "Posso todas as coisas naquele que me fortalece" (Filipenses 4:13).

Os discípulos aprenderam que sem o Senhor nada poderiam fazer (João 15:5). Propósito A terceira coisa que o Senhor Deus afirma a respeito de seu servo é: "O meu eleito". O Servo foi escolhido para a grandiosa missão redentora, para a qual foi enviado: "O Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo" (1 João 4:14). Disse Jesus: "A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou" (João 4:34). Consciente de que havia sido escolhido para a missão de redimir a raça humana, Jesus exibia atitude triunfante nas mais difíceis provações; até mesmo na cruz. Como crentes, também fomos escolhidos para o serviço que temos de fazer. O fato de sabermos que o Deus onisciente nos escolheu para este momento particular deve transformar as provações em triunfo. A experiência de Paulo durante a tempestade ilustra bem esse princípio (Atos 27:23-25). Satisfação Agora o Pai diz o seguinte a respeito de seu servo: "Em quem se compraz a minha alma". O Senhor se alegra na obra e no caráter de seu servo. O Novo Testamento registra duas vezes uma expressão do Pai a respeito de seu Filho amado. No batismo deste uma voz celestial trovejou: "Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo" (Mateus 3:17). E na transfiguração a mesma voz celestial declarou que Deus estava satisfeito (Mateus 17:5). Todos os aspectos da obra executada pelo Filho agradaram ao Pai. Essas quatro frases a respeito de Cristo como o servo dãonos o padrão para nosso trabalho. Primeiramente, reconhecemos com alegria que pertencemos a Deus. Quanto maior for nosso senso de pertencer a Deus, e nossa submissão a ele, maior será nossa eficiência como servos. Quando Tomé confessou: "Senhor meu e Deus meu", estava confessando sua submissão ao Salvador. Em segundo lugar, estamos cônscios de sermos sustentados

pela "graciosa e onipotente mão" de Deus. Essa é a razão por que Paulo orou no sentido de a igreja de Colossos ser fortalecida: "Com toda a fortaleza, segundo a força da sua glória, em toda a paciência, e longanimidade com gozo" (Colossenses

1:11).

À semelhança de Cristo, o servo, nós também fomos "escolhidos". "Somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras" (Efésios 2:10). Quanta dignidade isso empresta à nossa obra! É uma honra servir ao Deus vivo! Por fim, devemos viver a fim de agradar ao Senhor, assim como Cristo agradou ao Pai. Paulo desafiou a Timóteo, exortando-o a ser soldado de Cristo, cujo anseio é agradar ao Comandante, livrar-se de seus compromissos pessoais, e entregar-se à obra de tal maneira que satisfizesse integralmente ao grande Comandante (2 Timóteo 2:4). Nós servimos com alegria, a fim de satisfazer ao Senhor. Um dos fatores de sucesso, capaz de motivar equipes vencedoras de futebol, é a dedicação ao jogo com o intuito de agradar ao treinador. Os jogadores sabem que na segunda-feira todos verão os videoteipes, e alguém avaliará o desempenho de cada jogador. Tendo isso em mente, os aplausos ou as vaias da multidão já não os distraem. Tudo que almejam é um elogio do treinador: "Muito bem!" De modo semelhante, nada deveria deliciar-nos, senão o objetivo de agradar a nosso Senhor. Unção do Espírito Santo Prossegue a profecia de Isaías, afirmando no versículo primeiro: "porei o meu Espírito sobre ele". A descida do Espírito Santo, de forma visível, sobre Jesus, foi acompanhada de uma voz celestial que declarava Deus satisfeito com seu servo (Lucas 3:21-22). Tal evento marcou o início do ministério do Servo. Há um elo importante ligando a satisfação do Pai e a unção do Espírito Santo, como aparece em Isaías 42 e também em Lucas 3. A "satisfação" e a "unção" estão sempre juntas. A partir desse momento, os grandes acontecimentos do ministério de Jesus estariam ligados à capacitação do Espírito. Como servos, os crentes também precisam do poder do

Espírito, que os capacita. Sem o Espírito nosso trabalho é destituído de poder, e não tem sentido. Quando os discípulos receberam a comissão, receberam também o poder do Espírito Santo (Atos 1:8). Grande parte das atividades da igreja de hoje é ineficaz porque fica na dependência única dos recursos humanos, em vez de dependerem do poder do Espírito de Deus. Nossa tendência é trabalhar com equipamento imponente, organização excelente, e força deficiente. Os servos cheios do Espírito são eficientes porque o poder de Deus está operando através deles. Na vida de Davi há uma boa ilustração da falta de poder da igreja. No vale de Elá, onde os filisteus enfrentavam o exército de Israel, Golias dia após dia desafiava o povo israelita, sem que alguém se apresentasse: "Desafio as fileiras de Israel! Dai-me um homem, para que ambos pelejemos" (1 Samuel 17:10). Ninguém se atrevia a aceitar o desafio, nem mesmo Saul. No versículo 2 lemos que "Saul e os homens de Israel se ajuntaram e ordenaram a batalha contra os filisteus" mas isso foi tudo que conseguiram fazer. A igreja é mais ou menos assim. Bem-treinada, bem-equipada, até parece uma igreja militante. Todavia, quando chega o momento da batalha, não temos um Davi. Quando aquele Davi veio, ele veio com o Espírito do Senhor (1 Samuel 16:13). Assim fortalecido, gritou para o gigante: "Do Senhor é a guerra, e ele vos entregará nas nossas mãos" (1 Samuel 17:47). Esta é a chave para a vitória. Justiça para as nações O mundo de Isaías, tanto quanto o nosso, estava cheio de injustiça, do palácio à choupana. O Messias-Servo, cuja vinda estava próxima, finalmente traria justiça às nações. Isaías profetizou a respeito de um Reino em que a justiça seria estabelecida em todas as nações do mundo (Isaías 40:1). Esse dia ainda não chegou, a justiça e a paz ainda estão ocultas. Entretanto, a obra do Servo resultará, no fim, em justiça e retidão, quando ele voltar

O Messias que completou a obra 45 para estabelecer seu Reino. Todavia, antes mesmo deste dia chegar, há um sentido no qual a justiça já está, agora, chegando às nações. À medida que as Boas Novas são pregadas ao redor do mundo, o resultado é a liberação das pessoas do cativeiro do pecado. Todos os crentes que são verdadeiros servos podem levar esta mensagem às pessoas perdidas deste mundo. O Senhor Jesus pediu a seus discípulos que levantassem seus olhos e contemplassem os campos prontos para a colheita (João 4:35). O trabalho de colheita é para os servos. A glória do serviço divino É possível que a característica que mais se destaca na descrição do Servo do Senhor, feita por Isaias, esteja nos versículos 2 a 4 do capítulo 40. O caráter do Servo é percebido pelo tipo de serviço que presta. Serviço de autonegação "Não clamará, não se exaltará, nem fará ouvir a sua voz na praça" (v 2). O cerne desta declaração é que ele não ergueria sua voz a fim de se autopromover. No desempenho de sua missão, Cristo não procurou reconhecimento. Como ele foi diferente dos homens de hoje! Poucos desejam que suas realizações permaneçam anônimas. Jesus curou sem jamais dizer quem o fizera (Lucas 23:9). A obra dele era humilde, gentil, pacífica. Disse ele: "Sou manso e humilde de coração" (Mateus 11:29). Obra que se nega a si própria é obra semelhante à de Cristo. É triste dizê-lo, mas o mundo evangélico às vezes se vê infectado pelo caráter autopromocional do mundo secular. Grandes nomes recebem preeminência nos meios de comunicação cristãos, e o perigo é que o povo de Deus poderá presumir que as maiores bênçãos de Deus acompanham os maiores nomes. É verdade que alguns dos líderes cristãos mais conhecidos são genuinamente humildes, mas a humildade não constitui um caminho fácil. Precisamos ser relembrados, com constância, de que ele "humilhou-se a si mesmo" (Filipenses 2:8). Devemos negar-nos a nós

46 Ele Humilhou-se a Si mesmo mesmos, se quisermos servir como ele serviu. Serviço orientado para os outros "A cana ferida não quebrará" (v. 3). As pessoas geralmente estão como "canas" feridas, carregando cicatrizes da vida que as encurvaram e magoaram. Um líder agressivo poderá quebrar tais canas, atirando-as de lado. O Servo perfeito nunca agiu assim. Ele se especializou em curar canas feridas, fazendo-as renovar-se sob seu cuidado gentil e paciente. Pedro era "cana ferida" quando negou a seu Senhor. Como é que esse homem seria reconhecido depois como grande líder da igreja primitiva? A resposta está no ministério do Servo que, com máximo cuidado, restaurou a Pedro: "Apascenta os meus cordeiros" (João 21:15). Há desesperada necessidade, em nossos dias, do ministério de cura às "canas" feridas. Corações dilacerados, vidas e lares desintegrados são vistos por toda a parte. Os verdadeiros servos têm aqvii excelente oportunidade de exercer seu ministério. O Messias não só endireitaria as canas quebradas, mas restauraria os pavios fumegantes (v. 3). A imagem é a de um antigo lampeão feito de barro, que queima óleo, tendo um pavio que sai de um orifício menor. Com o tempo, o pavio se torna chamuscado e recoberto de crosta dura, fazendo com que a chama vacilante vá diminuindo cada vez mais. O pavio precisa de limpeza periódica, e deve ser aparado também, a fim de prosseguir iluminando. O pavio vacilante ilustra a pessoa cuja luz do testemunho se tornou ineficaz. O servo de quem Isaías fala não vai apagar o pavio fumegante. Ao contrário, vai rèstaurá-lo, de modo que volte a iluminar o ambiente. É muito significativo que esta passagem seja mencionada em Mateus 12:18-21 como base da compaixão do Senhor pelos doentes e sofredores. Que trabalho, o do Servo! Há necessidade, na igreja, do ministério de restauração de pavios vacilantes. Vidas que antes brilhavam maravilhosamente às vezes chegam a perder seu grande brilho e fulgor. João Marcos foi uma dessas pessoas. Abandonou Paulo e Barnabé em sua primeira viagem missionária e regressou à sua casa (Atos 13:13)-

O Messias que completou a obra 47 Mais tarde, porém, Paulo escreveu que Marcos lhe era útil no ministério (2 Timóteo 4:11). João Marcos estava brilhando de novo. Sem dúvida alguma, nesse intervalo houve um ministério de restauração do pavio (provavelmente executado por Barnabé). Igrejas locais possuem inúmeros pavios queimando mal, necessitados de atenção. É fácil a liderança esquecer-se das pessoas com problemas, como as que não se casaram, os divorciados, ex-presidiários e outros grupos estigmatizados. O servo de Cristo dará um jeito de fazer com que tais pessoas recebam o toque restaurador do amor. É verdade que são canas feridas, mas ficarão de pé de novo. São pavios fumegantes, mas voltarão a brilhar, sem dúvida. A glória da fidelidade do servo Outra coisa que Isaías diz a respeito deste servo maravilhoso é sobre sua fidelíssima perseverança até o fim: "Não faltará, nem será quebrantado" (v. 4). Há um trocadilho interessante nos versículos 3 e 4. As palavras traduzidas por "quebrar" e "apagar" no versículo 3 são as mesmas traduzidas por "faltar" e "ser quebrantado" no versículo 4. A força desse enunciado está em que Aquele que não apaga pavios fumegantes jamais falta e nunca se apaga. E Aquele que restaura canas feridas jamais se quebra. Ele não se apaga, nem se quebra, embora ministre às pessoas que se apagaram ou se quebraram. Na mitologia grega, os deuses que supostamente faziam atos maravilhosos eram tão egoístas e imorais como as pessoas aqui da terra. Não foi assim que aconteceu quando Deus enviou seu Filho — o Servo. Embora seus inimigos procurassem falhas em seu caráter jamais encontraram uma sequer. Cristo, a cana, permanece inquebrantável. Cristo, a Luz, brilha intensa e fulgurantemente. Que modelo extraordinário ele é para nós, seus servos! Mais um pensamento a respeito dos versículos 3 e 4: a cana se quebra por causa de um golpe exterior, o pavio da lamparina se torna imprestável devido impurezas internas. Tanto homens ímpios quanto o próprio Satanás procuravam ferir a Cristo. Forças sutis da mente e do corpo foram utilizadas a fim de

tentá-lo no íntimo. Em ambos os casos, as Escrituras testificam que Cristo permaneceu completamente isento de pecado. Servindo ao máximo "Não faltará, não será quebrantado, até que ponha na terra a justiça" (v. 4). A fidelidade do Senhor à sua tarefa foi perseverante até a consumação da obra. O Servo continua a servir àqueles a quem o mundo ignora. Nenhum desânimo o atinge, nada o desencoraja, ainda que as pessoas a quem serve tropecem e caiam. Cristo não apenas salva ao máximo — ele também serve ao máximo. O Novo Testamento nos lembra que o Senhor pode "compadecer-se das nossas fraquezas". (Hebreus 4:15). Sabe quão fracos somos, lembra-se de que somos pó (Salmo 103:14). Entretanto, "suas misericórdias não têm fim" (Lamentações 3:22). Do mesmo modo, ao servir, não devemos sentir-nos desanimados, mas prosseguir com fidelidade até que nossa missão esteja terminada. Talvez nos ajude a manter o ânimo a lembrança de que o Senhor fez tudo para nos salvar. Passou pelo Getsêmani, por provações e negações, pela zombaria na cruz, pela escuridão e solidão. Quando a obra de nossa salvação estava cumprida, clamou: "Está consumado" (João 19:30). Cristo obedeceu fielmente ao Pai até que a obra se completasse. Nós também precisamos ser constantes no trabalho. Admiramos desempenhos magníficos nos esportes, na música, nas artes, nos empreendimentos comerciais, etc. Entretanto, poucos dentre nós estão dispostos a perseverar até o fim. Dentro e fora da igreja há gente demais no papel de espectadores; poucos desempenham algum papel principal. No que concerne à disposição de servir, precisamos de muitos mais que queiram esforçar-se a fim de atingir a perfeição. No versículo 4, pela terceira vez em quatro versículos, a justiça clama pela nossa atenção. É interessante que o Servo do Senhor traz justiça por meios opostos aos usados no mundo contemporâneo. Nosso mundo de hoje persegue sua própria idéia de justiça mediante a força, o terrorismo, o boicote, a demagogia política. Que contraste com o Servo que agrada ao Senhor em tudo quanto faz, que age com gentileza e humildade (v. 3), que persevera até que seu trabalho esteja terminado (v.

O Messias que completou a obra 49 4). A justiça universal é um dos objetivos do Servo, que o alcançará. Incontáveis milhões de pessoas A última frase do versículo 4 está no contexto da justiça universal vindoura, que chegará mediante o Servo do Senhor. Ela ainda não chegou, pela qual as "ilhas esperarão" a lei do Senhor. As "ilhas" eram regiões habitadas do Mediterrâneo que ainda não tinham ouvido de Deus, nem de sua Lei. Muitas passagens proféticas do Antigo Testamento exprimem o interesse de Deus por estas terras. Há uma falsa noção de que o Deus do Antigo Testamento estava interessado exclusivamente no seu povo escolhido. Dezenas de passagens escriturísticas contradizem essa idéia. O Deus do Antigo Testamento era e ainda é um Deus missionário, interessado em todos os povos. A aplicação para nós, hoje, é que discipulemos todas as nações (Mateus 28:18-20). O cumprimento maior, final, é que o julgamento de Cristo, e sua justiça, alcançarão todas as pessoas quando ele estiver reinando. A glória de seu ministério no mundo O último verso desta canção refere-se à bênção mundial da glória do nosso Salvador (w. 5-7). Quem fala no versículo 5 é "Ha El", nome associado ao poder do Criador. Ele é o Criador dos céus (incluindo todo o espaço astronômico, com todas as suas galáxias). Ele dedicou interesse especial às formas de vida que colocou na terra, objetivando demonstrar sua sabedoria e glória. O ponto mais alto neste versículo é que ele cuida de maneira especial das pessoas que criou, dotando-as da capacidade da vida eterna. Os seres humanos são de mais valor para ele, do que todo o universo inanimado, ou as demais formas de vida na terra. Nosso valor como pessoas, diante do Senhor, faz com que seja sobremodo importante que sua mensagem nos atinja, de tal modo que saibamos de que maneira o Servo veio redimir a criação decaída. O versículo 6 explica o papel desempenhado pelo Servo para alcançar todas as pessoas, gentios e judeus igualmente. Observe

que neste versículo Deus fala como Senhor, o Deus da Aliança. Fala ao Servo, lembrando-lhe de seu chamado, e da força disponível para cumpri-lo. A linguagem aqui é semelhante à do versículo 1. O Servo que foi fortalecido ("a quem sustenho"), no v. 1, é protegido ("eu te tomarei pela mão"), no v. 6. O Senhor toma conta do Servo e transforma-o em "aliança do povo". Ele veio para seu próprio povo; é esta a idéia implícita na frase "aliança do povo". Faz também referência à obra redentora do Servo, consumada na cruz. Luz para as nações Como servo, Cristo brilha iluminando outros povos, além do seu próprio povo, a saber, as nações (gentios) que vivem na escuridão. Refere-se ao programa de amplitude mundial de Detis, que "visitou os gentios, para tomar dentre eles um povo para o seu nome" (Atos 15:14). O propósito de Deus é salvar um povo perdido na escuridão do pecado. Este tema é desenvolvido em muitas passagens da Bíblia. O velho profeta Simeão fez referência a esta passagem ao amparar nos braços o bebê Jesus, usando a profecia de Isaías para confirmar que a Luz viera para todos os povos, incluindo os gentios (Lucas 2:25-35). Todos nós podemos mostrar gratidão pela Luz que veio até nós. Como servos que procuram seguir o perfeito Servo, nós também temos um ministério, que é levar essa Luz ao mundo. Disse o Senhor Jesus: "Vós sois a luz do mundo" (Mateus 5:14). Muitos de nós que nos consideramos servos de Cristo não somos como João Batista, de quem Jesus disse: "era a lâmpada que ardia e iluminava" (João 5:35). A luz do evangelho se faz necessária neste mundo tenebroso, onde devemos brilhar como luzeiros de Cristo. No começo do século 16 um homem chamado Martinho de Basiléia converteu-se, mas tinha receio de deixar sua luz brilhar. Escreveu sua confissão num pedaço de pergaminho e escondeuo sob uma pedra, em seu quarto. Cem anos mais tarde esse pergaminho foi descoberto. Assim dizia o manuscrito:

O Messias que completou a obra 51 "Ó misericordiosíssimo Cristo, sei que só posso ser salvo pelos méritos de teu sangue. Reconheço teu sofrimento por mim. Eu te amo, eu te amo". Mais ou menos na mesma época outro Martinho (Lutero) encontrou a verdade do evangelho. Assim disse ele: "Meu Senhor me confessou diante dos homens. Não fugirei, mas vou confessá-lo diante de reis". Um dos Martinhos escondeu a luz debaixo de uma pedra. O outro deixou sua luz brilhar, iluminando milhões no norte da Europa, durante cem anos. Qual destes exemplos seguiremos?

A missão de paz do redentor segundo cântico do Servo encontra-se em Isaías 49- Enquanto o primeiro cântico centralizou-se no caráter do Servo, o segundo retrata a missão do Servo. Sua missão incluiu a doação de paz ao mundo mediante seu sofrimento, demonstrando, assim, a glória do Senhor (v. 3)A posição deste cântico na estrutura do livro de Isaías é importante. Dos vinte e sete capítulos de Isaías, dos capítulos 40 a 66, existem três seções de nove capítulos cada (40-48,49-57 e 58-66). Estas seções estão demarcadas claramente pela frase que as divide: "Para os ímpios não há paz, diz o Senhor" (48:22,57:21). O capítulo 49 inicia a segunda seção, cujo tema é a redenção mediante o Salvador que sofre. Na introdução dessa seção Isaías apresenta o Servo de maneira notável:

O

"Ouvi-me, ilhas, E escutai-me vós, povos de longe: O Senhor me chamou desde o ventre, desde as entranhas da minha mãe fez menção do meu nome. Fez a minha boca como uma espada aguda, na sombra da sua mão me cobriu, pôs-me como uma flecha limpa, e me escondeu na sua aljava. Ele me disse: Tu és o meu servo, Israel, em quem manifestarei a minha glória. Mas eu disse: Debalde trabalhei, inútil e em

vão gastei as minhas forças. Todavia o meu direito está perante o Senhor, e o meu galardão perante o meu Deus. E agora diz o Senhor, que me formou desde o ventre para ser seu servo, que lhe torne a trazer Jacó, e ajunte Israel a ele, pois aos olhos do Senhor sou glorificado, e o meu Deus tem sido a minha força. Diz ele: Pouco é que sejas o meu servo, para restaurares as tribos de Jacó, e tomares a trazer os preservados de Israel. Também te darei para luz dos gentios, para seres a minha salvação até as extremidades da terra. Assim diz o Senhor, o Redentor de Israel, o seu Santo, à alma desprezada, ao que as nações abominam, ao servo dos que dominam: Os reis o verão, e se levantarão, os príncipes diante de ti se inclinarão, por amor do Senhor, que é fiel, e do Santo de Israel, que te escolheu (Isaías 49:1-7). É o próprio Servo quem fala, convocando as terras habitadas pelos gentios a ouvirem o que tem para dizer (v. 1). É provável que esta mesma passagem tenha sido usada pelo Senhor ressuscitado ao caminhar para Emaús na companhia dos dois discípulos (Lucas 24:13-35). Ele lembrou-os bem adequadamente de tudo quanto os profetas disseram, "o que dele se achava em todas as Escrituras". Assim disse ele: "Não era necessário que o Cristo padecesse estas coisas e entrasse na sua glória?" (Lucas 24:26). Não é de admirar que os corações lhes queimassem enquanto o Senhor lhes dissertava sobre as Escrituras. Isaías 42 ajudaria os discípulos a reconhecerem o Mestre, Isaías 49 revelaria a glória dele. Há importante semelhança entre o cântico do capítulo 42 e este, do capítulo 49. Parece que constituem a primeira e a segunda estrofes do mesmo hino. A vocação do Servo, sua separação, sua preparação e proteção divina — todos estes assuntos estão em ambos os cânticos. Os sete primeiros versículos do capítulo 49 constituem uma espécie de diálogo entre o Servo e o Senhor. Quando o Servo

fala, menciona o que o Senhor fez (w. 1, 2, 4 e 5b). À semelhança de qualquer servo fiel, engrandece-se no caráter e nas realizações de seu Senhor. Quando o Senhor fala, relembra ao servo os grandiosos propósitos e a maneira como o Servo se envolverá neles (w. 3-5a, 6 e 7). A prontidão do Servo em fazer a obra do Senhor ( w . 1-2) Após chamar as ilhas (o mundo gentio) para ouvir, o Servo do Senhor fala de sua vocação desde o ventre de sua mãe: "O Senhor me chamou desde o ventre". O Antigo Testamento silencia a respeito do pai terreno do Senhor Jesus, mas refere-se com muita freqüência à sua mãe (Gênesis 3:15; Salmo 22:9-10; Miquéias 5:1-3). A referência à mãe do Senhor aponta para um privilégio da maternidade cristã: dar à luz a nobreza divina: os servos de Deus. Escolhida para dar à luz o Messias, Maria engrandeceu ao Senhor. Todas as mães crentes são encorajadas do mesmo modo, uma vez que seus filhos foram convocados pelo Senhor para servir a ele. As mulheres de nossos dias encontram motivação para cultivar uma carreira profissional, ainda que às custas da educação e criação de filhos e filhas para que sejam servos do Senhor. Por isso, muito mais feliz é a mãe cujos filhos a chamam de bemaventurada, sendo sua satisfação mais profunda o fato de seus filhos serem usados pelo Senhor. Se Deus escolhe seus servos quando ainda estão no ventre materno, certamente é privilégio sem qualquer comparação dar à luz filhos e educá-los na obra de Deus. Observe mais uma coisa. Neste cântico o nome do Servo foi èscolhido antes de nascer (v. 1). Embora o nome Jesus não seja mencionado no Antigo Testamento, o cumprimento desta profecia se efetuou quando o nome dele foi revelado tanto a Maria quanto ajosé, antes da criança nascer (Lucas 1:31, Mateus 1:21). Este nome era importante, visto que haveria de identificar a obra que realizaria: "ele salvará o seu povo dos pecados deles". O nome Jesus significa: "O Senhor é salvação". Jesus foi chamado para essa obra. Espada afiada na mão do Senhor Tendo estabelecido a vocação do Servo antes de nascer, e seu nome como indicação da obra que haveria de realizar, o profeta

fala agora da boca do Servo, e das palavras que dela sairiam: "Fez a minha boca como uma espada aguda" (v. 2). O servo Jesus falou toda a verdade, de modo que com freqüência feriu a consciência dos fariseus hipócritas. Falou com autoridade (Mateus 7:29), embora os homens não estivessem dispostos a reconhecê-lo. Falou com poder, o que resultou doentes serem curados e até mesmo mortos serem ressuscitados. Considere o poder destas palavras: "Lázaro, vem para fora" (João 11:43). O Salvador falou com sabedoria, e ninguém jamais ousou fazer-lhe muitas perguntas. Marcos, autor do "Evangelho do Servo", apresenta o ministério de Jesus com grande ênfase em sua pregação: "Veio Jesus para a Galiléia, pregando o evangelho do reino de Deus" (Marcos 1:14). Durante os três anos seguintes, a boca do Senhor era "como uma espada aguda". Jamais a verdade tinha sido tão clara, jamais a sabedoria tinha sido tão coerente. Alguém que ouviu a Jesus, disse: "Jamais alguém falou como este homem" (João 7:46). Cerca de 60 anos mais tarde, quando João, o apóstolo, estava exilado na ilha de Patmos, o Senhor exaltado se lhe revelou dos céus com "uma afiada espada de dois gumes" que saía de sua boca (Apocalipse 1:16). Mais uma vez a espada simbolizava a verdade perscrutadora do Senhor. Mais tarde, perto do fim do Apocalipse, João teve uma visão da segunda vinda de Cristo em glória. Nessa visão, o nome do Senhor era "o Verbo de Deus", e mais uma vez se via uma espada que saía de sua boca, com a qual iria julgar as nações (19:13-16). Sem dúvida, o servo que Isaías viu, que tinha uma boca semelhante à espada afiada, era a mesma pessoa cujas palavras cortam, penetrando até no coração de seus adversários, e a mesma pessoa que João viu na glória de sua revelação — o Senhor Jesus Cristo.

Espada ou espanador de penas? A Palavra de Deus é, hoje, uma espada de dois gumes a ser usada pelos seus servos (Hebreus 4:12). O avanço da igreja de (Jesus Cristo depende do uso eficaz da "espada do Espírito, que é a Palavra de Deus" (Efésios 6:17). Tanto a ira quanto a graça de Deus estão nessa espada. Deus usa soldados bem treinados no uso da espada a fim de penetrar no território do inimigo. Nossas bocas devem tornar-se como espadas afiadas, visto que falamos da Palavra de Deus. Espadas bem afiadas cortam, de modo que precisamos estar preparados para um ministério cortante, quando a ocasião assim o exigir. É muito mais agradável brincar com um espanador de penas do que trespassar alguém com uma espada. A verdade, contudo, não é um espanador de penas mas uma espada, e o servo fiel deverá munir-se de coragem e usá-la. A chave para o uso da espada está na frase seguinte: "na sombra de sua mão me cobriu" (v. 2). O poder dessa espada deve estar sob o controle da mão do Senhor. Vê-se com clareza o cumprimento disso na vida do Servo perfeito. Ele foi extremamente cuidadoso no uso da espada afiada, quando falava, pois fê-lo de acordo com a vontade do Pai. Isaías usa a imagem do cabo da espada sendo seguro pela mão do Senhor. As palavras que usa indicam que o próprio Servo estava na mão de Deus. "Na sombra de sua mão me cobriu". O Servo e suas palavras são considerados uma coisa só. A palavra está no Servo, que está na mão do Pai. O Senhor Jesus falou a verdade, e ele próprio era a verdade (João 14:6). Assim como um bom soldado usa sua espada para cortar, perfurar e defender-se, sem desferir golpes desnecessários, o Senhor usou de modo eficiente sua língua com máxima graça e verdade. O abuso na utilização da espada é tentação comum para muitos de nós que nos mostramos naturalmente agressivos na obra do Senhor. Deveríamos, por isso, ter máxima cautela e certeza de que estamos ocultos "na sombra de sua mão", sempre que se torna necessário o uso da espada em nosso ministério. Às vezes tendemos a golpear com força demais, ou a torcer a lâmina enfiada na pessoa. Devemos lembrar-nos de que se trata da "espada do Espírito", e não nossa. Usemos apenas enquanto estivermos na segurança da mão do Senhor.

Flecha polida na aljava do Senhor O cântico prossegue no tema da missão do Servo. Entretanto, a imagem é trocada: do uso controlado da espada passa-se à flecha polida, pronta para ser usada. Sendo bom servo, está pronto para qualquer serviço, pronto para ir a qualquer lugar, sem escolher trabalho. Isaías usa a imagem de uma flecha na aljava do arqueiro. A flecha é polida, reta, e está pronta para ser usada, oculta na aljava. É o próprio Servo que fala neste versículo: "Pôs-me como uma flecha limpa, e me escondeu na sua aljava" (v. 2). Pronto, espera ser enviado em alguma missão, pelo Senhor. A grande missão atribuída à Flecha foi a de ser enviada para assegurar nossa salvação. O alvo localizava-se num lugar chamado Calvário. A Flecha já estava pronta desde a época em que o pecado penetrou no mundo. Aguardou 4.000 anos, escondida na aljava do Senhor. "Vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho" (Gálatas 4:4). A flecha do Senhor foi atirada, o inimigo destruído e nossa salvação alcançada, exatamente no tempo e no alvo determinados. Nós também devemos ser flechas na aljava de nosso Mestre. Precisamos estar em prontidão constante, polidos e retos. Durante quanto tempo permaneceremos escondidos na aljava, longe da vista, é assunto do arqueiro. João Batista permaneceu escondido durante trinta anos, antes de ser lançado num ministério breve, de apenas seis meses. Paulo ficou escondido durante dez anos, mais ou menos, no período entre sua conversão e sua missão. A história da igreja é pontilhada de flechas preparadas de antemão, que ficaram escondidas durante algum tempo e, em seguida, foram lançadas pelo Deus onisciente, atingindo o alvo. "Para que servem, as flechas senão para serem disparadas?" Jim Elliot, um dos cinco mártires do Equador, em 1956, foi uma das flechas escolhidas de Deus. Ainda quando estudante universitário sentia grande anseio de atingir os índios quechúas,

no Equador, que nunca haviam ouvido as Boas Novas. O irmão dele acabara de partir para outro campo missionário, na América do Sul também. Jim partilhava aquele anseio com seus piedosos pais. Quando estes manifestaram alguma tristeza à vista da missão a que o filho se propunha, replicou: — Não fico admirado por sentirem tristeza diante da notícia de que vou para a América do Sul — disse ele em 8 de agosto. — Isso nada mais é do que aquilo sobre que o Senhor Jesus advertiu seus discípulos, ao dizer-lhes que deveriam tornar-se tão apaixonados pelo Reino, ao seguir a Cristo, que todas as demais lealdades deveriam tornar-se como que inexistentes. Ele jamais excluiu os laços familiares. Na verdade, o amor aos entes queridos, aos nossos íntimos, como os chamamos, deve parecer ódio, disse-nos o Senhor, quando comparado aos nossos anseios de abraçar a causa dele. Não se entristeçam, pois, se seus filhos parecerem estar desertando-os, mas, ao contrário, regozijem-se, vendo que a vontade de Deus está sendo executada com alegria. Lembram-se de como o salmista descrevia os filhos? Dizia ele que os filhos são herança do Senhor, e que cada homem deveria sentir-se feliz ao encher sua aljava com eles. De que se enche uma aljava senão de flechas? E PARA QUE SERVEM AS FLECHAS SENÃO PARA SEREM DISPARADAS? Assim, fortalecidos os braços com a oração, estiquem o arco com força, e deixem todas as flechas voarem, direto às hostes do inimigo. "Permite que teus filhos sejam portadores da mensagem gloriosa. Dá-lhes das tuas riquezas, para que se apressem no caminho. Derrama tua alma sobre eles, em oração vitoriosa. Pois, tudo quanto gastares, Jesus te reembolsará". (Elizabeth Elliot, Shadow of the Almighty [Sombra do Todo-poderoso] Harper & Row, p. 132) A compreensão da missão O cântico do Servo prossegue, agora, a fim de revelar o

A missão de paz do redentor 59 propósito para o qual foi preparado. Quem fala nesta parte é o Senhor, que assim começa: "Tu és o meu servo, Israel" (v. 3). Poderia parecer que o Senhor dirigi-se à nação de Israel, aqui, mas o contexto indica claramente que alguém será usado pelo Senhor, no futuro dessa nação (v. 5). Cristo, o servo, deveria vir da nação de Israel e, por fim, realizar o trabalho pelo qual Israel era responsável. Esse propósito é aí revelado. A missão do Servo — mostrar a glória do Senhor A passagem declara o seguinte: "Meu servo. . . em quem manifestarei a minha glória". Os discípulos de Jesus, tendo-o observado, exclamaram: "Vimos a sua glória. A glória como do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade" (João 1:14). O que eles viram foi uma manifestação da glória do Pai. O próprio Senhor Jesus expressaria de modo verdadeiro esse fato em sua grandiosa oração sacerdotal: "Eu te glorifiquei na terra, concluindo a obra que me deste para fazer" (João 17:4). Pessoas cheias de fé viram-no em pleno serviço ministerial, e Deus foi glorificado. Cada movimento, cada reação trazia em si a perfeição, cada palavra dele era pura. Até mesmo o centurião romano que testemunhava a crucificação disse: "Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus!" (Marcos 15:39). Faça tudo para a glória de Deus Os antigos neceitos bíblicos estão certar quando declaram que o principal objetivo do homem é glorificar a Deus. Nada mais no universo é tão importante. "Portanto, quer comais, quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus" (1 Coríntios 10:31)., Devemos glorificar a Deus no uso físico de nossos corpos (1 Coríntios 6:20), no uso de nossos recursos financeiros (2 Coríntios 9:13), em nossas relações do dia-a-dia, no ambiente da igreja

local, uns com os outros (Romanos 15:5-6). Até a morte é ocasião para glorificarmos a Deus (João 21:19). A medida máxima de nossa eficácia como servos é o grau em que temos glorificado a Deus. Esta medida não é o que nosso chefe humano escreve em seu relatório, nem o sucesso exterior do projeto, mas se Deus foi ou não glorificado. Os fins jamais justificam os meios, se estes meios não trouxerem glória e honra a Deus. Um serviço fiel e paciente pode trazer mais glória a Deus do que demonstrações impressionantes aos olhos humanos. George Fellingham era missionário, colega nosso, trabalhando no sul da África, entre o povo zulu. Em uma cidade chamada Ermelo, desenvolvia-se um ministério sonolento que se resumia em estabelecer igrejas e imprimir alguma literatura, e isto ocorria já há algumas décadas. Parecia que nada de espetacular tinha acontecido. Um dia esse missionário me disse que com freqüência havia sido animado pelas palavras que o Senhor disse certa vez aos discípulos: "Vós sois os que tendes permanecido comigo nas minhas tentações. . . Eu, porém, entre vós sou como aquele que serve" (Lucas 22:27-28). O Sr. Fellingham aprendera que a fidelidade no serviço, para a glória de Deus, era a coisa mais importante. A confiança do Servo No versículo 4 prossegue o diálogo entre o Senhor e o Servo. Assim diz o Servo: "Debalde trabalhei, inútil e em vão gastei as minhas forças. Todavia, o meu direito está perante o Senhor, e o meu galardão perante o meu Deus". As palavras do Servo indicam a presença de desânimo pessoal, e senso de aparente fracasso. Tal senso de desânimo lhe advém dentro de um contexto, quando o Senhor expõe seu propósito de demonstrar sua glória. Houve épocas em que as circunstâncias externas pareciam encobrir esse propósito. Desapontamentos e desânimo ecoavam ocasionalmente na vida do Senhor Jesus, conforme os evangelhos nos revelam: "Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam" (João 1:11).

Ele chorou por causa da incredulidade de Jerusalém: "Jerusalém, Jerusalém! Que matas os profetas. . . quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos. . . e tu não quiseste!" (Mateus 23:37). Noutra ocasião sentiu desânimo humano, quando seus discípulos deixaram de segui-lo, um a um: "Então perguntou Jesus aos doze: Não quereis vós também retirar-vos?" (João 6:67). O fracasso aparente seguia os passos de outros servos também, nas Escrituras. Exemplo clássico é Elias, deitado sob um zimbro. Por certo fracassara, de modo que pediu a morte a Deus (1 Reis 19:4). Mas pela graça o anjo de Deus tocou o profeta e o reanimou, colocando-o no caminho da restauração. Davi experimentou o gosto do fracasso mais de uma vez. Quando rejeitado por Saul, fugiu para o deserto de Judá, onde viveu escondido durante anos. Mais tarde, sendo já rei de Israel, foi obrigado a exilar-se pelo seu próprio filho Absalão. Entretanto, para Davi, aqueles lugares de desânimo se transformaram em lugares de confiança renovada em Deus. Alguns de seus salmos mais lindos surgiram dessas experiências de fracasso: "Eu, porém. . . confio no constante amor de Deus para sempre e eternamente" (Salmo 52:8). "Só ele é a minha rocha e a minha salvação" (Salmo 62:6). Do desapontamento trazido pelos fracassos aparentes pode advir uma confiança mais profunda em Deus. É a esse lugar de confiança que o servo descrito por Isaías vem. Desprezando as circunstâncias desencorajadoras, assim diz o Servo: "O meu direito está perante o Senhor, e o meu galardão perante o meu Deus" (v. 4). Embora não se percebam ainda resultados visíveis, eles estão nas mãos de Deus e por isso são reais. Meu irmão, Peter Fleming, foi um daqueles cinco mártires no Equador em 1956. À semelhança dos demais, esperava fazer avançar a causa de Cristo, alcançando pessoas que jamais haviam ouvido as Boas Novas. Lanças quechúas encerraram as vidas

daqueles missionários, deixando cinco viúvas e onze crianças órfãs. Que outro nome você poderia dar a isso senão o de fracasso? Entretanto, o que os homens chamariam de fracasso foi usado por Deus para, no fim, levar aqueles índios a Cristo. Não foi só isso, mas daquela aparente tragédia surgiu um ímpeto missionário enorme, em meados do século vinte. Poucos dias antes de morrer, Peter escreveu em seu diário que sentia medo. E prosseguiu, então, escrevendo que Deus confortara seu coração com as palavras de João 14: "Não se turbe o vosso coração". A confiança dele foi honrada por Deus. A missão do Servo No diálogo contínuo entre o Senhor e seu Servo, no versículo 5, há indicação de um propósito mais abrangente a ser atingido: "E agora diz o Senhor, que me formou desde o ventre para ser seu servo, que lhe torne a trazer Jacó, e ajunte Israel a ele, pois aos olhos do Senhor sou glorificado, e o meu Deus tem sido a minha força". O Servo receberia um futuro ministério de importância nacional. Seria usado a fim de trazer de volta a nação, encerrando o exílio vindouro na Babilônia. O fato de Isaías ter escrito isto muitos anos antes de o povo ser levado em cativeiro torna sua profecia mais extraordinária ainda. Quando o Messias veio à terra, a maior parte da nação de Israel ainda se encontrava do lado de fora da Palestina. Ele não ajuntou esta parte, em seus dias, nem estabeleceu o trono de Davi, conforme promessa. Os homens poderiam dizer que isso foi um fracasso, todavia, a hora do Messias ainda não chegara. O versículo 5 termina com a palavra de confiança do Servo em que os propósitos nacionais do Senhor seriam atingidos: "Meu Deus tem sido a minha força". A força de Deus era a chave do cumprimento da missão do Servo, algo que tocaria em toda a nação. Alcance internacional Entretanto, este ministério nacional foi meramente um prelúdio para uma esfera ministerial maior ainda, mencionada no versículo 6. Observe este progresso no propósito da missão do Servo. No versículo 4: vitória pessoal oriunda de aparente fracas-

A missão de paz do redentor 63 so. No versículo 5: reunião nacional após o julgamento de Deus sobre o pecado da nação. Agora surge o clímax no versículo 6: bênçãos internacionais oriundas da luz lançada sobre os gentios que estão em trevas. Aqui, a missão do Servo é levar a salvação ao mundo inteiro. "Pouco é que sejas o meu servo, para restaurares as tribos de Jacó, e tomares a trazer os preservados de Israel. Também te darei para luz dos gentios, para seres a minha salvação até as extremidades da terra". A ênfase aqui está no caráter universal da missão do Servo. Reunir a nação de Israel, percorrendo os quatro cantos da terra, é tarefa descrita como "pouco". É modo retórico de dizer-se que o Servo tem uma tarefa bem maior para executar: trazer salvação ao mundo todo. Deve ser "luz dos gentios", deve brilhar onde as trevas têm dominado. A missão do Servo como "luz" já havia sido mencionada no primeiro cântico de Isaías (42:6). Neste capítulo a Luz liga-se à vinda da libertação aos cativos e da visão aos cegos. Aqui, no capítulo 49, a Luz se relaciona ao alcance mundial do evangelho. Quando o Senhor Jesus estava na terra, ele descreveu a si próprio como "a luz do mundo" (João 8:12). Paulo, o apóstolo, viu essa luz na estrada de Damasco e imediatamente começou a proclamar "a luz do evangelho da glória de Cristo" aos outros, tanto judeus como gentios (2 Coríntios 4:4). Na Antioquia da Pisídia, em sua primeira viagem missionária, houve grande reviravolta no ministério de Paulo. Tinha sido rejeitado pelos judeus ali (Atos 13:45), e por isso tomou a decisão deliberada de voltar-se para os gentios (v. 46), utilizando essa passagem de Isaías a fim de confirmar que a salvação aos gentios fazia parte do plano de Deus (v. 47). A mensagem de Cristo, a Luz do mundo, tem sido pregada nos lugares escuros da terra desde então, sendo mais brilhante hoje do que em qualquer época da história. Entretanto, a Luz de maior fulgor brilhará quando o Senhor voltar em poder e glória. Cumprimento final da missão Na última parte do cântico, o Senhor promete que a missão de seu Servo será completada (w. 7-13)- O Servo do Senhor será

finalmente o centro das nações da terra, os governantes das nações o reconhecerão como o escolhido do Senhor, o soberano em toda a terra. (Há aqui um indício de que o soberano é também o sofredor. Antes de ser reconhecido como rei, ele também é chamado de "alma desprezada", e de alguém a quem "as nações abominam" [v.7].) Os dois temas desta seção são introduzidos pela frase: "Assim diz o Senhor" (w. 7-8). No versículo 7, a missão do Servo resulta na adoração dos gentios. Nos versículos 8-12 a missão do Servo resulta na restauração de Israel. O Senhor, falando no versículo 7, chama a si mesmo de "Redentor" e de "Santo de Israel", é Salvador e também Juiz. Estes dois nomes com freqüência se combinam na profecia de Isaías (41:14; 43:14; 47:4; 48:17; 49:7 e 54:5). O Salvador rejeitado é também o Juiz que julga a terra toda. O Servo a quem "as nações abominam", inclusive pela pequenina Israel no fim será reconhecido pelos governantes das grandes nações, quando perante ele se inclinarem em humildade (v. 7). Este versículo nos leva ao reconhecimento do reis gentios, após sua rejeição e seu próprio povo, os judeus. A promessa do Senhor, aqui, é que os gentios o adorarão. Aquele que se submeteu ao governo romano, em sua primeira vinda (o servo dos governadores, ou "servo dos que dominam" [v. 7]), se tornará o Rei de todos os reis terrenos em sua segunda vinda ("os príncipes diante de ti se inclinarão" [v. 7]). A fidelidade de Deus é vista tanto no sofrimento do Servo quanto em sua exaltação. Restauração de Israel O segundo tema desta seção é a promessa feita pelo Senhor de restaurar a nação de Israel, na época determinada. Mais uma vez o tema se inicia com "Assim diz o Senhor". O Senhor está falando a seu Servo a respeito do "dia da salvação" vindouro, a época em que a obra do Servo será executada. "Vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho" (Gálatas 4:4). Paulo cita este versículo de Isaías a fim de exortar os coríntios a crerem (2 Coríntios 6:2). Entretanto, o cumprimento integral dessa promessa ocorrerá no final dos tempos. Só então é que as quatro promessas desta seção serão cumpridas literalmente.

A missão de paz do redentor 65 Quatro promessas de Israel A primeira dessas promessas (w. 8-13) refere-se à restauração da terra (v. 8). O Servo está associado às promessas da aliança, segundo as quais haveria um mundo estabilizado, quando o povo de Israel teria de novo a posse da terra. A segunda promessa diz respeito à libertação dos cativos (v. 9a). A terceira é o pastoreio de Israel como sendo rebanho do Senhor (w. 9b-10). E a quarta promessa: o caminho de volta à terra fica livre de obstáculos, de modo que o povo do Senhor pode voltar de todas as direções (w. 11-12). Estas promessas estão em ordem invertida, sendo mencionados em primeiro lugar os resultados finais. Todas essas grandes promessas do concerto serão cumpridas pelo Servo do Senhor. A grandiosidade das promessas enfatiza o privilégio do Servo em seu cumprimento, o verdadeiro serviço sempre se faz acompanhar de dignidade. O cântico se encerra com uma doxologia em louvor do Senhor. Está completada a obra do Servo. Por isso, toda a criação é convocada a cantar louvores: "Exultai, ó céus, e alegra-te, ó terra, e vós, montes, rompei em cânticos! Pois o Senhor consola o seu povo, e dos seus aflitos se compadecerá" (v. 13). POLIDO, ESCONDIDO, AGRADÁVEL A DEUS Ó Senhor, quem me dera ser polido, E esconder-me em tua aljava! Quem me dera ser preparado por ti, Por ti dotado, para fazer tua vontade. Quisera ser devotado ao teu serviço, Quisera esperar só em ti Para ser agradável ao meu Deus, Agradável a ti, Senhor! Embora as provações mais duras Firam e esmaguem meu coração, Embora laços queridos se rompam, E eu me consuma como ferrugem, Peço-te que venhas polir-me Até que teu reflexo tu vejas em mim,

66 Ele Humilhou-se a Si mesmo Até que eu te seja agradável, A ti, Senhor, só a ti! Então, eu ficaria oculto em tua aljava, Bem ao alcance de tua mão, E mui feliz ali ficaria, embora Nenhum olho humano me visse: Sim, feliz seria trabalhando, ativamente. Feliz seria esperando, passivamente, E ainda feliz se te fosse agradável, Se eu te agradasse, Senhor! Ali, é isso que eu anseio: Teu sorriso doce, de aprovação, Tivesse eu amor ao louvor terreno, Meu coração se enganaria de todo. Sei, porém, que quando tu vieres Meu galardão será rico Se eu te for agradável, Se eu agradar a ti, Senhor!

6 Jesus Cristo, o discípulo :rescente revelação do Servo, em Isaías, descortina-se mais mplamente no capítulo 50. Este cântico extraordinário ontem fatias discerníveis da vida de Jesus como servo, que poderíamos considerar singulares em todo o Antigo Testamento. Essa passagem enfatiza o sofrimento do Servo. No primeiro cântico a humilhação dele nem sequer foi mencionada. No segundo, sua humilhação foi apenas sugerida, em termos de "alma desprezada", alguém a quem "as nações abominam" (49:7). Aqui, o sofrimento do Servo torna-se muito mais evidente, embora o desenvolvimento completo do tema fique para o cântico final. O sofrimento do Servo neste capítulo é visto no contexto de sua entrega e compromisso de lealdade, como o tema principal. É o próprio Servo que fala: "O Senhor Deus me deu língua instruída, para saber a palavra que ampara o cansado. Ele me desperta todas as manhãs, desperta-me o ouvido, para que ouça como discípulo. O Senhor Deus abriu os meus ouvidos, e eu não fui rebelde, não me retraí. As minhas costas dei aos que me feriam, as minhas faces aos que me arrancavam os cabelos, não escondi a minha face dos que me afrontavam, e me cuspiam. Porque o Senhor Deus me ajuda, não serei confundido. Por isso fiz o meu rosto como a pederneira, e sei que não serei envergonhado. Perto está o que me justifica. Quem contenderá comigo? Compareçamos juntos! Quem é meu adversário? Chegue-se para

mim! É o Senhor Deus quem me ajuda. Quem há que me condene? Todos eles como vestidos se envelhecerão, a traça os comerá. Quem há entre vós que tema a Deus, e ouça a voz do seu servo? Quando andar em trevas, e não tiver luz nenhuma, confie no nome do Senhor, e firme-se sobre o seu Deus. Mas todos vós que acendeis fogo, e vos cingis com tições acesos, ide, andai entre as chamas do vosso fogo, e entre os tições que acendestes. Isto é o que recebereis da minha mão: Em tormentos jazereis" (Isaías 50:4-11). Compromisso de fidelidade à disciplina A disciplina é o caminho para o espírito de serviço autêntico. Nesta passagem, o Servo perfeito fala de seu compromisso de entrega voluntária ao Senhor, como discípulo, como servo que se submete a um processo de treinamento que o tornará apto para os objetivos que propõe atingir. O Senhor escolheu doze homens e treinou-os para servirem a Deus. Nós os chamamos de "discípulos" (que quer dizer "disciplinados"). O fato extraordinário é que a pessoa divina que treinou estes doze discípulos identifica a si própria como um "discípulo" de Deus. Este cântico é muito instrutivo para nós, que almejamos ser discípulos do Servo. No português moderno, usualmente, associamos a palavra disciplina à idéia de punição, de correção designada a ensinar e treinar. Nós, frágeis seres humanos, precisamos dessa forma de disciplina, mas de maneira alguma dela precisaria o perfeito Servo, que não conheceu pecado. A disciplina que se tem em mira aqui é aquele tipo de treinamento que produz o caráter desejável, ou a habilidade que se busca. Assim como os estudantes universitários se submetem às autoridades de ensino a fim de serem treinados em determinadas áreas (disciplinas), o Servo de modo voluntário submeteu- se à autoridade divina, e a treino específico, para determinados propósitos. O caminho controlado da excelência A chave para a compreensão deste cântico está na repetição de um nome usado para Deus, que não se encontra nos demais cânticos do Servo. Trata-se do nome "Adonai Javé", com freqüên-

Jesus Cristo, o discípulo 69 cia traduzido por "Senhor Deus", indicando superioridade soberana. Quatro vezes este título é usado no "Cântico do compromisso do Servo" (w. 4, 5, 7 e 9)A autoridade enfatizada no nome "Adonai Javé" é a base da submissão do Servo como discípulo. Ao soberano Senhor ele se entrega voluntariamente, enquanto percorre o caminho da disciplina, a vereda da excelência. Isto se aplica não apenas ao Senhor Jesus na terra, mas a todos quantos desejam tomar seu jugo e aprender dele (Mateus 11:29). Várias áreas importantes de disciplina são mencionadas nesta passagem — áreas presentes na vida de Jesus. A língua disciplinada Menciona-se em primeiro lugar a língua do Servo. O mesmo afirma que o Deus Soberano lhe deu uma "língua instruída" (v. 4). A língua do Servo estava em plena submissão ao Pai (João 8:28). As palavras de Isaías afirmam que o Servo recebeu aprendizado integral, instrução completa. As palavras que pronuncia, ele as recebeu de seu Mestre. Nenhum órgão do corpo humano constitui melhor indício da qualidade da disciplina de alguém do que a língua. Jesus sempre esteve no controle total de suas palavras, a tal ponto que as pessoas se maravilhavam. "Todos. . . se maravilhavam das palavras de graça que saíam da sua boca" (Lucas 4:22). "Jamais alguém falou como este homem" (João 7:46). Controlar a língua nunca significou que ele diluía a verdade, ou apresentava respostas fracas, sem vigor. Estava sempre pronto a falar com franqueza em prol da justiça e da retidão, ainda que alguns se sentissem ofendidos. Visto que controlava sua língua, jamais precisou lamentar alguma coisa que dissera. Ele só falou aquilo que era coerente com a glória do Pai, só o que vinha do Pai (João 12:49). Quem consegue domar sua língua? A história do povo de Deus transborda de situações em que palavras irresponsáveis causaram o surgimento de ódios, divisões e mágoas que jamais se curaram. Quando Tiago afirma que "a língua, nenhum homem a pode domar" (Tiago 3:8), ele fala com toda razão. No entanto, a boa notícia é que aquilo que o homem não

consegue fazer, Deus pode. A língua sob o controle de Deus não só é resguardada para não causar danos, mas pode transformar-se em canal de incontáveis bênçãos para o mundo. Conforto, esperança, vida e edificação, tudo isso pode fluir da língua. Ao perfeito Servo foi dada uma "língua instruída" a fim de proferir "a palavra que ampara o cansado" (v. 4). Nos primeiros anos de seu discipulado, Pedro com freqüência era afligido por sua língua não-disciplinada. Por exemplo, sugeriu que se construíssem três tabernáculos no monte da Transfiguração, indicando que o Senhor estava no mesmo nível de Moisés e Elias (Mateus 17:4). Sugeriu que o sofrimento e a morte jamais deveriam advir ao Senhor, o que exigiu a resposta de Cristo: "Para trás de mim, Satanás!" (Mateus 16:21-23). Mais tarde, quando Jesus desejou lavar-lhe os pés, Pedro insistiu em que seu corpo inteiro fosse banhado (João 13:9). Pedro foi rápido em dizer: "Por ti darei a minha vida" mas foi repreendido duramente pelo Senhor que lhe disse: "de modo algum cantará o galo antes que me negues três vezes" (João 13:37,38). Entretanto, a língua indisciplinada de Pedro tornou-se "língua instruída". Foi a língua de Pedro que declarou: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (Mateus 16:16). Foi Pedro quem levantou no dia de Pentecoste e pregou o perdão de pecados para os judeus provenientes de quatorze nações (Atos 2:14 e seg.). A mensagem de Pedro introduziu a graça de Deus aos gentios na casa de Cornélio (Atos 10). Pedro usou sua língua a fim de defender a unidade da igreja, quando muitos advogavam a separação entre crentes judeus e crentes gentios (Atos 15:7-11). Esse mesmo Pedro escreveu numa de suas cartas: "Se alguém fala, fale segundo as palavras de Deus. . . Não pagueis mal por mal, nem injúria por injúria. Pelo contrário, bendizei, porque para isso fostes chamados, a fim de receberdes bênção por herança" (1 Pedro 4:11, 3:9). Muitos de nós, como servos de Deus, hoje, precisamos seguir o exemplo do perfeito Servo, e aprender o que Pedro aprendeu, a respeito da disciplina da língua. Compromisso de obediência A seção seguinte no "Cântico da disciplina do Servo" diz respeito ao ouvido do Servo:

Jesus Cristo, o discípulo 71 "Ele me desperta todas as manhãs, desperta-me o ouvdo, para que ouça como discípulo" (v. 4). Há conexão entre a língua instruída e o ouvido atento. Muitos de nós falhamos neste ponto. Não, porém, o perfeito Servo, que fala aqui. Pelo menos duas coisas percebemos: (a) Primeiramente, sua capacidade para ouvir era constante e coerente: "todas as manhãs". Na vida de Jesus há várias referências de sua comunhão solitária com o Pai. Marcos 1:35 declara que o Senhor se levantou bem cedo, de madrugada, e foi a um lugar solitário, a fim de orar a sós. Lucas nos diz que ele "se retirava para lugares desertos, e orava" (Lucas 5:16). Essa comunhão regular com seu Pai constituía fonte de poder espiritual dia após dia. Visto que a expressão "todas as manhãs", característica de sua capacidade para ouvir, era ponto vital no espírito de serviço de Cristo, seria essa prática menos importante para nós? Só aprendemos enquanto escutamos. Lembro-me bem de meu avô, durante meus dias de meninice. Costumava derrubar "pérolas de sabedoria" enquanto confiava o cavanhaque branco. Às vezes, quando achava que não estávamos prestando muita atenção, ele citava um velho poema inglês: "A velha coruja, muito sábia, pousada no carvalho, Quanto mais ouvia, menos falava. Quanto menos falava, mais ela ouvia. Por que você não faz como essa coruja?" Todos precisamos receber instruções regularmente da parte do Senhor. Talvez o melhor para isso seja aqueles momentos que denominamos de "hora tranqüila". E quando separamos algum tempo para estar diante do Senhor, com a Bíblia aberta, a mente aberta, e o coração aberto! A comunhão matinal com Deus, talvez a melhor ocasião para a maioria das pessoas, como no caso de Jesus, é aquele momento em que nossa alma fica preparada para as atividades do dia. Esses momentos com o Mestre nos estimulam a "caminhar com o Senhor sob a luz de sua Palavra", e nos equipam para a batalha espiritual contra a carne, o mundo e o diabo. Nossa eficiência como servos de Deus depende de nossa prontidão em ouvir como discípulos. Em 1946 estive em Chonju, na Coréia, fazendo parte do

exército norte-americano de ocupação. No topo da montanha havia uma torre de concreto para vigilância, bem onde minha unidade estava estacionada. Era para lá que me dirigia todas as manhãs para a minha "hora tranqüila", quando o tempo permitia. Naqueles dias um versículo me impressionou: "Sobre a minha torre de vigia estarei, e sobre a fortaleza me apresentarei e vigiarei, para ver o que fala comigo, e o que eu responderei a esta queixa" (Habacuque 2:1). (b) Em segundo lugar, muitos servos em potencial são lentos demais para detectar o toque de Deus, que anseia por ver-nos disciplinados, capacitados para ouvir bem. A verdadeira capacidade de ouvir conduz à obediência. Diz o Servo em nossa passagem: "Eu não fui rebelde". O servo fiel estará pronto sempre para obedecer a cada palavra de seu senhor. Na língua zulu, da África, a palavra lalela significa ouvir e também obedecer. Quando o diretor de uma escola zulu pede a seus alunos que o "lalela", ele na verdade está pedindo-lhes: "Ouçam e me obedeçam". Compromisso para com a submissão O "desperta-me o ouvido" da obediência é seguido de "o Senhor Deus abriu os meus ouvidos" da submissão (v. 5). Com referência à lei dos hebreus (Êxodo 21:1-11, Deuteronômio 15:12-18), pela qual um homem pobre poderia vender-se a si próprio a fim de servir a um senhor durante seis anos. No sétimo ano, contudo, era-lhe oferecida a liberdade. Todavia, se ele gostasse de seu trabalho e amasse a seu senhor, poderia voluntariamente entregar-se a si mesmo para uma servidão perpétua. A confirmação pública desta decisão se fazia quando a orelha do servo era perfurada com uma sovela, a qual deixava uma cicatriz permanente no corpo do servo, que todos notavam. Ei-lo transformado em servo pelo resto da vida. Como já vimos, esta "lei do servo hebreu" é aplicada ao Senhor Jesus, nas Escrituras. O Salmo 40, messiânico, fala do Messias como Servo do Senhor, obediente até à morte. Isaías 50:4-11 constitui-se no "Cântico do compromisso do Servo". E Hebreus 10 menciona o salmo 40 com referência à alegria do Servo em

Jesus Cristo, o discípulo 73 entregar-se à vontade do Senhor. As frases pertinentes nessas passagens são as seguintes: "Mas se esse escravo expressamente disser: Eu amo a meu senhor. . . e não quero sair forro. . . o seu senhor lhe furará a orelha com uma sovela" (Êxodo 21:5-6). "Sacrifício e oferta não quiseste, mas as minhas orelhas furaste. . . Eis-me aqui, cheguei. . . Deleito-me em fazer a tua vontade, o Deus meu" (Salmo 40:6-8). "O Senhor abriu os meus ouvidos, e eu não fui rebelde; não me retraí" (Isaías 50:5). "Sacrifício e oferta não quiseste, mas corpo me preparaste. . . Aqui estou. . . para fazer, ó Deus, a tua vontade. . . Nessa vontade é que temos sido santificados pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez por todas" (Hebreus 10:5-10). Vê-se com máxima clareza o compromisso de entrega de si mesmo, feito por Jesus, o perfeito Servo, para fazer de livre vontade o desejo do Senhor. Esse desejo era que Jesus se sacrificasse a si mesmo em holocausto pelo pecado. Como servo leal, absolutamente fiel, o Salvador foi obediente até à morte. A marca de sua entrega voluntária havia sido ilustrada na orelha perfurada. Jesus recebeu a execução desse compromisso pessoal em seu próprio corpo, na cruz. Assim foi que o autor de Hebreus modificou a citação do salmo 40, referindo-se especificamente ao corpo do Senhor Jesus. Tomé vislumbrou essas marcas e exclamou, em adoração: "Senhor meu e Deus meu!" (João 20:28). No Apocalipse de João, em que o apóstolo vê o Cordeiro no céu ("como havendo sido morto"), os anjos, criaturas vivas, e os anciãos prostraram-se diante dele e cantaram, em louvor: "Digno é o Cordeiro, que foi morto" (Apocalipse 5:6-12). Ele ostentará aquelas marcas em seu corpo por toda a eternidade, e nós o adoraremos para sempre, com coração íntegro.

O Servo-modelo jamais esquivou-se da formidável tarefa que lhe havia sido dada. "Eu não fui rebelde, não me retraí" (v. 5). O Servo jamais recusou aceitar e desempenhar de maneira integral as ordens de seu Senhor. Para ele não havia a alternativa de retrair-se. Isso é obediência perfeita. Compromisso de sofrimento A submissão do Servo dá, agora, um passo adiante — na direção de seu sofrimento (v. 6). O Servo obediente precisa pagar o preço de seu compromisso de auto-entrega. A trilha solitária o conduz à agonia do Getsêmani, à zombaria de seu julgamento e à tortura de sua crucificação. Os verbos de ação do versículo 6 indicam a prontidão deliberada do Servo do Senhor para sofrer. Esta verdade é refletida com freqüência nos evangelhos (João 10:18). Ele não foi a vítima desafortunada de uma rebelião cruel, mas teve toda a intenção de entregar-se por nós. "As minhas costas dei aos que me feriam", isto é, ele sofreu a tortura do açoite (veja Mateus 27:26). Essa punição era designada para criminosos, açoites repetidos eram horrivelmente dolorosos. O Servo também entregou "suas faces aos que me arrancavam os cabelos". Embora não haja, no Novo Testamento, uma referência direta e exata a este ato, está coerente com o que aconteceu durante seu julgamento diante de Caifás, o sumo-sacerdote (Mateus 26:67). O Servo nunca vacilou diante da humilhação de ter os olhos vendados, ser esmurrado no rosto e em seguida, sofrer a zombaria de ouvir a pergunta sobre quem o ferira. Ele deu a face para isso. Em fúria insolente os ímpios lhe cuspiam no rosto, como se fosse o mais vil dos criminosos (Mateus 26:67; 27:30). Eis um verdadeiro servo! Ele "a si mesmo se entregou por mim" (Gálatas 2:20). Há um sentido no qual a implícita obediência de todos os servos fiéis em geral termina em alguma forma de sofrimento, exatamente como aconteceu a Paulo e a Pedro, e a outros servos, segundo o registro do Novo Testamento. "O servo não é maior do que o seu senhor" (João 13:16) e, por isso, pode esperar sofrimento. Não se trata de ascetismo, mas de auto-entrega a um propósito por amor ao próximo.

Jesus Cristo, o discípulo 75 Auto-entrega baseada na confiança O tema da auto-entrega continua nos versículos 7-9, com a declaração do Senhor, de que ajuda a seu servo: "O Senhor Deus me ajuda" — o Todo-poderoso que responde às nossas orações e cuida de seu povo. Com a ajuda do Todo-poderoso, o Servo sente a maior confiança, ainda que as circunstâncias envolvam dor e sofrimento (w. 5-6). A palavra usada aqui para "ajuda" com freqüência era usada para denotar assistência militar, no Antigo Testamento. Aqui, entretanto, o contexto sugere não uma ajuda externa (como um batalhão de infantaria) mas, com toda probabilidade, ajuda interna, com respeito às atitudes mentais e à determinação. Parece que a idéia seria que o Senhor dotaria seu servo de perseverança e paciência a fim de tornar-se perfeitamente obediente. O resultado final da determinação do Servo é que ele não cai em desgraça. Ainda que seu sofrimento resulte em morte, não se trata de desgraça visto que sua morte atende a um propósito nobre. Fica implícito aqui que o Senhor sustentará seu servo, e esta certeza dá ao Servo nova coragem e força para a tarefa. Fiz o meu rosto como a pederneira Tendo a dupla promessa de que o Senhor Deus o ajudaria, de modo que não cairia em desgraça, o Servo declara sua determinação de completar sua obra: "Fiz o meu rosto como a pederneira" (v. 7). Nos tempos bíblicos, pedras eram usadas como instrumentos de corte. A palavra indica, aqui, o caráter determinado de Jesus em aceitar a cruz. Lucas usou linguagem semelhante ao registrar a caminhada do Senhor na direção de Jerusalém e da crucificação (Lucas 9:51). Deus operou em Ezequiel da mesma forma (Ezequiel 3:8-9). Mais uma vez declara o Servo que não será envergonhado (v.7). Homens ímpios tentaram condená-lo, em tribunais baseados em farsas, passando-lhe julgamento e sentença imerecidos, mas a vergonha não o acometeria. Como servo que fazia com perfeição a vontade de seu Senhor, não havia de que envergonhar-se. No versículo 8 o Servo fica livre de toda culpa. Disseram seus inimigos que seu sofrimento era prova de que o Senhor o abandonara, e que ele recebia o justo castigo que lhe era devido, pelos pecados cometidos. Entretanto, o Senhor sustentou de modo

completo seu Servo/Filho, na ressurreição, na ascensão, na exaltação e no reino vindouro (veja Isaías 52:13). Ele é apresentado como o Servo perfeito, enquanto seus inimigos permanecem comprovadamente errados. Estas palavras exatas de Isaías devem ter confortado Cristo nas horas sombrias do Calvário. Desafio aos inimigos O Servo, confiante em suas bases, desafia agora seus adversários: "Quem contenderá comigo? Compareçamos juntos! Quem é meu adversário? Chegue-se para mim!" (v. 8). Eis um desafio que ficou sem resposta. Ninguém consegue acusar o perfeito Servo e ter razão em sua acusação. Paulo atinge o clímax em sua discussão, em Romanos, apresentando uma série de desafios semelhantes (Romanos 8:33-35). A pessoa cuja retidão se baseia no Senhor ressuscitado atira o desafio: "Quem intentará acusação. . . Quem os condenará. . . Quem nos separará do amor de Cristo?" Ninguém! Tem certeza também o Servo a respeito da derrota de seus inimigos (v. 9). Iniciando com a repetição do fato de que o soberano Senhor o ajuda e o sustenta, o Servo afirma a respeito de seus inimigos: "Todos eles como vestidos se envelhecerão, a traça os comerá". Estas figuras de linguagem indicam a destruição gradual mas certa do inimigo. A acusação deles redundará em nada, no fim, na corte do supremo Juiz do universo. Acima de seus inimigos humilhados, o Servo perfeito permanece impávido. ApHcação e resumo Nos dois últimos versículos deste cântico do Servo (w. 10-11), o Senhor fala diretamente a duas categorias de pessoas: fiéis e infiéis. Osfiéissão exortados a confiar; os infiéis são advertidos de que o caminho que escolheram terminará em julgamento. Na pergunta do Senhor: "Quem há entre vós que tema a Deus, e ouça a voz do seu Servo?" (v. 10), o pronome "quem" se refere aos fiéis que estão no meio de "vós", os infiéis. É sempre assim, nesta vida. Osfiéissão a minoria que teme ao Senhor, e obedecem à voz de seu Servo. Visto que acatam ao Senhor Deus em santa reverência, é certo que serão obedientes a seu Servo. Caminhando na escuridão "Quando andar em trevas, e não tiver luz nenhuma, confie no nome do Senhor, e firme-se sobre o seu Deus" (v. 10b).

Os fiéis são exortados a "confiar" no Senhor e "firmar-se" em Deus, embora estejam caminhando na escuridão. Caminham pela fé, não pela vista; não conseguem enxergar com clareza, através das circunstâncias externas. À semelhança do Servo, às vezes caminham pelo "vale da sombra da morte" (Salmo 23:4). Poderão passar por épocas de sofrimento, como o Servo do Senhor passou (w. 7-9)- Deverão imitar a confiança do Servo, quando este caminhava pela escuridão, e que exclamou: "É o Senhor quem me ajuda" (v. 9). Nós, como servos do Servo, podemos aprender a confiar como ele confiou, a firmar-nos em Deus como ele se firmou. O poeta sacro, tomando este versículo da Palavra de Deus, descreveu-o bem: "Firmados no Senhor, o coração cheio de bênçãos, Encontramos, conforme ele prometeu, perfeita paz e descanso". O salmista também expressou esta verdade: "O Senhor é a minha luz e a minha salvação, a quem temerei?" (Salmo 27:1). Por fim, o Senhor volta sua atenção para os infiéis (v. 11), os que confiam em si mesmos ao invés de confiar no Senhor. São identificados como os que ateiam fogo e se rodeiam de brasas. Isto quer dizer que quando se vêem na escuridão, tentam prover uma luz que eles mesmos fizeram, em vez de voltar-se para Deus. A atitude do Senhor para com tais incrédulos é definida com toda clareza, porquanto rejeitaram ao Senhor e recusaram a palavra de seu Servo. Pelo que o Senhor lhes diz: "Andai entre as chamas do vosso fogo", sabendo que isso terminará em julgamento: "Isto é o que recebereis da minha mão: Em tormentos jazereis" (v. 11). Que contraste com o fiel que encontra na presença do Senhor conforto e força! "Prefiro andar com Deus no escuro do que andar a sós na luz".

7 Cântico do servo sofredor

D

e Isaías 52:13 a 53:12, encontramos o clímax dos Cânticos do Servo. Policarpo, pai da igreja de Esmirna, chamava esta passagem da Escritura de "áurea paixão do Antigo Testamento". Sendo o pico mais alto de toda a profecia messiânica, a passagem fala do sofrimento do Messias e de sua obra mais extensivamente do que qualquer outro texto do Antigo Testamento. E citado de forma direta no Novo Testamento sete vezes e são feitas alusões a ela outras doze vezes. O ponto principal de Isaías 53 é o Messias como servo, em seu sofrimento e glória. Ao contemplarmos o "meu servo" (Isaías 52:13), que estejamos bem conscientes de que estamos contemplando o Rei da Glória sob a forma de um servo. E ao fazê-lo, que sejamos transformados à sua semelhança (2 Coríntios 3:18). "Vede, o meu servo procederá com prudência será engrandecido, e elevado, e muito sublime. Exatamente como muitos pasmaram à vista dele — o seu parecer estava tão desfigurado, mais do que o de outro qualquer, e a sua aparência mais do que a dos outros filhos dos homens — assim borrifará a muitas nações, e os reis fecharão as suas bocas por causa dele. Pois, aquilo que não lhes foi anunciado verão, e aquilo que não ouviram entenderão. Quem deu crédito à nossa pregação, e a quem se manifestou o braço do Senhor? Ele foi subindo como renovo,

Cântico do servo sofredor 79 perante ele, e como raiz de uma terra seca. Não tinha parecer nem formosura: e, olhando nós para ele, nenhuma beleza víamos, para que o desejássemos. Era desprezado, e o mais indigno entre os homens, homem de dores, e experimentado no sofrimento. Como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum. Verdadeiramente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si, contudo, nós o consideramos como aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas, cada um se desviava pelo seu caminho, e o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos. Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a sua boca, como cordeiro foi levado ao matadouro, e como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a sua boca. Pela opressão e pelo juízo foi tirado. E quem pode falar da sua linhagem? Pois foi cortado da terra dos viventes: pela transgressão do meu povo foi ele atingido. Deram-lhe sepultura com os ímpios, e com o rico na sua morte, embora nunca tivesse cometido injustiça, nem houvesse engano na sua boca. Todavia, ao Senhor agradou moê-lo, fazendoo enfermar, quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias, e o bom prazer do Senhor prosperará na sua mão. Ele verá o trabalho da sua alma, e ficará satisfeito, com o seu conhecimento o meu servo, o justo, justificará a muitos, e as iniqüidades deles levará sobre si. Pelo que lhe darei uma porção entre os poderosos, e com os fortes repartirá ele o despojo, porque derramou a sua alma na morte, e foi contado com os transgressores. Pois ele levou sobre si o pecado de muitos, e pelos transgressores intercedeu" (Isaías 52:13 a 53:12).

Há cinco estrofes aqui, cada uma das quais com três partes em nossas Bíblias em português, facilmente reconhecíveis. As estrofes centralizam-se nos seguintes temas progressivos: O Servo exaltado (52:13-15) O Servo rejeitado (53:1-3) O Servo ferido (53:4-6) O Servo na morte (53:7-9) O Servo satisfeito (53:10-12) A primeira e a última estrofes são como picos de montanhas, ao descrever a glória do Servo. As três intermediárias são como um vale de permeio, ao descrever-lhe o sofrimento e morte. Uma miniatura do mesmo padrão se vê na primeira estrofe. Primeira estrofe: O Servo exaltado A expectativa da exaltação (53:13) O vale da humilhação (52:14) O pico da glória (52:15) O Senhor inicia o cântico do Servo reivindicando-o como sua propriedade ("meu servo"), cuja obra deveria ser completada com máximo sucesso e, assim, ele seria exaltado. Três expressões são usadas para exprimir isto, no versículo 13 ("será engrandecido", "elevado" e "muito sublime"), cada qual sobrepujando a anterior. Tais expressões podem ser ligadas à ressurreição, ascensão e entronização do Servo ao término de sua obra. "Deus o exaltou soberanamente" (Filipenses 2:9) "acima de todo principado, e autoridade, e poder, e domínio, e de todo nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro" (Efésios 1:21). O versículo seguinte fala de sua humilhação e do espanto total das pessoas, ao contemplarem a intensidade de seu sofrimento. A face se lhe desfigurou, ficando irreconhecível. O seu corpo se minguou de forma que não mais parecia ser humano. A morte e a maldição estavam naquele cálice. Ó Cristo, o cálice estava cheio, para ti. Mas, tu sorveste tudo, até a última gota amarga. Ei-lo vazio, por mim. Teu corpo foi esmagado, tua face moída. A taça está cheia de bênçãos para mim.

O versículo 15 leva-nos de volta às alturas da glória do Servo. Assim como os judeus ficaram atônitos diante da humilhação do Calvário, os gentios ficarão atônitos diante da exaltação gloriosa da segunda vinda do Servo. As duas expressões finais deste mesmo versículo 15 foram usadas por Paulo à guisa de justificativa para evangelizar os gentios (Romanos 15:21). Paulo possuía o coração de um servo, a fim de atender às pessoas que teriam menores oportunidades para ouvir o evangelho. Que nós não façamos menos do que isso, visto que o dia da volta do Messias, quando todas as nações ficarão atônitas, aproxima-se muito depressa. Segunda estrofe: O Servo rejeitado A rejeição das boas-novas (53:1) A dor da rejeição (53:2) A razão da rejeição (53:3) Quando o cântico do Servo sofredor entra na segunda estrofe, quem fala é o remanescente judeu do futuro, que nele crê. Ao explicar como os judeus incrédulos trataram o Servo Messias em sua primeira vinda, contemplam-no, sim, Aquele a quem trespassaram, e lamentam-se (Zacarias 12:10). Rejeição das boas-novas Esses judeus crentes começam fazendo uma pergunta: "Quem deu crédito à nossa pregação? (literalmente: "àquilo que ouvimos?") Haviam ouvido a respeito do Servo glorioso e sua humilhação. Mas, fica implícito aqui que ninguém creu. Haviam visto a evidência do "braço do Senhor" em seus sinais e milagres, e o haviam rejeitado. Comeram os pães e os peixes e, apesar disso, recusaram-se a crer naquele que os alimentou. O próprio Senhor lhes disse que a profecia de Isaías se referia à incredulidade deles: "Apesar de ter realizado todos esses sinais miraculosos na presença deles, ainda não criam nele. Para que se cumprisse a palavra do profeta Isaías: Senhor, quem creu na nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor? " (João 12:37-38).

O "braço do Senhor" refere-se ao seu poder salvífico, a invasão de Deus nos assuntos humanos, a fim de realizar a redenção de seu povo. Essa frase é usada para especificar o livramento de Israel do cativeiro egípcio pelo menos dez vezes. Por exemplo: "Vos resgatarei com braço estendido" (Êxodo 6:6). "Lembra-te de que. . . o Senhor teu Deus te tirou dali com mão forte e braço estendido" (Deuteronômio 5:15). Esse "braço" foi estendido pelo Servo Messias, mas foi recusado. Tal recusa está melhor explicada no versículo 2. Jesus foi rejeitado quando veio da maneira que os judeus não esperavam. Estes aguardavam o aparecimento súbito de um cedro majestoso, mas o Messias veio à semelhança de um broto de árvore delicado, tenro. Isaías (11:1) profetizou que o Messias haveria de vir como um "rebento" do "tronco" de Jessé (pai de Davi), mas ninguém estava à espera de um renovo tenro. Não acharam que o bebê nascido em Belém poderia vir a ser o Messias, e conseqüentemente ficaram privados de seu amor e de sua perfeição moral. O Senhor viu a beleza do Messias, mas seu próprio povo não conseguiu vê-la. O Servo era visto, não apenas como rebento, mas "como raiz de uma terra seca" (v. 2). Essa é uma figura de linguagem que toma a imagem de uma videira no inverno, quando ramos retorcidos e feios não parecem que irão florescer. Israel não conseguiu perceber que ali estava a verdadeira Vinha (João 15:1). Ele não era "formoso de porte e de semblante" como achavam que o Messias deveria ser, como era José e Davi (Gênesis 39:6, 1 Samuel 16:12), o Servo não se enquadrava nos ideais humanísticos do primeiro século: A verdadeira beleza estava nele, mas o povo não a percebeu. A tristeza e a dor da rejeição "Era desprezado" (de forma literal, "tratado com desprezo" [v.3]). Era tratado pelo seu próprio povo como não tendo valor algum. "Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam" (João 1:11). Quando muitos o deixaram, Cristo perguntou a seus discípulos: "Não quereis vós também retirar-vos?" (João 6:67), e até mesmo esses o abandonaram no Getsêmani (Mateus 25:26).

Cântico do servo sofredor 83 Também o abandonaram na cruz; na verdade, até o Pai o abandonou ali (Mateus 27:46). O Servo é chamado de "homem de dores" (v. 3). Levou uma vida cheia de sofrimentos. Também estava familiarizado com as doenças. Dessa forma ele pode "compadecer-se das nossas fraquezas" (Hebreus 4:15). Ele sentiu os efeitos destrutivos do pecado, embora ele próprio jamais tivesse sido maculado pelo pecado. Era homem cheio de tristezas. A reação das pessoas era negativa. Voltavam o rosto para outro lado, como alguém que vê algo repugnante. Desprezavam-no (o termo é repetido, para maior ênfase, no começo e fim do versículo). As pessoas chegaram, pois, à conchisão de que o Servo não exerceria importância alguma em suas vidas. Não faziam dele "caso algum". Homem de dores, que nome Recebeu o Filho de Deus Que veio salvar pecadores! Aleluia! É Senhor e Salvador! Terceira estrofe: O Servo ferido A ocasião humana de seu sofrimento (53:4) A iniciativa divina de seu sofrimento (53:5) A necessidade humana de seu sofrimento (53:6) Esta estrofe explica a anterior, visto que o Israel convertido, no futuro, compreende sua rejeição do Messias, quando este veio pela primeira vez. Havia um propósito inesperado naquilo que pareceu ser o maior erro da história da humanidade. Essa é a força da palavra "verdadeiramente" que inicia esta estrofe. A ocasião humana de seu sofrimento Foi algo inesperado: o "desprezado", de quem as pessoas se escondiam, virando o rosto, foi quem levou a punição pelo nosso pecado (v. 4). O termo "tomou" com freqüência é traduzido por "perdoado", como no caso do "bem-aventurado" do Salmo 32:1. Além de tomar sobre si nossas "enfermidades", o Servo tomou também nossas "dores", as dores do desespero e morte. O Servo, "homem de dores, e experimentado no sofrimento" (v. 3), levou sobre si mesmo nossas tristezas e carregou nossas aflições.

84 Ele Humilhou-se a Si mesmo Sofreu sob nosso fardo de pecado. A segunda metade do versículo 4 menciona a falta de compreensão da parte dos judeus, quanto ao seu sofrimento. Consideravam-no "ferido de Deus, e oprimido" por causa de seus próprios pecados. Julgavam-no um homem que quebrava o sábado e blasfemo (João 5:18). Por isso, achavam que sua morte foi castigo merecido da parte de Deus. A iniciativa divina de seu sofrimento O versículo 5 explica o que aconteceu, da perspectiva de Deus. Longe de ser punição de seu próprio pecado, o Servo foi ferido pelo nosso pecado. Deus havia predeterminado o Calvário por causa de nossas transgressões, pelas quais o Servo foi trespassado e moído. O contraste entre suas dores e nossas bênçãos em lugar algum é mais vivido do que aqui. Ele assumiu a ira santa de Deus pela soma total de todos os nossos pecados, isto é, de todas as pessoas da história do mundo. Por causa de seu sacrifício, os crentes estão libertos das conseqüências eternas de seus pecados, foram curadas da culpa do pecado, e receberam perfeita paz com o Deus santíssimo. Observe as quatro declarações no versículo 5, que explicam o sofrimento do Servo: A causa de suas feridas foram nossas transgressões. A causa de ele ser moído foram nossas iniqüidades. O resultado de sua punição (castigo) foi nossa paz (com Deus). O resultado de suas pisaduras foi que ficamos sarados. Estes quatro fatores, somados, apenas começam a descrever a profundidade dos sofrimentos do Servo. Suas chagas eram mais profundas que os cravos romanos. Foi moído com maior peso do que o da cruz. Sua punição foi mais severa do que a morte por crucificação. Os cortes de suas costas não foram tão marcantes como os de sua alma. A verdadeira angústia de seu sofrimento está expressa no versículo seguinte: "O Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos". Ó, concede-me a compreensão, Ajuda-me a entender bem O que significa, Senhor: Levaste sobre ti meu pecado!

Cântico do servo sofredor 85 A necessidade humana de seu sofrimento Um remanescente judeu que veio a crer, no futuro, olhando para trás, para o Servo sofredor, faz aqui uma notável confissão de seu estado pecaminoso. Admite que assim como uma ovelha segue seu líder, todos seguiram o primeiro homem na direção do pecado, a saber, o homem é pecador por natureza. Esse remanescente também admite que "cada um se desviava pelo seu caminho", isto é, o homem é pecador por escolha pessoal. Ambos esses aspectos da culpa humana foram colocados sobre Cristo, o Bom Pastor que leva os pecados das "ovelhas" transviadas. O comentário de Pedro sobre esta passagem enfatiza o exemplo do Servo sofredor (1 Pedro 2:21-25). Assim como ele sofreu pelos destituídos de merecimentos, nós também devemos sofrer pacientemente quando injustiçados. Quando tentados a reclamar contra nossas provações na obra, devemos pensar no Calvário: "também Cristo padeceu por vós, deixando-vos o exemplo, para que sigais as suas pisadas". Quarta estrofe: O Servo na morte Sua submissão como cordeiro sacrificial (53:7) Sua sentença como veredicto injusto (53:8) Sua sepultura como testemunho honroso (53:9) O Servo sofredor é visto aqui fazendo o sacrifício último. Ele foi "obediente até à morte, e morte de cruz" (Filipenses 2:8). Recebeu tratamento violento (v.7). Empurraram-no de um julgamento de arremedo para outro, socaram-no, chicotearam-no. Entretanto, em toda essa opressão e aflição ele não abriu sua boca para defender-se, não pronunciou uma palavra sequer. Ainda que pressionado por Caifás, Pilatos e Herodes, o Servo nada lhes respondeu (Marcos 14:60-61; 15:3-5; Lucas 23:9)- Não exigiu respeito a seus direitos, não exigiu um advogado. Seu silêncio foi a medida de sua submissão ao serviço, ainda que isso o levasse à morte. O versículo 8 mostra que a sentença de morte que recaiu sobre ele foi um veredicto injusto: "Pela opressão e pelo juízo foi tirado". Sem processo legal, justo, foi empurrado desde o Getsêmani, passando por três "julgamentos" — e executado. Talvez nem dez horas se passaram durante todo o curso dessa

"opressão e julgamento" (de maneira literal "detenção e processo judicial"). "Quem pode falar de sua linhagem. . . " poderia ser traduzido de forma mais apropriada por: "Quem dentre seus contemporâneos levou em consideração os fatos?" Ninguém entendeu realmente o que estava acontecendo. Nem perceberam o propósito de sua morte: ele estava sendo "condenado" pelo julgamento divino sobre o pecado. A obra do Servo foi mal-interpretada, como freqüentemente acontece aos servos de Deus. Podemos receber conforto mediante a amarga experiência que o Servo sofreu por nós. O versículo nono menciona a sepultura do Servo. Os homens determinaram que seu túmulo fosse entre criminosos e prostitutas. Esteve "com o rico na sua morte" (v. 9). Deus transformou os planos dos homens, de modo que José sepultou o corpo de Cristo em sua própria sepultura. Deus fez isso pelo seu Servo porque nunca havia "cometido injustiça". Sua vida sem pecado fez com que fosse adequado ser sepultado com todas as honras, como recompensa pela sua humilde submissão à vontade de Deus. Este versículo testifica a ausência total de pecado em Cristo, sete séculos antes de sua vinda. Quinta estrofe: O Servo satisfeito Satisfação pela obra terminada (53:10b) Satisfação pelo crente justificado (53:11) Satisfação pela herança merecida (53:12a) Os versículos 10a e 12b são duas visões finais do Servo sofredor que constituem a base da satisfação do Servo. Esta última estrofe é um clímax muito apropriado para o "Cântico do Servo sofredor", falando da satisfação que ele usufrui como resultado de seu sofrimento obediente. Trata-se de uma visão da cruz da perspectiva do trono de Deus. O tema se inicia com a declaração do prazer do Senhor em ferir (ou moer) o Servo. Não é que o Senhor Deus auferisse satisfação da agonia do Servo, mas seu prazer estava no resultado que seu sofrimento traria: a expiação do pecado. A oferta pelo pecado, um dos cinco principais sacrifícios da lei levítica (Levítico 5:14-19), referia-se às exigências da justiça de Deus e à restituição exigida, por causa do mal praticado. Jesus

Cântico do servo sofredor 87 foi nossa oferta pelo pecado, pois, ele pagou todos os nossos débitos, todas as nossas dívidas para com um Deus santíssimo. Não há dúvida de que os sofrimentos experimentados pela sua alma excederam seus sofrimentos físicos feitos pelas mãos de homens iníquos. Foi a alma do Servo transformada em oferta pelo pecado que lhe trouxe satisfação. Salientamos aqui três aspectos dessa satisfação: (a) Primeiramente, a satisfação pela obra terminada: ele vê "a sua posteridade" ou seus filhos. A maior bênção para um hebreu era ver seus filhos e netos. O Servo vê seus filhos espirituais trazidos à família do Senhor. (b) Em segundo lugar, ele "prolongará seus dias" além de seu sofrimento e morte. Isto se cumpriu em sua ressurreição — ele vive para sempre (Apocalipse 1:18). A seguir, acrescenta-se a seus dias prolongados o cumprimento com máximo sucesso de seus planos: "o bom prazer do Senhor prosperará na sua mão". O plano de salvação do Senhor se iniciara na eternidade, antes da criação do mundo, e agora, mediante a atuação do Servo, estava consumado. (c) Em terceiro lugar, a satisfação do Servo veio do prazer que sentia em dar à luz muitos filhos (v. 11). A imagem aqui é a do trabalho de parto, é o nascimento de uma criança. Assim como a mãe sente alegria em contemplar seu filho recém-nascido, o Servo, "com o seu conhecimento, o justo, justificará a muitos", pois viu que muitos filhos chegariam à glória, e isso o enchia de satisfação. Sendo o Servo justo, deu sua justiça a muitos. Sendo o Salvador ressuscitado, declarou-os justos (justificados) porque levou sobre si suas iniqüidades. Contemplar esses antigos pecadores que agora permanecem perfeitos à vista de Deus Santíssimo é coisa que traz ao Servo perfeita satisfação. Eis aqui uma herança bem merecida. A "porção" que ele recebe do Senhor é fruto de sua vitória na cruz. Visto que o Servo justificou a muitos (v. 11), o Senhor agora lhe dá uma recompensa: os justos são sua herança. (A palavra "muitos" do versículo 11 é a mesma palavra traduzida por "poderosos" no versículo 12). O Senhor lhe dá também as "nações" como

herança (Salmo 2:8). O Servo divide o despojo com os fortes (os redimidos). Em outras palavras, recebendo os crentes como sua herança, o Servo faz deles seus sócios, em seu reino. São "coherdeiros" com ele (Romanos 8:16-17).

8 "Em resgate por

muitos"

ada um dos redatores dos evangelhos enfatizou uma das quatro características do Messias encontradas em todo o Antigo Testamento. Mateus focalizou o Reinado de Cristo; Lucas, sua Humanidade, e João, sua Divindade. Entretanto, Marcos enfatizou o caráter de servo que Cristo possuía. A biografia que Marcos traçou de Cristo é um registro singular do servo mais perfeito que já viveu nesta terra. E o espírito de serviço de Cristo é padrão para todos nós. "De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus, que. . . a si mesmo se esvaziou tomando a forma de servo" (Filipenses 2:5,6).

C

Marcos, o Servo escritor Marcos foi singularmente qualificado para escrever a respeito do Servo perfeito. A primeira vez em que aparece na Bíblia é numa reunião de oração, em uma casa, quando Pedro foi liberto da prisão, por milagre. A mãe dele, que era viúva, por certo cedera a casa espaçosa da família como ponto de encontro dos primitivos crentes de Jerusalém (Atos 12:12-17). Depois Barnabé e Saulo visitaram Jerusalém, por ocasião da "grande fome" e, em seguida, regressaram à Antioquia da Síria, com Marcos em sua companhia. Parece que Marcos era aprendiz, sendo treinado na tarefa de evangelizar (Atos 12:25). Um ano depois Marcos foi levado por eles, em sua primeira viagem missionária, na qualidade de auxiliar (Atos 13:5). Marcos estava aprendendo a ser um bom servo. Depois, abandonou Paulo e Barnabé, por razões não

90 Ele Humilhou-se a Si mesmo registradas, e regressou à Antioquia. Quando Paulo e Barnabé tiveram um desacordo entre si, a respeito de levar Marcos pela segunda vez, e se separaram, Marcos viajou com Barnabé, e mais nada é dito a seu respeito, durante muitos anos, até que Paulo lhe envia lembranças de Roma (Colossenses 4:10, Filemon 24). Por essa ocasião já ocorrera a reconciliação, visto que agora Marcos é mencionado como sendo "cooperador" de Paulo. Por fim, Paulo apela a Timóteo, um pouco antes de morrer, para que trouxesse Marcos, "porque me é muito útil para o ministério" (2 Timóteo 4:11). Marcos aprendera a servir com o grande apóstolo, e Deus o usou mais tarde para redigir o Evangelho do Servo. O tema do Servo É bem provável que Marcos, filho espiritual de Pedro (1 Pedro 5:13), dirigiu seu evangelho ao povo romano, estando ele próprio morando em Roma, logo após a morte do apóstolo. Usa com freqüência termos latinos, como "centurião", "legião", e apela para a mentalidade latina ao registrar as atividades e trabalhos de Cristo. (Os gregos estavam mais interessados nas idéias de Cristo, enquanto os judeus se voltavam para as profecias messiânicas.) Marcos apresenta Cristo aos gentios romanos como o servo ativo que cumpre as missões a ele atribuídas; servo disciplinado que não quer ser descartado; servo obediente que sempre faz a vontade de seu Pai. O tema do evangelho de Marcos apóia o propósito de Marcos: convencer os romanos de que Jesus Cristo é Deus, e Filho de Deus (1:1). A declaração central do evangelho fornece-nos um esboço simples: "O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (Marcos 10:45). Um estudo comparativo de Marcos com os outros evangelhos demonstra que a ênfase de Marcos está no espírito de serviço de Cristo — e de muitas maneiras. A palavra "ministrar" ou "ministrou" (ou "servir" e "serviu") é usada mais vezes por Marcos do que por Mateus ou Lucas. Por outro lado, a palavra "senhor" é usada apenas dezesseis vezes em Marcos, em comparação com

"Em resgate por muitos" 91 setenta e noventa vezes, respectivamente, em Mateus e Lucas. Marcos não chama Jesus de "senhor" senão nos dois últimos versículos. Marcos omite fatos não coerentes com o tema do serviço. Não há a visita de magos em sua busca do rei, não se apresenta o "pedigree" do servo — não interessa sua ascendência, mas o seu trabalho. Não se revela a confusão entre os doutores em religião, pelo menino de doze anos. Doze dos dezesseis capítulos iniciam com a palavra "e", que demonstra ação contínua. A palavra "imediatamente" é usada dez vezes no primeiro capítulo e mais trinta vezes, nos capítulos seguintes. Marcos retrata sempre um servo ativo que sempre tem serviço a fazer. Quando estudamos nosso maravilhoso Servo, visto pelos olhos de Marcos, nós o admiramos de todo coração e assim o adoramos. Operando maravilhas, ele era o poderoso Servo do Senhor, e Filho de Deus. Por ocasião do batismo de Cristo, o Pai declarou esse fato: "Tu és o meu Filho amado em quem me comprazo" (1:11). O próprio Cristo declarou que, sendo Filho, tinha autoridade para perdoar pecados (2:10). Até os demônios reconheciam-lhe a autoridade (3:11). Ao pé da cruz, o centurião exclamou: "Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus" (15:39). Lembre-se de que o centurião era romano, e o propósito de Marcos era que os romanos (gentios) viessem a conhecer quem Cristo era na realidade. Que contraste espantoso — a majestade de Cristo, o Filho do Deus vivo, colocada ao lado da humildade do Servo do Senhor! Como essa comparação intensifica as maravilhas do caráter do Salvador! Entretanto, há uma faceta prática nesta verdade, para todos nós que desejamos ser servos, como Cristo. Nós também somos chamados de "filhos de Deus" (Romanos 8:14) e temos uma dignidade que excede qualquer outra deste mundo. Assim se maravilha o apóstolo João: "Vede quão grande amor nos concedeu o Pai, que fôssemos chamados de filhos de Deus. E somos mesmo seus filhos!" (1 João 3:1). Paulo acrescenta: "Se nós somos filhos, logo somos também herdeiros, herdeiros de Deus e

92 Ele Humilhou-se a Si mesmo co-herdeiros de Cristo" (Romanos 8:17). Entretanto, tendo toda esta dignidade, também somos servos, e precisamos assumir nosso lugar com humildade, à semelhança do grande Servo. O Servo que trabalha A ênfase de Marcos sobre Jesus como Servo também é percebida em seu retrato do Senhor como obreiro. Só Marcos se refere a Jesus como "o carpinteiro" (Marcos 6:3), e foi nessa função que Jesus gastou a maior parte de sua vida terrena. Durante talvez uns quinze anos a serra, a plaina e o martelo foram suas ferramentas. O exemplo dele sempre protegerá a dignidade do trabalho honesto; o exemplo do Servo perfeito diante da banca de carpinteiro produzindo com destreza jugos, para os fazendeiros, e mesas, para os lares. Todos os artesãos são servos; na maioria dos casos trabalham para outrem ou, em última instância, trabalham para o consumidor final. O bom obreiro, então, mantém uma atitude de interesse pelos outros, considerando suas necessidades. Mesmo trabalhando sob a liderança de alguém, procurará fazer tudo que dele se espera, ainda que os demais operários não ajam assim. Ele sente prazer em fazer os consumidores felizes, apresentando-lhes um produto bem feito. Muitos gregos e romanos pensavam que o trabalho braçal era adequado apenas para os escravos. Jesus desmentiu essa falsa noção. Assim disse James Stalker: "A virtude do trabalho está em que ele carimba a terra bruta com a assinatura da mente, que é a imagem daquele que constitui a Razão Suprema". Em seu livro, esse autor prossegue, usando o exemplo de Antônio Stradivari, o famoso fabricante de violinos. Stradivari sentiu-se chamado por Deus para produzir os melhores violinos, enquanto outros o criticavam por não "atender às massas". Stalker faz citação de um poema de T. S. Eliot: Quem traça uma linha e satisfaz sua alma Fazendo-a torta, quando deveria ser reta? Entretanto, louvado seja Deus, Antônio Stradivari tem um olho Que se constrange diante do trabalho falso, Mas ama o verdadeiro trabalho. Bendita mão, e braço que agarra a ferramenta Com a disposição de uma ave canora Que de madrugada começa seu mavioso canto,

"Em resgate por muitos" 93 Pois ama a tarefa de cantar, e ama sua melodia. Diz Naldo: É insignificante a fama, Se há alguma, para quem faz violinos, Tarefa que tampouco atende às massas. De todo o jeito irás para o purgatório. Stradivari replica: Purgatório é fazer violinos ruins. Quanto à minha fama — quando um mestre Segurar um dos meus violinos entre A mão e o queixo, para fazê-lo vibrar, Alegrar-se-á de que Stradivari viveu, E fez violinos, e dos melhores. Só os mestres sabem de quem é o bom trabalho; Escolherão o meu. Deus lhes dá o gênio, Eu lhes dou instrumentos para tocar. Deus me escolheu para ajudá-los. Ao deixar a bancada de carpinteiro para tornar-se profeta e mestre, Jesus imprimiu a mesma dignidade a estas novas esferas profissionais, que antes havia imprimido à oficina de artesão. Para Cristo, a diferença entre colarinho azul e colarinho branco, entre o burocrata e o operário, está na vocação, não na qualidade. Trabalhando com as mãos, ou com o espírito, seu trabalho era marcado pela excelência; em ambas as esferas ele é exemplo para nós. Praticou, ao servir, tudo quanto pregou aos discípulos. O

Servo-modelo "O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (10:45). É bastante proveitoso observar o contexto desta declaração. Jesus estava a caminho de Jerusalém. Ele havia dito aos discípulos, já pela terceira vez, que seria condenado à morte pelos judeus, entregue aos gentios, escarnecido, cuspido, açoitado e morto, três dias depois ele ressurgiria de entre os mortos (10:3334). É óbvio que Tiago e João não estavam ouvindo — pediram as duas posições mais importantes no Reino, pois julgavam que seria estabelecido imediatamente. Jesus os repreendeu com suavidade, dizendo-lhes que estavam pedindo muito mais do que podiam suportar.

Os demais dez discípulos, é bem provável que partilhassem da mesma mentalidade de Tiago e João, mas indignaram-se contra os dois irmãos. Imaginavam a audácia deles, em pedir uma coisa dessas. Jesus os chamou a todos, para perto de si mesmo, conhecendo suas mentes, como conhecia, a fim de explicar-lhes um dos princípios mais importantes do discipulado cristão (10:4245). Jesus os fez lembrar-se de que entre os gentios, as pessoas mais importantes eram as que exerciam maior autoridade sobre o povo, todavia, entre os discípulos o assunto seria bem diferente: o maior dentre eles seria o servo deles! Jesus mencionou sua própria vida como exemplo último do verdadeiro discipulado. Seu grande propósito ao vir à terra, seu objetivo global na vida não era ser servido pelos outros, mas servir aos outros. Livre de qualquer interesse egoístico. Essa não era uma idéia típica do ano 30 a.C., e tampouco é hoje. Dale Carnegie não inclui este conceito em seu livro Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas no Mundo dos Negócios. Entretanto, o Senhor Jesus Cristo chamou-o de essência real do discipulado. Servir aos outros é o alicerce da regra áurea: "Fazei aos outros o que quereis que vos façam". "Entre vós sou como aquele que serve" (Jesus). Praticamente todo o serviço de Cristo relacionava-se com o atendimento às pessoas. O caráter humilde e gentil de Jesus já estava fora de "moda", até naquela época, em relação à arrogância das sociedades construídas sobre o poder. Assim disse ele a seus seguidores: "Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas" (Mateus 11:29). O difícil é encontrar pessoas que queiram aprender. Estamos ocupados demais, empurrando a nós mesmos para cima, para subirmos a escada dos valores mundanos. Não se trata também de um jogo exclusivo entre pessoas ambiciosas. A busca dos próprios interesses é verificada entre bebês do curso maternal, que brigam por causa de um brinquedo. Crianças costumam brigar até na decisão de quem vai ser o capitão do time. Meninotas do ginásio

"Em resgate por muitos" 95 brigam, e tentam exercer domínio exclusivo sobre um garotão simpático. Estudantes universitários colam nos exames, a fim de parecerem mais inteligentes do que seus colegas. As nações que se sentem iradas, se seu orgulho nacional foi ferido, partem para a guerra. Serviço humilde? Quem está pensando nisso? Seria bem difícil avaliar todo o fracasso, ou a infelicidade, tristeza e depressão que advêm quando as pessoas não são servidas, e tampouco estão dispostas a servir. Em nossa cultura, somos educados esperando ser servidos, que os outros nos sirvam. Nossos pais devem mimar-nos, nossos professores aprovar-nos e nossos companheiros dar-nos reconhecimento. Bem erroneamente, enxergamos estas coisas como algo que é nosso direito. Assim é que professores de escola dominical abandonam o cargo se não forem elogiados com muitos agradecimentos, missionários voltam para casa se lhes parece que nada está acontecendo, e pessoas mudam de igreja quando não recebem o reconhecimento que julgam merecer. Ala! se tomássemos as palavras de Jesus com seriedade e vivêssemos à altura delas! Meu avô, um homem santo, um gigante espiritual, costumava cantar com sua voz áspera: "Ali! Nada sou!" Quando menino, achava isso muito estranho. Hoje entendo que meu avô queria ser cada vez mais parecido com o Salvador a quem amava. Ele procurava reagir de maneira positiva às palavras de Jesus: "Qualquer que entre vós quiser ser grande, será o que vos sirva" (Marcos 10:43). Jim Elliot, missionário nas selvas do leste do Equador, tornouse mártir, ao tentar levar o evangelho aos aucas. Tinha uma definição espantosa de missionário: "Missionários são um bando de joões-ninguém tentando exaltar alguém". Ele havia compreendido a essência do espírito de serviço bíblico. O retrato do Servo em Marcos O evangelho de Marcos pode ser visto como o retrato pintado de Jesus, o Servo perfeito. Como acontece a qualquer pintura de boa qualidade, quanto mais cuidadosamente estudamos o

retrato, mais detalhes e estrutura ficam evidentes. Em meu escritório, em casa, há uma cópia enorme de "Jeremias", de Rembrandt. De vez em quando descubro outro detalhe planejado pelo artista, e que só agora consigo enxergar. É provável que prosseguirei descobrindo outros detalhes à medida que o tempo passe. O retrato feito com palavras, elaborado por Marcos, tem essa qualidade. Vamos dar uma olhada em alguns dos lindos detalhes lançados pelo autor sagrado. Cristo, como servo, tinha uma missão. Possuía compreensão clara do que fazia, e dedicou-se eficientemente no cumprimento de seus propósitos. Ao povo ele pregava o evangelho (1:4). Convocou discípulos em potencial para que se entregassem ao serviço (1:17-18). Aos judeus na sinagoga ele ensinava com autoridade (1:22). Aos possuídos pelo demônio trazia libertação imediata (1:25). Aos doentes trazia a cura (1:31-34). Todos esses atos se encaixavam, formando parte da obra do Servo, no cumprimento de sua missão. Foi Servo diligente: "Levantando-se de manhã muito cedo, ainda escuro, saiu, e foi para um lugar deserto, e ali orava" (1:35). Achava que valia a pena dormir menos a fim de completar sua tarefa. Isso poderá desafiar aqueles dentre nós que amam demais o sono. Entretanto, a diligência do Servo era equilibrada pela sua percepção de que há necessidade de descanso. Quando ele e seus discípulos trabalhavam arduamente durante longo tempo, no momento apropriado lhes recomendava que se retirassem por um período, a fim de recarregar suas baterias físicas, mentais e espirituais: "Vinde vós, aqui à parte. . . e repousai um pouco" (6:31). O espírito de serviço do Senhor também foi marcado pela compaixão. Olhando um leproso, sentiu "grande compaixão" (1:41). Vendo a multidão como ovelhas sem pastor, "teve compaixão deles" (6:34). O amor tem sido sempre um dos maiores motivadores do trabalho, e o Servo amou como jamais alguém amou. Quando a multidão estivera com ele durante três dias sem alimento, ele mais uma vez demonstrou sua compaixão, alimentando a todos (8:1-9).

Tal amor, todavia, jamais deixou de notar o pecado na vida de seus ouvintes. Chamava os fariseus e escribas de "hipócritas". Fazendo brilhar a luz das Escrituras, mostrou-lhes que seus corações estavam longe de Deus, e que o culto deles era vão (7:6 -7). Marcos toma o cuidado de apontar a excelência de tudo quanto o Senhor fazia. Após ter curado o surdo-mudo, as pessoas ficaram espantadas e felizes reconheceram que ele "tudo faz bem" (7:37). Muitos de nós que desejamos ser verdadeiros servos de Cristo e servir aos outros, temos agido meio "serve de qualquer modo" em algum setor de nossa vida. Reconhecemos nossas fraquezas e até fazemos compensações. Deveríamos, entretanto, estar também continuamente lutando, à busca da excelência que se vê no Senhor Jesus. Fé é outra característica do Salvador. Um exemplo será suficiente. Durante uma tempestade, em que os discípulos ficaram tomados de terror, julgando que fossem todos afogar-se, "Jesus estava na popa, dormindo sobre uma almofada" (4:38). O grande Servo descansava na fé: um Deus todo-poderoso estava no controle. Quando a tempestade cessou, mediante uma palavra de Cristo, este voltou-se para os discípulos aliviados e perguntou-lhes: "Por que sois tão tímidos? Ainda não tendes fé?" (4:40). Os discípulos tinham acabado de ver um exemplo inesquecível de confiança no Pai. Deveríamos orar como os discípulos oraram em certa ocasião: "Aumenta-nos a fé" (17:5). Outro detalhe do retrato de Cristo é sua prontidão para servir a todas as pessoas. Até mesmo uma mulher siro-fenícia suplicou e recebeu a cura para sua filha possuída do demônio (7:26). Diferentemente dos fariseus, ele amava e servia a todos com quem entrava em contato, e seus verdadeiros servos o imitam. Ele ordenou a seus discípulos que fossem por todo o mundo e pregassem o evangelho a toda criatura (16:15). O Servo sofredor Marcos, mais do que os demais evangelistas, descreve os eventos da redenção. A razão disso é que a redenção no evangelho de Marcos é a obra do Servo. "O Filho do homem (veio). . . para dar a sua vida em resgate por muitos" (10:45).

A principal tarefa do maior dos servos foi redimir o homem da escravidão do pecado. O evangelho de Marcos relaciona de modo direto o sofrimento de Cristo na cruz com Isaías 53, que é a profecia sobre o Servo sofredor. "Crucificaram com ele dois ladrões, um à sua direita, e outro à sua esquerda. E cumpriu-se a escritura que diz: 'Com malfeitores foi contado'" (15:27-28, Isaías 53:12). Só Marcos estabelece este relacionamento. Em seguida, o forte brado do Messias, por cavisa de seu abandono,"Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" (15:34), relaciona seu sofrimento ao Salmo 22:1. Esta é outra passagem central do Antigo Testamento, a respeito do sofrimento de Cristo. A trilha do Servo foi uma trilha de sofrimento. Foi assim que sua obra se completou e nossa redenção se assegurou. De maneira alguma poderemos participar da obra redentora de Cristo, se nos importarmos com o quanto vamos sofrer. Entretanto, podemos sentir-nos encorajados pela atitude e comportamento do Senhor, em seus sofrimentos. Pedro desenvolve este tema tanto para escravos literais quanto para servos de Cristo: "Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor aos vossos senhores, não somente aos bons e moderados, mas também aos maus. Pois isto é agradável, que alguém. . . suporte tristezas, padecendo injustamente. . . Para isto fostes chamados, porque também Cristo padeceu por vós, deixando-vos o exemplo, para que sigais as suas pisadas. Ele não cometeu pecado, nem na sua boca se achou engano. Quando foi injuriado, não injuriava, e quando padecia não ameaçava. Antes, entregava-se àquele que julga justamente" (1 Pedro 2:18-23). Durante séculos os maltratados servos de Deus têm encontrado coragem no exemplo do Servo sofredor, e audácia para a batalha, em meio às situações impossíveis, quando sob perseguição por amor de Cristo. Afinal, que são nossos sofrimentos deste momento, quando comparados com o Calvário? Pedro prossegue, desafiando-nos:

"Em resgate por muitos" 99 "Visto que Cristo padeceu por nós na carne, armai-vos também vós deste mesmo pensamento. . . (para que) vivais. . . segundo a vontade de Deus" (1 Pedro 4:1-2). Vemos, portanto, que Marcos nos forneceu o melhor modelo de servo. Só podemos enriquecer-nos, quando examinamos a vida daquele que veio não para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos. "Eu. . . entre vós sou como aquele que serve" (Lucas 22:27).

9 Nosso humilde

Salvador

esus demonstrou seu caráter de servo mediante um ato de extrema humildade que chocou os discípulos, e que serviu de exemplo para o relacionamento entre eles. 'Eu vos dei o exemplo, para que façais o que eu fiz" (João 13:15).

J

A cena de João 13 passa-se no cenáculo, onde a páscoa (a última ceia do Senhor) havia sido preparada, na mesma noite em que Cristo foi traído. Foi a última vez em que os doze discípulos estiveram reunidos com o Senhor Jesus. Durante três anos e meio haviam aprendido o caminho de Cristo e seguido seus passos. Pelo menos em três ocasiões ele lhes havia dito com toda clareza que daria a vida em resgate de muitos, que sofreria e seria morto, tirado deste mundo. Os discípulos o amavam, mas estavam obcecados pelas posições de liderança que esperavam exercer em um reino literal prestes a ser estabelecido. Quem é o maior? Os discípulos estavam tão confusos a respeito da ocasião em que o reino messiânico haveria de estabelecer-se, e do papel que nele desempenhariam que, no instante exato em que adentravam o cenáculo, discutiam quem dentre eles era o maior (Lucas 22:24). À semelhança de galinhas numa granja, bicavam-se entre si a fim de obter o melhor pedaço de ração. Não é assim que somos também? Nossa perspectiva é tão orientada para o ego que estamos constantemente procurando

o primeiro lugar. Essa atitude não conduz com a mentalidade do servo, cujo espírito de serviço orienta-se para o próximo. Por causa dessa disputa acerca de quem seria o maior dentre eles, o Senhor os repreendeu: "Os reis dos gentios dominam sobre eles, e os que exercem autoridade sobre eles são chamados benfeitores. Mas vós não sereis assim. Pelo contrário, o maior entre vós seja como o menor, e quem governa seja como quem serve. . . Eu, porém, entre vós sou como aquele que serve" (Lucas 22:25-27). Um por um, tomaram seus lugares à mesa, sentando-se nas almofadas. É evidente que não havia nenhum servo doméstico em disponibilidade que fizesse a costumeira lavagem dos pés. Ali por perto deveria haver um vaso de água, uma bacia e toalha, mas nenhum dos discípulos fez um movimento sequer no sentido de servir a alguém fazendo aquela tarefa. Estavam todos muito acima desta função destinada aos escravos mais servis. Jesus, todavia, não se achava superior aos servos. Um Salvador que serve O apóstolo João nos diz que quando Jesus lavou os pés aos discípulos, sabia quatro coisas que tornariam esse ato muito memorável. Primeiramente, somos informados de que ele sabia que "sua hora de passar deste mundo para o Pai já tinha chegado" (v. 1), sua hora de partida e sofrimento. Essa "hora" era um momento determinado no tempo, desde antes da fundação do mundo. Este o rejeitara e logo haveria de crucificá-lo. Quando isto acontecesse, partiria para estar com o Pai. Várias vezes João registra que "ainda não chegou a minha hora" (João 2:4; 7:30; 8:20). Mas, agora, às vésperas da crucificação, a hora chegara, hora em que ele partiria "deste mundo". Observe que ele não estava deixando "o mundo", mas "este mundo". É evidente que o mundo para ele era um lugar terrível, cheio dos efeitos do pecado. Agora, pois, à luz de sua próxima partida deste mundo mediante a morte, ele se humilhou lavando os pés

aos discípulos. Nesse momento-chave, estando o fim bem próximo, o Senhor fez o que jamais faríamos: assumiu a condição de servo humilde. Quanta graça demonstrou o Senhor pelos seus! Em segundo lugar, "como havia amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até o fim" (v. 1). Os discípulos eram chamados de "os seus" porque o Senhor tinha prazer em reivindicá-los para si. Ele os conhecia como homens que haviam falhado uma porção de vezes, e continuariam a falhar. Sabia que Filipe não entenderia bem, ali à mesa. Sabia que Pedro o negaria naquela mesma noite. Sabia que Tomé duvidaria de sua ressurreição, que todos o abandonariam e fugiriam antes da noite cair. Entretanto, sabendo tudo isso, e apesar disso, ele os amou até o fim (literalmente: "ao máximo"). Conhecendo-lhes as falhas, ele se inclinou e lavou-lhes os pés. O Senhor tomou a forma de servo. Em terceiro lugar, "durante a ceia, tendo já o diabo posto no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, que o traísse. . ." v. 2). Jesus estava bem ciente de que o traidor estava sentado à mesa, ao seu lado (v. 21). Ele viu que nos recônditos escuros da mente de Judas o esquema da traição estava sendo armado. Ciente de tudo isso, o Servo-modelo inclinou-se a fim de tomar os pés de Judas em suas mãos e lavá-los — um exemplo notável de perfeito espírito de serviço. Por fim, os versículos 3 e 4 declaram: "Jesus, sabendo que o Pai depositara em suas mãos todas as coisas, e que havia saído de Deus e ia para Deus, levantou-se da ceia". Jesus estava totalmente consciente de sua origem divina e da glória vindoura. Sabia que o Pai lhe prometera autoridade sobre todas as coisas do universo. Entretanto, o Herdeiro de todas as coisas humilhou-se a fim de realizar a obra de um escravo. "Haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus" (Filipenses 2:5). A beleza da auto-humilhação de Cristo é descrita, a seguir, por João, numa série de frases cheias de significado: "Levantou-se da ceia, tirou a vestimenta de cima, e to-

Nosso humilde Salvador 103 mando uma toalha, cingiu-se com ela. Depois colocou água numa bacia, e começou a lavar os pés dos discípulos, e a enxugá-los com a toalha com que estava cingido" (w. 4-5). Estes atos são uma "paráfrase" da obra do perfeito Servo, a da redenção, conforme Filipenses 2:5-8. Ele se levantou de seu lugar ao lado do Pai, nos céus. Deixou de lado o aspecto exterior de sua glória. Assumiu a forma de servo. Derramou seu sangue em oferta pelo pecado. Em seguida, ressuscitou e sentou-se à direita do Pai (veja v. 12). Os discípulos, no entanto, não reconheceram esta "paráfrase". Cada um em seu coração sentiu, sem dúvida alguma, que o Senhor deveria ser o último dentre eles a fazer o serviço de um escravo doméstico. Entretanto, ninguém se apresentou a fim de executar o trabalho no lugar de Cristo. É possível que cada um pensasse que outro qualquer, dentre os doze, deveria fazer o serviço. É provável que Tiago pensasse por que seria que André não aceitara o trabalho. Enquanto cada um pensava assim, em seu coração, Jesus apenas continuou a lavar os pés deles, um a um — até chegar a vez de Pedro. Jesus aos pés de Pedro Embaraçado diante daquela situação, espantado pelo que o Senhor fazia, Pedro não compreendeu que o Senhor jamais agiria em desacordo com a dignidade de sua posição. Em certa ocasião quando foi repreendido por ter falado a respeito da cruz, o Senhor fez Pedro lembrar-se de que estava tomando o partido de Satanás, visto que não punha sua mente nas coisas de Deus, mas nas dos homens (Marcos 8:33). Pedro agora explode: "Senhor, tu vais lavar os meus pés?" (v. 6). Por que razão o Mestre haveria de servir ao servo? A resposta do Senhor (v. 7) indica que havia muito mais neste ato do que simples água e pés limpos: "O que eu faço não o sabes agora mas o compreenderás depois" (v. 7). Pedro precisava observar e aprender, e não falar. Mais tarde,

Pedro aprenderia duas valiosas lições espirituais relacionadas com este evento. A primeira foi a lição da purificação, ao ser restaurado, depois da negação tríplice do Senhor. A outra foi uma lição sobre humildade envolvida no serviço, sobre a qual escreveu muitos anos mais tarde (1 Pedro 5:1-6). A reação de Pedro às palavras de Jesus não foi a de colocar seus pés nas mãos do Senhor, para serem lavados. Em vez disso, ele os recolheu depressa e declarou: "Nunca me lavarás os pés" (v. 8). É evidente que Pedro tinha humildade suficiente para reconhecer que Jesus não deveria lavar-lhe os pés, mas tinha orgulho suficiente para instruir o Senhor sobre o que ele deveria fazer. Com máxima ênfase Pedro afirmou que Jesus nunca lhe lavaria os pés, mas sessenta segundos depois precisou mudar de opinião. A semelhança de Pedro, com freqüência apertamos o gatilho com rapidez, pensando que temos razão. Todavia, logo precisamos procurar a "bala" erroneamente disparada. Com doçura o Senhor mostrou a Pedro uma das maiores lições concernentes à lavagem de pés: os benefícios da limpeza espiritual. "Se eu não te lavar, não tens parte comigo", disse Jesus a Pedro (v. 8). O Senhor estava usando os pés sujos de Pedro como ilustração de uma verdade espiritual de grande importância. Assim como aqueles pés precisavam ser lavados pelo escravo doméstico, porque estavam sujos, os crentes também, contaminados pelo mundo, necessitavam de ser lavados. Como foi necessário a Pedro admitir que seus pés estavam sujos, e colocá-los nas mãos do Senhor para que os lavasse, assim o crente que pecou chega-se ao Senhor, confessa seu pecado e recebe perdão e purificação. Disse Jesus a Pedro que se ele não fosse lavado não teria "parte" com o Senhor. "Parte" significa comunhão diária, companheirismo diário com Cristo, não significa vida eterna. A mesma palavra foi usada quando Jesus disse a Marta que Maria havia escolhido "a boa parte" (Lucas 10:42), pois, Maria escolhera permanecer na presença de Cristo, enquanto Marta estava ocupada com outras coisas. Nossa comunhão prática com Cristo é tão frágil que o pecado mais insignificante pode rompê-la. Eis

Nosso humilde Salvador 105 a razão por que esta lição é tão importante para todos nós que queremos servir ao Senhor. Assim disse Lutero: "O Diabo não permite que cristão algum alcance o céu de pés limpos durante todo o trajeto". Tinha razão. Todavia, a comunhão partida, que se rompeu por causa dos pés imundos, pode ser restaurada pela purificação oferecida por Cristo. "Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda injustiça" (1 João 1:9). Quando Pedro afinal começou a entender que o Senhor estava falando de purificação espiritual, e de comunhão com Cristo, o apóstolo reagiu com a impulsividade que o caracterizava. "Senhor", disse ele, "se tu estás falando de comunhão contigo, dá-me um banho completo, então" (veja o v. 9). Mas o Senhor explica por que Pedro precisava de ter apenas os pés lavados, e não o corpo todo (v. 10). O Senhor Jesus usou a imagem dos banhos públicos, comuns nas cidades daqueles dias. Após o banho, as pessoas voltavam a suas casas por ruas poeirentas, usando sandálias. Ao chegar a casa, viam que lhes era necessário lavar os pés. Da mesma maneira quando iam ao mercado, ou em visita a um amigo. Havia apenas um banho, mas muitas lavagens dos pés sujos. As diferentes palavras gregas para "lavar" e "banhar" no versículo 10 corroboram esta distinção. A lição para Pedro e para nós é que ele já tomara um banho (era crente em Cristo e tinha seus pecados perdoados) e não precisava de mais um banho. O de que ele precisava era de uma lavagem para livrar-se das impurezas do mundo (que seus pés fossem lavados). Ao pecar, Pedro já não precisava de salvação, mas de renovação da comunhão com Deus. Era importante que Pedro aprendesse essa lição nessa ocasião, pois dentro de poucas horas haveria de cometer o pior pecado de sua vida, o de negar a seu Senhor. Ainda assim não estaria precisando de mais um banho de salvação, mas apenas da lavagem, da restauração da comunhão. Parte dessa história não está registrada, e parte dela está escrita em João 21. A história toda se baseia, entretanto, no fato de que Cristo amava a Pedro ao extremo (v. 1).

É maravilhosa a provisão da lavagem espiritual dos pés, para os crentes. Quando pecamos, podemos dirigir-nos ao Salvador e obter restauração. Ele usa a água da Palavra, a fim de efetuar essa lavagem (Efésios 5:26). Quando estivermos conscientes de que desagradamos ao Senhor, podemos ir a ele de imediato, e confessar nossa falta. Em seguida, o Servo perfeito graciosamente efetua o trabalho de lavar nossos pés e, assim, a comunhão com Cristo volta a ser de novo realidade gloriosa. Não conseguiremos ser servos eficientes de Cristo se tivermos pés imundos. E evidente que um dos doze jamais passara pelo banho da regeneração. Esse era Judas, a quem Jesus apontou com cuidado (w. 10-11). Em seguida, do versículo 12 ao 17, o Senhor lhes ensina outra importante lição, oriunda de sua parábola dramatizada, lição associada de modo direto com o aprendizado do serviço, ou como servir. Terminado seu ato de serviço, Jesus assumiu seu lugar à mesa e começou a ensinar-lhes uma lição. A lição aplicada a Pedro referia-se ao relacionamento vertical com o Senhor. Agora, ele fala de um relacionamento horizontal, o dos discípulos entre si. O Senhor começa com uma pergunta: "Entendeis o que eu fiz?" (v. 12). Sem aguardar a resposta, o Senhor explicou: "Vós me chamais de Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou. Ora, se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros. Eu vos dei o exemplo, para que façais o que eu fiz" (w. 13-15). O Senhor Jesus dizia, com efeito: "Se eu, que sou o Mestre e Senhor de vocês, assumi o papel de servo, então vocês que são meus servos deverão estar prontos e dispostos para servir uns aos outros". Há muita lógica aqui, e muita dificuldade. Eles alegremente lavariam os pés de Cristo, mas o Senhor insistiu em que deveriam servir ao próximo. O ponto enfático aqui não é apenas o do serviço humilde, mas de maneira mais específica, a lavagem dos pés imundos dos outros. Paulo se referiu a esse ministério em Gálatas 6:1: "Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, corrigi o tal com espírito de mansidão. Mas olha por ti mesmo, para que não sejas também tentado". Se um irmão é apanhado em pecado, como, por exemplo,

Nosso humilde Salvador 107 orgulho ou mexerico ou. . . os crentes espirituais agem como verdadeiros servos e o restauram, considerando-o mais importante do que a si próprios (Filipenses 2:3). Deverão "lavar-lhes os pés". Como? Tomando a "água" da Palavra de Deus e, com máximo cuidado, máxima delicadeza, aplicá-la ao irmão que pecou, estando o tempo todo conscientes de que eles também estão sujeitos à tentação. A tendência da carne é executar esta regra com severidade, usaremos água fervente para que a pessoa não se esqueça jamais; usaremos lixa em vez da água pura, que é a Palavra de Deus. A comunidade cristã está repleta de pessoas cujos pés estão encardidos. Só os servos genuínos, humildes, espirituais e sábios conseguem restaurá-los, mediante a obra do Espírito Santo. O ato do Senhor foi um serviço de autonegação. Ele praticou o que ensinava ao dizer a seus discípulos que viera a fim de servir, e não ser servido (Marcos 10:45). Seus seguidores lembrariam do que ele fez naquela noite enquanto vivessem. Vinte e cinco anos mais tarde, quando Pedro escreveu sua primeira carta, fez ecoar nela a mensagem do Mestre a respeito do lava-pés, exortando os presbíteros da igreja a demonstrarem que suas vidas são exemplos para o rebanho, ao deixar de impor-lhe uma tirania, mas ao humilhar-se sob a poderosa mão do Senhor (1 Pedro 5:3-6). Pedro aprendeu essa lição muito bem. Será que nós também a aprendemos? Uma bem-aventurança A lição do Salvador a respeito do espírito de serviço encerrouse com uma bem-aventurança: "Agora que sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as fizerdes" (v. 17). À semelhança das bem-aventuranças de Mateus 5, esta bênção advém da parte de Deus como resultado da obediência. Deus tem uma bênção especial para o servo humilde que se inclina a fim de "lavar os pés" de seus companheiros de servidão. Sendo cumpridores da Palavra os servos obedientes serão abençoados naquilo que praticam (Tiago 1:22-25). Quantas dores inúteis suportamos só porque nos recusamos a humilhar-nos e prestar serviço como "lavadores de pés". Se considerarmos esse serviço como estando abaixo de nossa dig-

nidade, estamos coloeando-nos acima do Senhor Jesus. Ele disse que "o servo não é maior do que o seu senhor" (v. 16); os verdadeiros servos dele não deveriam recusar fazer o que ele fez. Diótrefes não teria errado se houvesse atendido às palavras de Jesus (3 João 9). Semelhantemente, muitos capítulos tristes da história da igreja teriam sido evitados e muitas divisões não teriam ocorrido, nem continuariam ocorrendo hoje. Com tantos crentes sofrendo ao nosso redor, há inúmeras oportunidades para a obra de lavar os pés dos irmãos. O próprio Senhor Jesus nos encoraja neste serviço; na verdade, essa é uma ordem que recebemos dele. Se quisermos em realidade seguir a Jesus, haveremos de caminhar pelos caminhos da humildade, a saber, caminhos do serviço. Ó Senhor, permite-me caminhar contigo Pelas sendas humildes do serviço. Revela-me teu segredo; ajuda-me a carregar O fardo do trabalho, o peso do cuidado. Ajuda-me a carregar a pessoa morosa de coração Mediante uma palavra clara, cheia de amor vencedor; Ensina-me a firmar os passos vacilantes do desviado Dirigindo-os na direção do céu. (Washington Gladden)

TERCEIRA PARTE

RETRATOS

10 O círculo íntimo de Deus s maiores personalidades entre o povo de Deus têm sido "servos". O título de servo de Deus merece a maior distinção na história da Bíblia, foi empregado àqueles que se tornaram elementos-chaves no plano mestre de Deus para o planeta terra, e ainda se aplica a todos os que andam verdadeiramente com Deus. No Antigo Testamento, "servo" se aplicava apenas aos gigantes espirituais que percorriam o caminho da fé. Vamos focalizá-los neste capítulo. Servo de Deus no Antigo Testamento aplica-se com mais precisão ao relacionamento da pessoa com Deus do que com outras pessoas. Não havia na época o conceito de um líder ou rei ser um serventuário público, um serviçal ou funcionário do povo como dizemos hoje (1 Reis 12:7 é exceção). Parece que Deus aufere máxima satisfação em conferir o título de "meu servo" àqueles que o honram com fidelidade integral. O servo da fé — "Meu servo Abraão" O primeiro dos grandes a quem Deus chamou de meu servo foi Abraão. Deus usou esse título enquanto falava com o filho de Abraão, Isaque. Vivendo como beduíno, Isaque experimentava constantes atritos, ao procurar água para seus grandes rebanhos. Era ele quem cavava os poços; no entanto, enfrentava disputas ao tentar usá-los. As vezes os filisteus entupiam esses poços para fazer com que os homens de Isaque permanecessem longe de suas fronteiras. Por fim chegou a Berseba e cavou mais um poço (Gênesis

O círculo íntimo de Deus 111 26:18-25). O pai dele, Abraão, o levara para morar em Berseba, logo após o grandioso sacrifício no monte Moriá. Isaque havia sido liberado e Abraão ofereceu um cordeiro, em sacrifício vicário, após o que Deus confirmou sua promessa feita a Abraão (Gênesis 22:1-19). Agora que Isaque havia regressado a Berseba para morar ali, Deus lhe apareceu confirmando a promessa de que ele seria abençoado, e seus descendentes seriam muitos. A razão por que Deus fez isso está em Gênesis 26:24: "por amor de Abraão, meu servo". Deus chamava a Abraão de seu servo porque esse homem teve a ousadia de crer em Deus e agir segundo sua fé. Quando o Senhor da glória lhe apareceu, sendo Abraão vim adorador pagão, em Ur, cidade dos caldeus, e lhe ordenou que deixasse seus parentes e partisse para um lugar que jamais vira, Abraão obedeceu. Era servo obediente. Também quando Deus prometeu que abençoaria a Abraão materialmente, o servo creu que o Senhor faria isso mesmo! Com toda alegria permitiu que Ló escolhesse para si as campinas bem regadas de Sodoma. Com toda alegria recusou-se a tomar para si mesmo qualquer coisa do rei de Sodoma, após uma operação militar de resgate. Sendo servo do Altíssimo, queria que todos soubessem que quem o tornara rico havia sido seu Deus (Gênesis 14:22-23). Foi Abraão o primeiro a usar o nome Adonai (senhor) para Deus (Gênesis 15:2). Trata-se de um título que expressa o senhorio de Deus. É título que o servo usa para seu senhor.1 Ainda quando Deus provou sua fé, ordenando que oferecesse seu filho Isaque em sacrifício de holocausto, o servo obedeceu sem questionar. "Levantou-se, pois, Abraão de madrugada, albardou seu jumento, tomou consigo. . . a Isaque, seu filho. . ." (Gênesis 22:3)A vida toda de Abraão foi marcada pelo espírito de serviço a Deus, sem qualquer reserva. Ele ousava crer em Deus, e agir de acordo com essa fé. Não é de estranhar, pois, que Deus lhe haja conferido o título de meu servo Abraão. O servo confiante — "Observaste a meu servo Jó?" A história de Jó transcorreu numa época que ninguém pode

precisar exatamente. Por causa dessa aura de mistério, a história desse homem se torna mais fascinante ainda. No livro de Jó temos um lembrete, tanto no começo como no final, de que Jó é chamado por Deus de meu servo (1:8; 42:7). Na introdução do livro Deus pergunta a nosso inimigo se este havia observado Jó, que era bom exemplo de homem crente (1:8). À essa altura, Deus concede permissão a Satanás para tentar Jó de várias maneiras a fim de que ficasse provado que o espírito de servidão de Jó baseava-se em algo mais que simples prosperidade material. Observe a maneira como Deus descreve Jó, seu servo: "Não há ninguém na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, que teme a Deus e se desvia do mal" (1:8). Os verdadeiros servos são conhecidos pelo que são, e também pelo que fazem. Nada se diz quanto às ações de Jó, como servo; toda a ênfase repousa naquilo que ele era, em seu caráter. Disse Deus que não havia outra pessoa como Jó, na terra; Jó se tornara modelo de retidão humana. Com relação ao mal, Jó não só era inculpável, mas de modo concreto o evitava. Com relação a Deus, era reto, e de forma ativa e reverente buscava a face do Senhor. O autor do livro de Jó notou estas características logo no primeiro versículo. E Deus desafiou Satanás logo depois, mencionando tais características (1:1-8), que são as qualidades de Jó como servo de Deus. Os servos já devem sê-lo antes de exercer as funções de servo. Todas as tentações e provações que se seguiram não puderam sacudir Jó, porque este era verdadeiro servo de Deus, em seu coração, sendo esse o segredo da integridade de Jó através de todas as suas tribulações. Embora não soubesse o que estava acontecendo, ele nunca perdeu de vista a confiança que depositava em Deus. Jó permaneceu um verdadeiro servo. Quando tudo se acabou, Jó falou a respeito de "coisas maravilhosas demais para mim" (42:3). Em vez de concluir que Deus se esquecera dele, verificou que o poder, a majestade e a sabedoria de Deus eram mais infinitos do que entendera anteriormente. E o servo inclinou-se em arrependimento reverente. Os três "amigos" é que encontraram julgamento, e foram instruídos a oferecer sacrifício a Deus, enquanto o "servo Jó" orasse por eles (42:8). Nós, que temos a intenção de ser servos de Deus, precisamos aprender com Jó que Deus exige em primeiro lugar, e em último,

O círculo íntimo de Deus 113 e sempre, santidade de vida. Nenhum volume de atividade compensa um viver iníquo, pois o servo há de ser íntegro e reto, que teme a Deus e se desvia do mal. O servo submisso — "Eu e minha casa serviremos ao Senhor" Deus atribuiu honra a Josué ao chamá-lo de seu servo. Entretanto, Josué foi singular, pois também foi chamado de servo de um senhor humano, Moisés. Duas vezes na Bíblia ele é Josué. . . servo do Senhor, e outras duas vezes, servidor de Moisés (Josué 24:29; Juizes 2:8; Êxodo 33:11; Números 11:28). A dupla servidão de Josué tem algo a revelar-nos. E evidente que Josué tornou-se famoso por sua eficiência em receber e dar ordens, razão por que foi escolhido por Moisés para ser seu assistente durante o êxodo do povo, saindo do Egito e indo para Canaã (Êxodo 33:11). A primeira imagem que temos de Josué nas Escrituras mostra-o em atitude de obediência a Moisés, quando este lhe pediu que selecionasse um exército e enfrentasse os amalequitas. "Fez Josué como Moisés lhe dissera" (Êxodo 17:9-10). Vemos aí o "servo" dentro de Josué. Mais tarde, acompanhou Moisés ao monte Sinai a fim de receber a aliança da parte de Deus, e foi incumbido também da responsabilidade da "tenda da congregação", onde o Senhor falava a Moisés de tempos em tempos (Êxodo 33:11). Josué foi fiel durante a rebelião onde aparece o bezerro de ouro, da qual até o irmão de Moisés, Arão, participou. Josué e Calebe foram honrados por Deus pela sua fidelidade: foram os únicos, dentre os doze espias, a entrar na Terra Prometida. "Josué, o filho de Num E Calebe, o filho de Jefuné, Foram os dois únicos que entraram Na terra que mana leite e mel". Dando provas de ser excelente servo sob as ordens de Moisés, Deus confiou-lhe obra maior ainda, após a morte de Moisés. Aconteceu como na parábola do Senhor Jesus, sobre os talentos: "Bem está servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei" (Mateus 25:21).

Há dois incidentes registrados no livro de Josué que salientam de modo especial a dedicação deste servo. O primeiro ocorreu após a travessia do Jordão, logo antes da conquista de Canaã (5:13-15). Deus deu a Josué uma visão a fim de confirmar o propósito divino de destruir totalmente tudo, homens e mulheres, "ao fio da espada" (Deuteronômio 20:16-17, Josué 6:21). Vendo um homem de espada na mão, perguntou-lhe Josué: "És tu dos nossos, ou dos nossos inimigos?" (v. 13). O homem com a espada na mão identificou-se como "príncipe do exército do Senhor" ou comandante supremo do exército do Senhor. Quando Josué percebeu quem era que lhe falava na visão, "se prostrou sobre o seu rosto em terra, e o adorou e perguntou-lhe: Que diz meu Senhor ao seu servo?" (v. 14). Daqui em diante não seria o grande comandante Josué quem lideraria o povo à vitória, mas o servo Josué que executava a vontade de Deus — a vontade do Comandante Divino. Não seria o brilho de Josué como estrategista militar, mas sua obediência a Deus que iniciaria as batalhas santas pela Terra Prometida. O segundo incidente onde vemos de modo especial o espírito de serviço de Josué está registrado em Josué 24:14-24. Após entregar responsabilidades aos líderes que o sucederiam à sua morte (capítulo 23), Josué entregou responsabilidades ao povo numa grande reunião em Siquém (capítulo 24). Depois de fazêlos relembrar seu passado idolatra, exortou-os a temer ao Senhor e só a ele servir, e a fazer um compromisso definido no sentido de servi-lo realmente: "Escolhei hoje a quem silvais" (v. 15). Submeter-se a Deus e a ele servir significava rejeitar os falsos deuses pagãos que moravam além do rio Eufrates, e dos cananitas. Em seguida, Josué acrescentou uma declaração pessoal: "Porém eu e a minha casa serviremos ao Senhor" (v. 15). Que tremendo desafio esse com que Josué concluiu 110 anos de serviço ao Senhor. "Serviu Israel ao Senhor todos os dias de Josué e todos os dias dos anciãos que ainda viveram muito depois de Josué" (24:31). O exemplo de Josué nos inspira a servir a Deus de modo completo. Ele aprendera a servir em nível humano, sendo servidor de Moisés e, em seguida, recebeu maiores responsabilidades

O círculo íntimo de Deus 115 sob o Comandante divino, salientando-se como um dos verdadeiros grandes servos da história bíblica. O servo leal — "Meu servo Calebe... perseverou em seguir-me" O testemunho de Deus a respeito de Calebe é dos mais notáveis em todas as Escrituras: ele seguiu ao Senhor e "perseverou" em segui-lo. Deus, Moisés, Josué, e o próprio Calebe testificam a esse respeito. Cinco vezes as Escrituras confirmam que esta era a marca identificadora de Calebe (Números 14:24; Deuteronómio 1:36; Josué 14:8,9,14). Quem, dentre nós, não gostaria que Deus dissesse tal coisa a seu respeito? Observe, entretanto, que o homem que seguiu ao Senhor com perseverança foi chamado de "servo". Isso não deveria surpreender-nos, pois, que é que caracteriza um servo do Senhor mais do que o "seguir" com perseverança? A obediência é a essência do verdadeiro espírito de serviço. Todos os discípulos de Jesus ouviram, um a um, este convite: "Segue-me". E obedeceram. Calebe pertencia a uma das principais famílias da tribo de Judá. (O irmão dele, Ram, pertence à linhagem direta do Senhor Jesus Cristo, aparecendo sob outros nomes: Rão, Arã e outros). Foi escolhido para representar a tribo de Judá, quando doze espias foram enviados para investigar a terra (Números 13:6). Feito o relatório da maioria, a saber, dez espias, tão negativo quanto às probabilidades de Israel derrotar os cananitas, Calebe levantou-se como porta-voz da minoria (ele e Josué), dizendo: "Subamos animosamente, e possuamo-la em herança. . . se o Senhor se agradar de nós, então nos fará entrar nessa terra, e no-la dará" (Números 13:30; 14:8). Calebe acreditava que seguir ao Senhor significava acatar-lhe a palavra, ainda que as probabilidades humanas fossem adversas. Tentou persuadir os israelitas. Estes, no entanto, não quiseram ouvi-lo, mas, na verdade, tê-lo-iam apedrejado se a glória do Senhor não aparecesse. Em seguida, Moisés orou pedindo perdão. A resposta de Deus foi que aqueles que lhe haviam contemplado a glória, no Egito e, desde então se haviam rebelado dez vezes, de modo nenhum entrariam na terra que lhes havia sido prometida. Entretanto, a respeito de Calebe assim se expressou o Senhor:

"Porém o meu servo Calebe, porque nele houve outro espírito, e perseverou em seguir-me, eu o levarei à terra em que entrou, e a sua semente a possuirá em herança" (Números 14:24). E foi isto mesmo que aconteceu. Quando, enfim, o povo chegou à Terra Prometida, Calebe requisitou sua herança — o mesmo lugar que havia inspecionado há quarenta anos — a área ao redor de Hebrom, onde moravam os gigantes. Tendo Deus no comando, Calebe, agora homem idoso mas ainda disposto a seguir, tomou aquelas cidades e instalou-se ali. O servo que seguia ao Senhor com total obediência foi ricamente abençoado. O mesmo ocorre hoje. O servo fiel — "Moisés, na verdade, foi fiel... como servo" O servo de Deus mencionado com mais freqüência, no Antigo Testamento, é Moisés. É bem provável qvie seja o maior de todos os líderes do Antigo Testamento. Comandar dois milhões de pessoas que peregrinaram durante 40 anos num deserto inóspito não é tarefa fácil. Entretanto, esse foi o trabalho de Moisés, que exigia excepcional força de caráter como a maior responsabilidade jamais colocada sobre um homem. Quando entendemos isso, é quase chocante ler a descrição de Moisés como sendo: "Homem muito manso (humilde, em algumas versões), mais do que todos os homens que havia na terra" (Números 12:3). Neste aspecto Moisés foi como o Senhor Jesus, que disse: "Sou manso e humilde de coração" (Mateus 11:29)No mesmo capítulo em que Moisés é descrito como o homem mais manso que já viveu na terra, Deus diz que Moisés é "meu servo" (w. 7- 8). Estas duas facetas do caráter de Moisés são vistas num incidente registrado nesse mesmo capítulo. Miriã, irmã de Moisés, ligou-se a Arão no ataque discriminatório desferido contra Moisés, por este ter desposado uma mulher cusita (de pele negra). Afirmavam que também podiam exercer um ministério profético. É óbvio que o orgulho fermentava no coração deles. E é exatamente nesse momento que Deus nos diz que Moisés era o homem mais manso da terra (v. 3). Em seguida, Deus fez algo notável: chamou Miriã e Arão para fora da tenda da congregação, fora do acampamento, a fim de passar-lhes uma descompostura. Disse-lhes o Senhor que se

fossem profetas de verdade, o Senhor lhes falaria mediante sonhos e visões, mas Moisés ocupava uma categoria superior: "Não é assim com o meu servo Moisés, que é fiel em toda a minha casa. . . boca a boca falo com ele" (Números 12:7,8). Deus declarou que Moisés lhe era servo fiel com quem podia falar face a face. Visto que Miriã havia sido infiel, faltando-lhe a correta atitude de serva, Deus estava irado contra ela, e fê-la leprosa. Entretanto, Moisés intercedeu por ela e Deus a curou. Mais tarde, porém, ela morreu em Cades, sem jamais ter entrado na Terra Prometida. Nada nos tenta mais a ficarmos cáusticos do que o criticismo injusto que parte da própria família. Moisés conseguiu passar por esse teste com notas altas. O autor de Hebreus chama a Jesus de "Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão" e em seguida compara a fidelidade de Cristo com a de Moisés, que foi fiel "em toda a casa de Deus" (v. 2). Extraordinário que o Senhor seja comparado a vim homem, mas é significativo que esse homem seja Moisés. Assim prossegue a passagem de Hebreus: "Moisés, na verdade, foi fiel em toda a casa de Deus, como servo" (v. 5). Aos olhos de Deus, se quisermos ser grandes, devemos servir. O servo obediente — "Meu servo Isaías andou. . . nu" Isaías, príncipe dos profetas, foi outro entre um grupo de elite que o Senhor chamou de "meu servo". Produziu grande impacto sobre o pequeno reino de Judá, durante a época de declínio moral, advertindo os líderes da nação que comprometiam sua fé em Deus, aspirando poder político e entregando-se à indulgência sensual. Era certo que julgamentos adviriam à pequenina terra de Judá, mas Isaías lhes dirigiu a atenção não para tais julgamentos, porém, para um reino vindouro onde prevaleceriam a justiça e a paz. Ao ser chamado para servir, Isaías viu o Deus santíssimo em seu trono (Isaías 6). Prostrado diante desse trono, estarrecido pela sua própria indignidade, Isaías ouviu o chamado de Deus: "A quem enviarei, e quem há de ir por nós?" (v. 8). O profeta respondeu da maneira como responderia qualquer servo verdadeiro:

"Eis-me aqui. Envia-me a mim!" Era servo disposto, pronto a ouvir, pronto a falar, pronto a ir aonde o Senhor ordenasse. É bem apropriado que tenha sido a Isaías que Deus revelou as maravilhosas profecias concernentes ao Servo Messias (42-53). As circunstâncias do capítulo 20, em que Deus o chama de "meu servo", são peculiares e instrutivas. O rei assírio Sargão II marchava em guerra pela Palestina ao tempo em que Judá era uma entre várias nações pequeninas. A forte cidade dos filisteus, Asdode, havia já caído diante dos exércitos assírios, em 721 a.C. As cidades circunvizinhas, trêmulas de medo, eram tentadas a fazer aliança com o Egito a fim de resistir aos assírios. Os líderes de Judá preferiam também essa alternativa, embora estivessem bem advertidos pelo profeta para que confiassem em Deus e não no Egito. À esta altura Deus ordenou a Isaías que executasse um ato simbólico incomum. O profeta já se havia vestido de estopa, lamentando pela nação de Judá, sob julgamento. Agora recebe ordem de despir-se da estopa, ficar descalço e perambular assim pelas ruas de Jerusalém durante três anos (20:2). Isaías deveria demonstrar como seriam os egípcios capturados pela Assíria. O Egito seria derrotado pela Assíria, e seus cativos desnudados marchariam em exílio para a Assíria. Por que então Judá haveria de confiar no Egito, que seria derrotado? Isaías pode ensinar-nos, aqui, alguma coisa a respeito do espírito de serviço. Sendo profeta de respeito, foi-lhe ordenado que fizesse algo ridículo — que aparecesse em público vestido apenas das roupas íntimas. Não apenas uma vez, mas de modo regular, durante três anos, em meio às mulheres murmuradoras, às crianças que riam dele, e dos políticos que zombavam. Isaías não incomodou-se com o criticismo, ou com as risadas. Deus falara, seu servo Isaías suportaria as agruras do escárnio. Para o profeta, um "bem está, servo bom" da parte do Senhor era melhor do que o aplauso dos ímpios. Os verdadeiros servos de Deus com freqüência passam pelo teste do ridículo. Assim aconteceu a Jesus. "Suportando vergonha e rude zombaria, Ele foi condenado em meu lugar.

Meu perdão ele selou com seu sangue, Aleluia! Que maravilhoso Salvador!" O servo cheio de poder — "Meu servo Zorobabel" Zorobabel, governador de Jerusalém, dentre os exilados que retornaram da Babilônia, também foi chamado de "meu servo" pelo Senhor (Ageu 2:23). Nascera no cativeiro, sendo da linhagem real davídica (Mateus 1:12). Sua principal tarefa seria a de reconstruir o templo, que havia sido destruído por Nabucodonosor setenta anos antes. Dois profetas o encorajaram nesse trabalho: Ageu e Zacarias. Ageu encerra sua profecia com a promessa de que num dia, no futuro, Zorobabel haveria de reinar, sendo seu anel de selar símbolo de governo e autoridade (Ageu 2:23). O significado da profecia era que Zorobabel, o servo, representava o Servo vindouro, maior, aquele que remaria no trono de Davi. Quando Zorobabel ouviu o profeta Ageu fazer contraste entre as casas das pessoas com o templo em ruínas (1:7-8), "ouviu Zorobabel. . . a voz do Senhor seu Deus" e começou a reconstruir o templo (1:12). Deus o encorajou a não ligar para a pequenez do segundo templo, comparado com o primeiro, mas, em vez disso, que se lembrasse de que o que estava fazendo constituía parte do plano de Deus, de modo que um dia a "glória desta casa" excederia tudo que se passara (2:4-9). A promessa de Deus foi poderoso estímulo para Zorobabel, e deveria sê-lo para nós também, ajudando-nos a evitar comparações desencorajadoras, e levando-nos a confiar no Senhor. Zorobabel, o servo de Deus, também foi encorajado pelo profeta Zacarias durante o projeto de reconstrução: "Não por força, nem por poder, mas pelo meu Espírito" (4:6). Zorobabel precisava ser lembrado de que a energia e os recursos humanos não eram os principais fatores na execução da obra de Deus. Não é isso pura verdade para nós, nos dias de hoje? Não somos muitas vezes culpados de confiar mais nas armas da carne do que no poder dos servos de Deus? "Mas, pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos".

Servo amoroso — "Tendo Davi no seu tempo servido conforme a vontade de Deus" Nosso último personagem bíblico que é chamado de "meu servo" por Deus é Davi, a quem esse título se aplica mais do que a qualquer outro. Parece que Deus tinha prazer especial em chamar a Davi de "meu servo". Quando simples pastorzinho de ovelhas, Davi não recebeu atenção nenhuma, até que o profeta Samuel o ungiu como futuro rei. Sua trajetória a partir de então até sua coroação foi longa e difícil. Entretanto, durante todo esse tempo Davi caminhou ao lado de Deus com humildade, como servo. Suas falhas nos são bem conhecidas. Entretanto, a fidelidade de Davi como servo merece nossa melhor atenção também. A primeira vez em que Deus chama Davi de "meu servo" é quando o Senhor fala a Natã, o profeta, a respeito do lugar reservado para Davi, na história, e a respeito de seu reino que duraria eternamente (2 Samuel 7). Este capítulo também contém uma oração maravilhosa de Davi, o servo, que inclui estas palavras dignas de ênfase: "Quem sou eu, Senhor Deus, e qual é a minha casa, para me trazeres até aqui?. . . também falaste da casa de teu servo para tempos distantes. . . fizeste toda esta grandeza, dando-a a conhecer a teu servo. . . grandioso és, ó Senhor Deus, porque não há semelhante a ti. . . foste resgatar para ser teu povó, e fazer a ti mesmo um nome. . . Agora, pois, ó Senhor Deus, quanto a esta palavra que falaste acerca de teu servo e acerca da sua casa, confirma-a para sempre. . . Sê agora servido de abençoar a casa do teu servo. . . ecom a tua bênção será para sempre bendita a casa do teu servo" (w. 18-29). Foram as condições do coração de Davi que o tornaram um bom servo. Quando o rei Saul fracassou, Deus disse a Samuel que estava procurando para si um homem segundo seu coração (1 Samuel 13:14). E esse homem era Davi. Dele assim disse o Senhor: "Achei a Davi, meu servo. . . a minha mão será firme com ele, o meu braço o fortalecerá. . . o meu amor fiel estará com ele" (Salmo 89:20-24).

Mil anos depois disso, Paulo cita esta passagem, ao apresentar o evangelho ao povo de Antioquia, e menciona de modo especial o coração de servo de Davi: "Achei a Davi, filho de Jessé, homem segundo o meu coração, que executará toda a minha vontade. Da descendência deste. . . levantou Deus a Jesus para Salvador de Israel" (Atos 13:22-23). A chave da grandeza de Davi está na/prontidão de seu coração para executar a vontade de Deus. Paulo registrou um comentário adicional ao espírito de serviço de Davi, em Atos 13: "Pois tendo Davi no seu tempo servido conforme a vontade de Deus, dormiu" (v. 36). Um servo bíblico nada mais deseja senão servir aos propósitos de Deus em seu tempo. Quer isso signifique obscuridade ou notoriedade, ministério no estrangeiro ou no próprio país, casar-se ou permanecer solteiro, nenhuma coisa é mais importante do que servir ao nosso Deus. Deus nos ajude a proceder assim, como Davi procedeu! O famoso poeta John Milton, totalmente cego à idade de quarenta e quatro anos, teve percepção especial destes assuntos: "Quando penso que minha luz se extinguiu Em meio aos meus dias, neste mundo imenso, escuro, E que o talento de desprezar a morte me foi entregue, Mas, inútil, embora minha alma por ele se incline mais A servir a meu Criador, e prestar-lhe contas justas, Com grande afeto rogç, que ao retornar Não me censure, ao Deus que exige trabalho diurno, Embora me haja negado luz. Porém, a paciência Impede a murmuração e logo me replica Que Deus não precisa de humanas obras, Tampouco de humanos talentos. Serve-o melhor quem seu jugo leve suporta. Suas condições são as de vim Rei: Milhares açodem, convocados, e percorrem Terras e mares, sem descanso. Servem-no também os que em prontidão, Alertas, apenas aguardam." On His Blindness ("Sobre Sua Cegueira").

11 Histórias para os seguidores de Cristo

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entre os ensinos mais belos de toda a Bíblia, a respeito do espírito de serviço, estão as lições de Jesus aos discípulos, dadas em forma de parábolas. A menos que estes aprendessem a servir, jamais seriam eficientes. Em pelo menos oito de suas parábolas, Jesus ilustrou os princípios básicos do verdadeiro serviço. Nós, que almejamos ser úteis na obra de Deus, precisamos prestar máxima atenção a tais ensinos. Servos responsáveis prestam contas A parábola de Jesus a respeito dos servos fiéis (Lucas 12:35-48) fala de mordomos ou serviçais domésticos de um homem rico que tinha ido a uma festa de casamento. Desconhecendo o dia em que o senhor voltaria, os servos deveriam estar alertas, aguardando sua chegada a qualquer momento, prontos para prestar contas de suas ações durante a ausência do patrão. Assim foi que o Senhor iniciou a parábola instruindo seus discípulos: "Estejam cingidos os vossos lombos e acesas as vossas candeias. Sede vós semelhantes aos homens que esperam o seu senhor" (w. 35-36). Deveriam estar preparados para o regresso do Mestre a qualquer momento. Essa parábola continha lição clara para os discípulos que logo seriam deixados no mundo sem o Senhor, que ascenderia aos

Histórias para os seguidores de Cristo 123 céus. Recebendo a promessa do regresso de Cristo, os discípulos também deveriam conduzir-se como servos, prontos para servir, em constante alerta, com "vossas candeias" acesas. O servo que havia sido fiel, mostrando sensatez na execução da vontade de seu senhor, seria galardoado com maiores responsabilidades e privilégios (w. 43-44). Porém, o servo que agiu irresponsavelmente na ausênéia de seu senhor seria julgado, pois embora conhecesse a vontade de seu senhor abusou de seus privilégios, pondo-se a espancar os demais empregados e a desprezar o iminente regresso de seu senhor. Seria punido com "muitos açoites" (w. 45-47). Jesus está ensinando, aqui, que somos responsáveis por saber a vontade de Deus e devemos estar prontos para prestar contas, quando o Senhor voltar. Encerra o Senhor sua parábola com esta declaração: "A qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá, e ao que muito se lhe confiou muito mais se lhe pedirá" (v. 48). Servos responsáveis consideram a eternidade A parábola de Jesus sobre o Mordomo Injusto, às vezes cha mada também de parábola do Gerente de Visão (Lucas 16:1-13), é a história de um servo cujo trabalho era gerenciar os assuntos da propriedade de seu senhor. Acusado de malbaratar as posses de seu patrão, e de apropriação indébita a fim de atender a seus próprios interesses, foi despedido, recebendo ordens de prepa rar um relatório onde prestaria contas. Tudo isso conduz ac ponto mais alto da parábola, que é o servo usando a oportuni dade de preparar-se para o futuro. Contemplando o futuro, ele fez, em secreto, uma série de negociatas com os credores de seu senhor, de tal modo que eles seriam seus amigos quando estivesse desempregado. Com toda probabilidade, seu senhor cobraria juros exorbitantes, ilegais, de modo que o servo infiel cancelou os juros de cada um dos devedores, permitindo-lhes pagarem apenas a dívida primária O patrão se viu, assim, numa posição delicada, porque se des pedisse aquele servo, exporia sua própria desonestidade. C patrão foi ludibriado, assim, por um velhaco espertalhão que tinha visão comercial suficiente para usar as oportunidades à mão, tendo um olho no futuro.

Como afirmou Jesus, "os filhos da luz" podem aprender uma lição com "os filhos deste mundo", que usam o presente a fim de preparar o futuro. E Jesus fez a aplicação: "Granjeai amigos com as riquezas da injustiça" (v. 9). Ou, como diz uma versão inglesa: "Usem as riquezas mundanas a fim de conseguir amigos para vocês mesmos". Deviam usar coisas transitórias objetivando benefícios eternos. Mamom (as riquezas mundanas) jamais deve tornar-se senhor. "Não podeis servir a Deus e às riquezas" (v. 13). Entretanto, Mamom pode ser usado para promover a causa do reino de Deus. Por exemplo, pode-se usar dinheiro a fim de sustentar evangelistas, ou adquirir exemplares das Escrituras, para distribuição. E assim teremos "amigos" nos céus, como resultado do uso sábio das possessões transitórias da terra. Jesus encerra sua parábola com esta máxima: "Ninguém pode servir a dois senhores. Ou há de aborrecer a um e amar ao outro, ou se há de chegar a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas" (v. 13). Jesus já havia dito antes, no contexto de a pessoa estar ansiosa a respeito de comida e vestuário (Mateus 6:24-25), e agora ele diz de novo, mas num contexto de valores eternos. Os servos não deverão servir às riquezas, mas usá-las para a glória de Deus. É como diz antigo hino: "Quero fazer o trabalho de cada dia para Jesus, tendo os valores da eternidade à vista". Servos responsáveis são diligentes A parábola das dez minas enfatiza o terceiro princípio mais importante do verdadeiro espírito de serviço (Lucas 19:11-27), o princípio da diligência. O Senhor se aproximava de Jerusalém, quando narrou esta parábola, na companhia de seus discípulos, que imaginaram ter chegado o tempo em que o reino literal seria estabelecido. Sabendo disso, Jesus lhes contou a história de um nobre que partiu para outro país, onde seria ungido rei, e de onde voltaria a seguir. Durante sua ausência, dez de seus servos receberam cada um uma mina, com estas instruções: "Negociai até que eu volte" (v. 13). Uma mina valia o equivalente a cerca de 100 dias de trabalho de um operário. Os servos deveriam trabalhar com as minas que lhes foram confiadas, tendo em vista os interesses de seu senhor.

Histórias para os seguidores de Cristo 125 Após algum tempo, o nobre regressou, tendo sido empossado como rei num país distante, mas rejeitado como rei em sua própria terra. Ele chamou, então, seus servos e exigiu deles que prestassem contas. Na parábola, três dos servos relataram suas atividades. Um deles ganhara outra^ dez minas, trabalhando com aquela única que recebera. Outro ganhara cinco minas. O terceiro, todavia, limitou-se a guardar a mina em lugar seguro. Os dois primeiros servos receberam elogios do senhor por sua fidelidade, e assumiram posições de honra e autoridade no remo. O terceiro servo, por não ter demonstrado disposição de assumir riscos no trabalho com a mina, foi a julgamento. Ele havia recebido ordens específicas de negociar com a mina, e agora só lhe restava apresentar a desculpa do medo que sentia por causa da severidade do patrão. A mina que lhe havia sido entregue foi confiada ao que ganhara dez. Todos nós, que somos servos, precisamos ser diligentes na obra do Senhor. Ele próprio demonstrou isso quando não passava de um garoto de 12 anos: "Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?" (Lucas 2:49). Ele usou todas as oportunidades disponíveis para glorificar o Pai. Nós também somos chamados a fim de "comprar oportunidades" (Efésios 5:16, tradução literal, em vez de remir o tempo). Deveríamos lembrar-nos das instruções de Paulo a outro servo, Timóteo: "Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade" (2 Timóteo 2:15). Servos responsáveis não têm limitações "Qual de vós terá um servo a trabalhar na lavoura ou a apascentar o gado, a quem, voltando ele do campo, diga: Chega-te e assenta-te à mesa? E não lhe diga antes: Prepara-me a ceia, e cinge-te, e serve-me, até que tenha comido e bebido, e depois comerás e beberás tu? Dá graças ao tal servo, porque fez o que lhe foi mandado? Creio que não. Assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos

for mandado, dizei: Somos servos inúteis; fizemos somente o que devíamos fazer" (Lucas 17:7-10). Esta curta parábola enfatiza as obrigações do servo em relação a seu senhor. Até que ponto é ele responsável? A parábola mostra que não há limitações às obrigações do servo. Os discípulos, percebendo que precisavam de fé a fim de executar as instruções a eles entregues pelo Senhor, pediram-lhe: "Aumentanos a fé". Ao responder, o Senhor lhes disse que a fé, ainda que tão pequenina como uma semente de mostarda, seria suficiente para remover montanhas (v. 6). Ele estava dizendo-lhes que não precisavam de muita fé, mas precisavam exercer a fé de que já dispunham. A parábola apenas amplifica esse pensamento. Chegando a casa após um dia de trabalho, cansados e famintos, os servos poderiam esperar dispor de algum tempo para si mesmos. Em vez disso, o senhor lhes ordena que preparem sua ceia, e que aguardem, enquanto ele usufrui a noite. As necessidades e desejos do senhor assumem total, absoluta precedência sobre as necessidades e desejos de seus servos. Assim pergunta Jesus: "Dá (o senhor) graças ao tal servo, porque fez o que lhe foi mandado? Creio que não". A resposta é não mesmo — os servos apenas fizeram o que era de sua obrigação. Em seguida o Senhor faz a aplicação da parábola: "Assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos for mandado, dizei: Somos servos inúteis: fizemos somente o que devíamos fazer" (v. 10). Devemos apresentar nossos corpos "como sacrifício vivo", descrito como "culto racional" (Romanos 12:1-2). Não há limitações às nossas responsabilidades para com o Senhor Jesus Cristo. Ao dar-lhe o que de melhor temos, estamos apenas cumprindo nossa obrigação. Servos responsáveis perdoam A parábola de Jesus sobre o credor incompassivo aponta com ênfase o princípio do perdão (Mateus 18:21-35). A parábola surgiu em resposta a uma pergunta formulada por Pedro, sobre quantas vezes ele deveria perdoar a alguém que pecara contra ele. Pedro não esperou pela resposta do Senhor, mas rapidamente sugeriu que uma pessoa muito espiritual poderia perdoar "até

Histórias para os seguidores de Cristo 127 sete vezes". Não há a menor dúvida de que ele considerava esse procedimento uma oferta generosíssima. O Senhor de imediato fez murchar o balão de Pedro ao dizer-lhe que o perdão deveria ser estendido para setenta vezes sete vezes. Em seguida, contou uma parábola, a fim de explicar seu ensino. A parábola era a respeito de um rei que desejava acertar suas contas. Descobriu-se que um de seus servos lhe devia dez mil talentos, uma dívida astronômica, impossível de ser paga. O rei, em obediência às leis da terra, sentenciou o devedor e sua família a que fossem vendidos como escravos. O pobre homem prostrou-se perante o rei que, cheio de compaixão, lhe perdoou toda a dívida. O rei nesta parábola representa Deus. O devedor incapacitado de pagar sua dívida é o pecador. Ao confessarmos nossa dívida espiritual, o Rei demonstrou sua misericórdia amorosa ao estender-nos perdão total. Louvado seja Deus! Prossegue a parábola, segundo a qual o servo perdoado saiu à procura de um companheiro que lhe devia algo, uma quantia insignificante, se comparada com a que lhe havia sido perdoada. O companheiro rogou-lhe que lhe desse algum tempo para pagar, mas foi atirado numa prisão. O servo que havia sido perdoado não demonstrou piedade alguma. Quando tal fato foi relatado ao Rei, este irou-se revogando seu perdão, atirando o primeiro servo na prisão, para ser punido. A aplicação é clara, embora chocante. O servo que entende quão grande misericórdia lhe foi concedida na cruz deve, a seguir, conceder perdão e misericórdia ao próximo. Deixar de perdoar lhe traz julgamento — não a perda da vida eterna, mas um castigo por parte do Deus santíssimo. Sendo servos de Deus, com freqüência nos veremos como vítimas de ações e palavras diabólicas. Deveremos perdoar tudo isso, sob pena de não exercermos um ministério frutífero a Deus. Perdoar a alguém setenta vezes sete (isto é, perdoar sempre e sempre, continuamente) a mesma falta, nos parece exagero, até vermos as coisas sob a luz do Calvário. Visto que somos pecadores perdoados, podemos perdoar aos outros. O verdadeiro perdão faz parte da responsabilidade dos verdadeiros servos.

Servos responsáveis não esperam recompensas A parábola dos trabalhadores na vinha tem muita coisa ; ensinar aos servos de Cristo (Mateus 20:1-11). Pedro havi; acabado de perguntar: "Nós deixamos tudo, e te seguimos! O que, então, haverá par nós?" É óbvio que presumiam que os sacrifícios que haviam feit< lhes dava o direito a uma recompensa bem maior do que a d< outros que não pagaram o mesmo preço. O Senhor repreendei Pedro afetuosamente, lembrando-lhe que as bênçãos vindoura ultrapassariam quaisquer sacrifícios que ele fizesse: "E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou terras. . . receberá cen vezes mais" (Mateus 19:29). Em seguida, ele declara, tanto antes quanto depois da parábola "Porém, muitos dos primeiros serão últimos, e muitos do últimos, primeiros" (Mateus 19:30; 20:16). O princípio da parábola é que Deus concede recompensas d< acordo com sua graça soberana, e não de acordo com as idéia: dos homens. Na história, o fazendeiro concordou em pagar a seus trabalha dores um denário por dia, o salário usual. Mais tarde, na hor; terceira, na sexta e na nona, ele encontrou alguns homen: desempregados a quem atribuiu trabalho em sua vinha. Algun foram contratados na undécima hora, os quais trabalharam ape nas uma hora. Findo o dia, o fazendeiro pagou primeirament< os últimos trabalhadores contratados. Estes receberam um de nário, à semelhança dos trabalhadores que iniciaram na non: hora, e na sexta, e na terceira. Os que haviam trabalhado o di: todo murmuravam, dizendo que mereciam mais; suportaram c calor do dia, e os demais, não. A resposta do fazendeiro aos murmuradores é o ponto princi pai de toda a parábola: "Toma o que é teu, e retira-te. Eu quero dar a este último tantc quanto a ti. Não tenho o direito de fazer o que qviiser com o qu< é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom?" (Mateu: 20:14-15). Trata-se de decisão soberana de Deus. A perfeita justiça ba

Histórias para os seguidores de Cristo 129 scia-se na justiça de Deus, porque só ele conhece todos os fatos. Os servos devem evitar comparar-se com outros, e evitar a predeterminação das recompensas que Deus atribuirá. Muitos que são primeiros; segundo o julgamento dos homens, serão últimos no julgamento de Deus. E os últimos segundo o julgamento humano serão primeiros, segundo Deus. Os servos responsáveis não ficam comparando suas recompensas. Servos responsáveis lideram com sabedoria Como parte do sermão do jardim das Oliveiras, o Senhor contou a parábola dos dois servos (Mateus 24:45-51). Nessa grandiosa mensagem profética o Senhor Jesus estava respondendo à pergunta dos discípulos, acerca dos sinais de seu regresso, e do fim dos tempos (v. 3). Ele lhes explicou o sinal da "abominação da desolação", durante a "grande tribulação" e que, a seguir, viria o Filho do homem com poder e grande glória (w. 15-31)- Em seguida, contou a parábola da figueira, e extraiu uma lição dos dias de Noé. Com isso, eles aprenderam que a época geral seria claramente distinguível, mas o dia exato, e a hora, não (w. 32-41). A arca terminada foi um sinal geral. O dia exato do dilúvio permaneceu desconhecido. Os discípulos receberam ordens de permanecer alertas, portanto, visto que não sabiam o momento da volta de Cristo. Entretanto, deveriam estar também ativos e responsáveis, fazendo a vontade do Senhor. Sendo servos, não deveriam jamais negligenciar seus deveres, em especial no que se relacionasse às pessoas que estivessem sob sua autoridade. Na parábola, receberam a responsabilidade de alimentar e guiar apropriadamente os membros da família (v. 45). A responsabilidade dos discípulos era a da liderança, enquanto o Senhor estivesse ausente. No entanto, de modo nenhum poderiam abusar da autoridade que tinham sobre terceiros. Deveriam proceder sem egoísmo, mas com muito cuidado, de modo diferente do servo ímpio que disse: "O meu senhor tarde virá" e, assim, pôs-se a maltratar as pessoas (w. 48 e 49). Um servo fiel e sábio, contudo, levou em conta as necessidades e fraquezas daqueles que estavam sob sua responsabilidade, não se esqueceu de modo algum do retorno de seu senhor, e

130 Ele Humilhou-se a Si mesmo almejou obter sua aprovação. A aplicação primordial desta parábola é para os servos na época da "grande tribulação", que estarão esperando a vinda do Senhor em poder e grande glória. Todavia, o princípio do espírito de serviço, aqui, aplica-se de modo igual a todos nós. Disse Jesus a Pedro: "Apascenta os meus cordeiros. . . apascenta as minhas ovelhas" (João 21:15-17). Não era da conta de Pedro o que iria acontecer a João, ou a qualquer outra pessoa. Ele tinha sua própria responsabilidade, até que o Senhor voltasse. Nessa parábola, há outro aprendizado, fora a cuidadosa liderança: o severo julgamento do Senhor quando ele regressar (w. 50-51). Como é importante, portanto, que nós nos desincumbamos de nossas responsabilidades com sabedoria e fidelidade! A liderança será parte de nosso serviço para Cristo, quer como mães que cuidam de seus filhos, quer como empregadores, ou líderes da igreja local, ou. . . A boa compreensão e o altruísmo marcarão nossa liderança. Servos responsáveis usam seus talentos A parábola dos talentos, encontrada no sermão do jardim das Oliveiras (Mateus 25:14-30), faz parte da explicação do Senhor sobre sua vinda, e da responsabilidade dos que o aguardam. Na parábola precedente, a das dez virgens (w. 1-13), o assunto é a expectativa e os preparativos. Nesta outra parábola a ênfase está no serviço, em vez de na vigilância. O Senhor é retratado nesta parábola como uma pessoa que parte em viagem, confiando a três de seus servos responsabilidades diversificadas, de acordo com suas diferentes capacidades. A um foram dados cinco talentos, a outro, dois e, a um terceiro, apenas um talento. Esperava-se de cada servo que, na ausência de seu senhor, aumentasse a importância que lhe havia sido confiada. A diferença entre esta parábola e a das minas (Lucas 19) está naquilo que os servos receberam inicialmente. As minas se referiam às coisas básicas da vida, como o tempo, as oportunidades, a vida em si. Todos recebem o mesmo. Na parábola dos talentos há diversificação nos talentos, pois estes referem-se a coisas como personalidade, força física, recursos circunstan-

Histórias para os seguidores de Cristo 13' ciais. Podem constituir dons do Senhor, mas são diferentes par; cada um de nós. E somos responsáveis pelo uso destes dons para a glória de Deus. Referimo-nos a uma pessoa dizendo que é talentosa quandc tal pessoa foi dotada de habilidades excepcionais, em algun campo. Este termo veio exatamente dessa parábola. Deus atribui a todos os seus servos alguns talentos, espcrandc que os usemos para ele mesmo. Não se esperava do servo d< cinco talentos que produzisse os mesmos resultados daquel< que recebeu apenas dois. O serviço destes dois servos era usa o que lhes havia sido entregue. Ambos os servos usaram seu: talentos e foram elogiados com as mesmas bem-aventuranças: "Bem está servo bom e fiel" (w. 21 e 23). A parte mais solene da parábola é aquela em que as expecta tivas do senhor não compreendiam complacência para com < servo improdutivo que escondeu seu talento. Parece que a rai: desse fracasso era a preguiça, visto que o senhor condenou < servo com estas palavras: "Mau e negligente servo" (v. 26). Muitos servos de Deus "escondem" seus talentos sob a pre guiça. Que nós, servindo a Deus, sejamos cuidadosos e muitc diligentes no uso dos talentos que ele nos confiou. O dia di prestação de contas não está longe. E somos responsáveis pe rante o Senhor.

12 Mais do que apóstolo —um servo

e há um verdadeiro gênio por trás da estratégia missionária do Novo Testamento, esse gênio é Paulo. Se há um modelo padrão para a implantação de igrejas, esse modelo é Paulo. Se há um estadista representativo da igreja primitiva, ninguém ultrapassa Paulo. Paulo é o líder "por excelência". Então, não é porventura extraordinariamente notável que Paulo, sem qualquer traço de falsa modéstia, com freqüência se refira a si mesmo como servo?

S

A posição de servo No primeiro capítulo discutimos três palavras gregas traduzidas por "servo". Paulo utiliza todas as três ao descrever sua própria posição e trabalho. A primeira palavra é doutos, uma palavra genérica para escravo, ou servo, como as Bíblias em português trazem. Indica total sujeição a um senhor. Os escravos romanos eram denominados doulos, e parece que Paulo sentia prazer especial em usar essa palavra para descrever seu ministério, em particular ao apresentar-se no início de suas cartas. A carta aos Romanos, por exemplo, inicia-se com "Paulo, servo de Jesus Cristo". A dirigida aos Filipenses começa com uma frase semelhante: "Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus". A carta a Tito também usa essa frase: "Paulo, servo de Deus". A frase "nós mesmos somos vossos servos por amor de Jesus" descreve como Paulo e Timóteo viam-se a si mesmos (2 Corín-

Mais do que apóstolo —um servo 133 tios 4:5). Ele se ligou a outros pelos laços do serviço a Cristo (Epafras e Tíquico, por exemplo [Colossenses 1:7; 4:7]). A forma verbal de doulos também é usada por Paulo, para descrever seus trabalhos. "Servindo ao Senhor com toda a humildade" foi como se expressou quando dirigiu-se aos anciãos da igreja de Éfeso (Atos 20:19). E Paulo disse aos Filipenses que Timóteo "serviu comigo no evangelho" (2:22). Outra palavra que Paulo usou para descrever-se a si próprio como "servo" foi diakonos, termo usado para qualquer pessoa que execute um serviço sob ordens. Diácono é palavra portuguesa derivada de diakonos. A ênfase desta palavra está no trabalho que está sendo feito, enquanto a de doulos está na submissão do servo a seu senhor. Observe a ênfase na execução do serviço, em 1 Coríntios 3, em que Paulo condena o espírito de partidarismo na igreja: "Pois dizendo um: Eu sou de Paulo, e outro: Eu sou de Apoio, não sois carnais? Afinal de contas, quem é Paulo, e quem e Apoio, senão ministros pelos quais crestes. . ." (w. 4-5). Os que levaram o evangelho aos coríntios eram meros servos (diakonos). Era a obra de Deus que esses servos estavam fazendo, de modo que os coríntios deveriam alinhar-se com o Senhor, e não com os instrumentos usados por Deus. Outro exemplo de diakonos encontra-se em 2 Coríntios 6:4 onde a ênfase de novo é colocada na obra: "antes, como ministros de Deus, recomendamo-nos em tudo. . . " Paulo estava contente porque podia ser um ministro (servo) que faz a obra do Senhor. A terceira palavra que Paulo usa para si mesmo, como servo, é litouraos, termo que se relaciona com serviço público e culto sacerdotal. Por exemplo: "A fim de ser ministro (servo) de Cristo Jesus entre os gentios, no sagrado encargo (serviço) de anunciar o evangelho de Deus" (Romanos 15:16). E certo que Paulo aprendera uma lição sobre a humildade sem nenhuma hipocrisia ou fingimento. O apóstolo considerava alta honra ser chamado de servo de Deus — um doulos em sujeição

a seu Senhor, um diakonos fazendo o trabalho do Senhor, e um litouraos levando o evangelho aos perdidos. O caráter de um servo Paulo não se contentava em ser chamado de servo só pelo trabalho que executava. Queria ser servo por dentro, em seu caráter. Em 2 Coríntios ele fala bastante a respeito de seu ministério (serviço), mas seu trabalho não fica sozinho. Associa-se ao caráter do trabalhador. No capítulo 4 surge um bom exemplo disso: "Pelo que, tendo este ministério, segundo a misericórdia que nos foi feita, não desfalecemos. . . não andamos com astúcia. . . Antes, recomendamo-nos à consciência de todos os homens, na presença de Deus, pela manifestação da verdade" (w. 1-3). As pessoas a quem Paulo servia não apenas ouviam sermões, mas viam um sermão vivóí O caráter de Paulo era coerente com seu trabalho. Uma paráfrase do texto diz o seguinte: "Não usamos de truques engenhosos, nenhuma manipulação desonesta da Palavra de Deus. Pregamos a pura verdade e, assim, recomendamo-nos à consciência de todos os homens, à vista de Deus". O amor, a paciência e a magnanimidade de Paulo mostravam que ele era um verdadeiro servo. No versículo 5 da mesma passagem ele afirma o seguinte: "Pois não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor, e nós mesmos somos vossos servos por amor de Jesus". Os crentes coríntios podiam aceitar a mensagem paulina como sendo genuína, por causa da qualidade de seu caráter de servo. Assim instruiu Paulo a seu discípulo Timóteo: "E ao servo do Senhor não convém contender, mas sim ser brando para com todos, apto para ensinar, paciente, corrigindo com mansidão os que resistem" (2 Timóteo 2:24,25). Descrevendo seu ministério ao povo de Tessalônica, diz Paulo: "Não buscamos glória dos homens. . . ainda que podíamos, como apóstolos de Cristo, ser-vos pesados. Antes fomos brandos entre vós, como a mãe que acaricia seus próprios filhos" (1 Tessalonicenses 2:6-7). Paulo os tratou com amor e ternura, tendo o bem deles em

Mais do que apóstolo —um servo 135 mente, servindo-lhes como uma mãe serviria a seus filhos. Os verdadeiros servos não usam máscara. Servem bem porque são servos. Paulo, motivado pelo Senhor Jesus, demonstrou o verdadeiro espírito de serviço ao povo de Corinto: "Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor, e nós mesmos somos vossos servos por amor de Jesus" (2 Coríntios 4:5). O espírito de serviço do apóstolo era genuíno porque se fundamentava na glória de seu Senhor. Ele podia trazer à memória dos crentes de Éfeso: "Vós bem sabeis. . . como em todo esse tempo me portei no meio de vós, servindo ao Senhor com toda humildade" (Atos 20:18,19). Paulo não usava máscara. Seu caráter de servo era genuíno. A submissão do servo O servo bíblico dá-se a si mesmo livre e voluntariamente a fim de servir tanto a Deus quanto ao homem. Disse Paulo: "Embora eu seja livre para com todos, fiz-me servo de todos, para ganhar ainda mais" (1 Coríntios 9:19). A partir do momento de sua conversão na estrada de Damasco, a submissão à vontade de Deus tornou-se de primordial importância. As primeiras palavras de Paulo, quando ouviu a voz que vinha do céu, foram: "Quem és, Senhor?" (Atos 9:5). Ele reconheceu que Jesus era Senhor. A partir daquele instante, Paulo tornou-se servo de Jesus Cristo. Se nós chamarmos a Jesus verdadeiramente de Senhor, devemos então submeternos a ele em tudo. A pergunta seguinte de Paulo revelou sua submissão: "Senhor, que farei?" (Atos 22:10). Obediência submissa é a atitude de todos os verdadeiros servos, o primeiro passo do discipulado, que Paulo de boa vontade empreendeu. A submissão de Paulo não era a do escravo acovardado que trabalha por temor do chicote do senhor. Há dignidade na obra do Senhor Jesus Cristo, dignidade que advém de agradarmos ao Mestre e executar seus desígnios. Paulo ainda estava prostrado

no pó da estrada de Damasco e o Senhor lhe entregou uma tarefa especial: "Agora levanta-te e põe-te em pé. Eu te apareci por isto, para te fazer ministro e testemunha das coisas que tens visto como daquelas pelas quais te aparecerei ainda" (Atos 26:16). A palavra grega traduzida aqui por "ministro" deriva da imagem associada a navios antigos tripulados por dezenas de remadores, todos eles escravos. Não tinham direito de escolha quanto ao lugar aonde iam, nem tinham conhecimento dos perigos que os aguardavam. Deveriam remar segundo o ritmo determinado pelo capitão — em total submissão ao comandante — e isso era tudo o que deles se esperava. Paulo considerava grandiosa honra ser um escravo de Cristo, a fim de adiantar o progresso do evangelismo mundial (veja 1 Coríntios 4): "Para lhes abrir os olhos, e das trevas os converter à luz, e do poder de Satanás a Deus" (Atos 26:18). Tendo em vista um propósito desse quilate, a decisão do apóstolo de tornar-se escravo de Cristo faz sentido, é perfeitamente racional. A submissão voluntária de Paulo dirigia-se ao homem, bem como a Deus, transformando-o num servo dos homens, por amor do evangelho, um devedor perante todos, que pagava seu débito ao partilhar as Boas Novas com todos. Disse ele aos coríntios: "Fiz-me servo de todos, para ganhar ainda mais" (1 Coríntios 9:19). Ele se submeteu ao Senhor como alguém que era compromissado com o evangelho, submeteu-se aos homens a fim de levarlhes o evangelho (Colossenses 1:23). E Paulo ensinou aos outros o espírito de serviço, também. Os crentes romanos receberam instruções segundo as quais, devido às misericórdias de Deus, todos deveriam apresentar seus corpos "como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus" (Romanos 12:1). Paulo chamava à esse ato de submissão: "culto racional", isto é, "ato de adoração espiritual". O apóstolo usou a mesma palavra no primeiro capítulo, onde disse:

Mais do que apóstolo —um servo 137 "Deus, a quem sirvo em meu espírito, no evangelho de seu Filho. . ." (Romanos 1:9). Os romanos deveriam fazer o que Paulo fazia. O culto que prestassem começaria com a submissão, perante o altar de um sacrifício vivo, a saber, sua entrega ao senhorio de Cristo. A tarefa do servo A submissão é prima em primeiro grau da obediência. Comentando aquela primeira vez em que viu o Senhor, Paulo testemunhou assim: "Pelo que, ó rei Agripa, não fui desobediente à visão celestial" (Atos 26:19). Tão logo compreendeu a mente de Deus, Paulo lhe obedeceu e transformou esta compreensão em ação. Às vezes Paulo recebia orientação específica da parte de Deus. A visão do homem da Macedônia, por exemplo: "Logo depois desta visão, procuramos partir para a Macedônia, concluindo que o Senhor nos chamava para lhes anunciarmos o evangelho" (Atos 16: 10). Na maior parte das vezes, a obediência de Paulo assumia um caráter geral. Ele já sabia que seu chamado era para pregar o evangelho. Por isso, obedecia, procurando todas as oportunidades para pregar. Esforçava-se para fazer tudo para a glória do Senhor Jesus Cristo e realizar os propósitos de Deus, da forma como os entendia. A mensagem do servo O serviço a Deus, segundo Paulo, estava ligado ao alcance do evangelho. Assim disse ele aos colossenses: "Evangelho que ouvistes, o qual foi pregado a toda criatura que há debaixo do céu, e do qual eu, Paulo, fui feito ministro (servo). . . (para) anunciar entre os gentios. . . as riquezas insondáveis de Cristo" (Efésios 3:7,8). E aos romanos, assim escreveu ele: "Deus, a quem sirvo em meu espírito, no evangelho de seu Filho. . . "(Romanos 1:9). Ele descrevia o evangelho que pregava como algo que "provém de Deus que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo" (2 Coríntios 5:18).

O maior serviço que Paulo poderia prestar às pessoas que não tinham Cristo era levar-lhes a mensagem da reconciliação. Ele havia sido nomeado ministro tanto para judeus como para gentios, "para lhes abrir os olhos, e das trevas os converter à luz, e do poder de Satanás a Deus, a fim de que recebam remissão dos pecados" (Atos 26:18). Nós, que somos servos de Deus, precisamos de um coração semelhante ao de Paulo, inflamado da paixão pelas almas dos homens. O trabalho do servo Paulo amava o povo de Deus e entregou-se a si mesmo a serviço deste povo. Quando diz: "eu fui feito ministro. . . para convosco" (Colossenses 1:25), não se referia à ordenação nem à posição. Dizia que havia sido transformado em servo na família de Deus a fim de ajudá-la e encorajá-la. À semelhança do Senhor Jesus, ele queria servir, e não ser servido. Vendo-se a si próprio e também a seus cooperadores como "servos por amor de Jesus" (2 Coríntios 4:5), dispôs-se a cobrir qualquer distância, carregar qualquer fardo, por amor aos crentes, tudo que redundasse na glória de Jesus. Nenhum trabalho era duro demais, nem servil demais. Dos coríntios disse que eram "carta de Cristo, ministrada por nós" (cuidada por nós [2 Coríntios 3:3]). Cuidou dos crentes tessalonicenses "como a mãe que acaricia seus próprios filhos" (1 Tessalonicenses 2:7). "Eu de muito boa vontade gastarei, e me deixarei gastar pelas vossas almas" (2 Coríntios 12:15). Isso é que é espírito de serviço! O sofrimento do servo Uma das realidades pouco confortadoras a respeito do espírito de serviço segundo a Bíblia é que este envolve sofrimento. Jesus sofreu como servo, e todos quantos querem ser como ele hão de sofrer também. Assim escreveu Paulo aos filipenses: "Pois, vos foi concedido, por amor de Cristo, não somente o crer nele, como também o padecer por ele" (1:29)O próprio Paulo não foi exceção. A partir do momento de sua conversão, o sofrimento tornou-se padrão de sua vida. Uma das primeiras coisas que o Senhor revelou ao discípulo Ananias,

Mais do que apóstolo —um servo 139 acerca de Paulo, foi que ele haveria de sofrer muitas coisas pelo Senhor (Atos 9:16), embora houvesse escapado num cesto, por cima dos muros de Damasco. Perdeu praticamente tudo quanto antes valorizava, porque agora Cristo se tornara prioridade número um. Escreveu: "Tenho também por perda, todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por quem sofri a perda de todas estas coisas, e as considero refugo" (Filipenses 3:8). Paulo foi constituído em guardião da coisa mais sagrada, o evangelho. Ao cumprir suas responsabilidades de guardar em segurança esse evangelho num mundo hostil, o sofrimento tornou-se inevitável. "Havendo primeiro padecido, e sido ultrajado em Filipos, como sabeis, tornamo-nos ousados em nosso Deus, para vos falar o evangelho de Deus, no meio de grande combate. . . fomos aprovados por Deus para que o evangelho nos fosse confiado, assim falamos, não como para agradar aos homens, mas a Deus" (1 Tessalonicenses 2:2-4). Além de sofrer pelo evangelho, Paulo sofreu também por amor à igreja. A igreja de Corinto foi exemplo: "Pois como as aflições de Cristo transbordam para conosco. . . Se somos atribulados, é para vossa consolação e salvação" (2 Coríntios 1:5,6). O espírito de serviço na igreja com freqüência redunda em provações. "Antes, como ministros de Deus, recomendamo-nos em tudo: na muita paciência, nas aflições, nas necessidades, nas angústias, nos açoites, nas prisões, nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns, na pureza, no saber, na longanimidade, na benignidade, no Espírito Santo, no amor não fingido. . . por honra e por desonra, por má fama e por boa fama. . . como desconhecidos, porém bem conhecidos. . . ó coríntios, a nossa boca está aberta para vós, o nosso coração está dilatado" (2 Coríntios 6:4-11). Tudo isso Paulo suportou como servo de Cristo. Posteriormente, nessa carta, ele lembra aos coríntios que sofrerá muito

mais do que os falsos mestres, que afirmavam ser servos de Deus, mas na verdade evitavam o sofrimento. "São ministros de Cristo? (falo como fora de mim) eu ainda mais", desafiou Paulo: "em trabalhos, muito mais. . . em açoites. . . em prisões. . ." (2 Coríntios 11:23). Para Paulo, o caminho da glória era o caminho do sofrimento. "Se é certo que com ele (Cristo) padecemos, para que também com ele sejamos glorificados. Para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada" (Romanos 8:17-18). Tudo quanto ele sofreu com Cristo, considerou compartilhamento dos sofrimentos de Cristo, "a comunhão dos seus sofrimentos" (Filipenses 3:10). Aos colossenses assim disse ele: "Agora me regozijo no sofrimento no que padeço por vós" (Colossenses 1:24). Bem à semelhança de seu Senhor, que veio para servir, e dar sua vida em resgate por muitos. Faríamos bem em seguir o exemplo que Paulo nos deixou. Jamais se envergonhou de ser um escravo. No auge da tempestade, quando os marinheiros perderam toda esperança de sobrevivência, Paulo lhes disse: "O anjo de Deus, de quem eu sou e a quem sirvo, esteve comigo: Paulo, não temas. Importa que sejas apresentado a César, e Deus te deu todos os que navegam contigo" (Atos 27:23-24). Essa é a história de sua vida. Ele pertencia a Deus, como seu escravo, e seu prazer estava em servi-lo.

13 Aos Pés de Jesus

D

eus nos dá alguns quadros esquemáticos fascinantes, no Novo Testamento, esboçando caracteres cujo espírito de serviço representam modelos para nós. Deles obtemos perspectivas valiosas quanto a servir a Deus com mais eficiência.

Estéfanas, dedicado ao serviço Um dos homens pouco conhecidos no Novo Testamento é Estéfanas, nome que se assemelha ao de Estêvão, que era líder na igreja primitiva, e veio a tornar-se o primeiro mártir. Ambos os nomes significam coroa, ou coroado. Estéfanas só é mencionado no começo e no fim de 1 Coríntios: Paulo havia batizado Estéfanas em sua casa (1:16). Ele foi um dos primeiros a converter-se em Corinto (16:15). Sendo um dos líderes da igreja em Corinto, foi escolhido com outros dois a fim de levarem uma oferta financeira de Corinto para Paulo, em Éfeso (veja 16:17). Há menção de que havia uma carta, a resposta de Paulo, a qual demos o nome de 1 Coríntios. Estéfanas e seus companheiros evidentemente levaram esta carta com eles, voltando para Corinto. Paulo faz comentário significativo a respeito de Estéfanas e sua casa: "Sabeis que a família de Estéfanas é as primícias da Acaia, e que se tem dedicado ao ministério dos santos" (1 Coríntios 16:15). "Dedicado" significa que a família se empenhara com firmeza na tarefa. Vemos aqui a idéia de entrega pessoal. Estéfanas se havia entregado à tarefa de servir ao povo de Deus, sendo que

o versículo seguinte esclarece que ele "auxilia na obra e trabalha". Nossas igrejas estão cheias de pessoas que querem ser alimentadas e atendidas para ter suas necessidades satisfeitas. Porém, onde estão aqueles cuja prioridade número um seja consagrar-se de todo o coração a servir aos demais? Pela dedicação de Estéfanas ao serviço da igreja, Paulo exortou aos coríntios a sujeitar-se a pessoas como eles (cp 16:16), e a reconhecer a tais pessoas (16:18). É fácil confiar em um líder que tenha demonstrado sensibilidade e preocupação por meio de serviço prestado aos outros. Queira Deus que nossas igrejas sejam cheias de líderes como Estéfanas! Arquipo, fonte de serviço Arquipo, mencionado somente duas vezes na Bíblia, viveu em Colossos, cidade situada no que é hoje o ocidente da Turquia. Na carta que Paulo escreveu a Filemon, homem preeminente de Colossos, lemos que Arquipo era seu "companheiro de lutas" (Filemon 2), uma das expressões favoritas de Paulo aplicadas aos que o haviam acompanhado na batalha pelas almas dos homens. Evidentemente havia pessoas que haviam sido arrancadas das mãos do inimigo graças à luta a que se atirara Arquipo como bom soldado de Jesus Cristo. A segunda menção de Arquipo nos dá uma idéia de seu trabalho. Quando Paulo, preso em Roma, escreve aos crentes de Colossos, menciona pelo nome vários cristãos. Justamente no final da carta Paulo tem uma palavra especial de exortação a Arquipo: "Dizei a Arquipo: Atenta para o ministério que recebeste no Senhor, para o cumprires" (4:17). A fonte do ministério (serviço) de Arquipo era o Senhor. Deus lhe havia dado um serviço a realizar. O ponto importante aqui é que tanto a descrição do cargo como o trabalho vieram do próprio Deus. Uma versão parafraseia o texto assim: "Lembra-te de que o Senhor foi quem te ordenou para o ministério — trata de pô-lo em prática". O fato de sabermos que o Deus vivo é quem nos ordenou representa um incentivo poderoso para "enfrentar qualquer barreira". É possível que Arquipo estivesse "amolecen-

Aos Pés de Jesus 143 do" ou, pelo menos, em perigo de arrefecer o ânimo. A mensagem de Paulo era que, se ele recuasse no ministério, estaria abandonando Deus. Nem Arquipo nem nós podemos desapontar a Deus. Marta, propósito do serviço Marta, de Betânia, talvez seja uma das servas mais bem conhecidas no Novo Testamento, com freqüência vista em contraste com sua irmã Maria, que se sentava aos pés de Jesus, enquanto Marta estava ocupada na cozinha. É verdade que o profundo anseio de Maria em conhecer o Senhor, e sua humildade para aprender aos pés de Cristo representam a mais urgente prioridade dos cristãos, coisa que Marta precisava aprender. O Senhor salientou que aquele tipo de adoração era algo realmente necessário (Lucas 10:38-42). Marta servia, porém, na pressa desenfreada, acabou esquecendo-se do verdadeiro propósito do serviço. Diz-nos Lucas que ela "andava distraída em muitos serviços" (v. 40). Importunava-a o fato de Maria não estar ajudando-a, e que o Senhor não parecia ter notado isso. E assim, reclamou: "Senhor, não te importas de que minha irmã me deixe servir só? Dize-lhe que me ajude" (v. 40). Nada havia de errado com o serviço que ela prestava; entretanto, o objetivo dela estava distorcido. O Senhor carinhosamente a repreendeu por dar excessiva atenção às questões materiais. Ela queria ser notada, quis que o Senhor mandasse Maria ajudá-la na cozinha. Perdera a atitude de uma serva verdadeira. Entretanto, o registro bíblico não deixa a história de Marta encerrar-se aqui. João a completa em seu evangelho (11:1-12:2). Ele nos mostra que Marta aprendera bem a lição, porque ela veio a brilhar como mulher de grande fé, por ocasião da morte de seu irmão Lázaro. Marta deu um dos mais importantes testemunhos de toda a Escritura a respeito de quem era Cristo (11:27). Após ter falado com o Senhor, foi chamar Maria (v. 28). Não houve ciúme aqui. Momentos após, embora de início não achasse que Lázaro ressuscitaria, providenciou a remoção da pedra do sepulcro e, assim, viu "a glória de Deus", como lhe prometera o Senhor (w. 49-41). Na próxima vez que Jesus visitou Betânia (12:2), Marta servia,

como usualmente; Maria estava aos pés do Senhor, e Lázaro se reclinava à mesa, com ele. Entretanto, não houve sequer um murmúrio de queixume da parte de Marta. Ela agora prestava serviço com sorriso, não com queixas. Qual a razão da mudança? "Ofereceram-lhe ali um jantar. Marta servia" (12:2). O propósito dela era servir ao Senhor. Já não interessava a ela quanto serviço a aguardava, nem quem estaria (ou não estaria) ajudando-a. O propósito que Marta pusera diante de si fazia toda a diferença. Quando o objetivo dela foi demonstrar sua competência como dona-de-casa e cozinheira, tornara-se distraída e frustrada. Quando seu propósito foi servir ao Senhor, fazer-lhe uma refeição, ela prosseguia no serviço sem queixar-se. Esta lição primária no que concerne ao serviço é de importância crucial para nós, hoje. Febe, ajuda prestada pelo serviço No último capítulo de Romanos há uma pequena nota fascinante, acerca de outra mulher cristã que servia com excelência (Romanos 16:1-2). O nome de Febe significa "brilhante, radiante ou pura". Febe era uma mulher cristã que morava na Cencréia, uma das cidades portuárias de Corinto, localizada num istmo estreito entre os mares Egeu e Adriático, tendo um porto de cada lado. Paulo a visitara ali (Atos 18:18), plantando uma igreja, sem dar mais detalhes. Ao escrever sua carta aos romanos, estando em Corinto, Paulo soube que Febe planejava viajar para Roma. É bem provável que tenha sido ela a portadora da carta aos crentes romanos. Tal carta é o coração doutrinário do Novo Testamento, tendo Febe o privilégio de servir à igreja romana ao levá-la àqueles irmãos. Paulo encorajou os romanos a receberem Febe como irmã na comunidade eclesiástica cristã ali: "Recomendo-vos a nossa irmã Febe. . . para que a recebais no Senhor, como convém aos santos" (16:1-2). Ele a apresentava como sendo alguém que merecia participar daquela fraternidade cristã, e pediu-lhes que a ajudassem em tudo quanto fosse preciso. Paulo chamava Febe de pessoa "que serve à igreja que está em Cencréia" (v. 1). Ela deveria ser ajudada, porquanto ajudara

Aos Pés de Jesus 145 muitas pessoas, inclusive a Paulo (v. 2). Sendo, provavelmente, uma mulher de posses, Febe se destaca como exemplo de serviço piedoso à igreja. Enquanto hoje os "direitos" da mulher ocupam a atenção de modo especial em muitas igrejas, havendo muita exigência quanto a conceder-se mais autoridade às mulheres, Febe de maneira alegre assumiu o papel de serva e nesse espírito alegre ajudou a muitos. Onésimo, utilidade do serviço Onésimo era escravo de Filemom, em Colossos. Roubou algum dinheiro de seu senhor e fugiu. Viu-se, por fim, em Roma, onde acabou encontrando-se com o apóstolo Paulo. Tendo-se convertido a Cristo, Onésimo enfrenta a questão moral, agora, de suas responsabilidades quanto às más ações do passado. (Qualquer escravo fugitivo normalmente seria morto, se apanhado.) Havia porém uma circunstância complicadora da situação, e muito interessante: o senhor de Onésimo era Filemom, um cristão que Paulo conhecia. A ação justa que o escravo de Filemom, agora acatador da lei, deveria pôr em prática, seria voltar para seu senhor. Paulo amava a Onésimo, que se fizera querido do apóstolo mediante o serviço que lhe prestara na prisão. E foi assim que Paulo escreveu uma carta a Filemom e enviou-a por intermédio de Onésimo. Nesta carta, Paulo explica a situação e roga a Filemom que perdoe a Onésimo, chegando a oferecer-se para ressarcir quaisquer prejuízos financeiros. Se Filemom amasse e respeitasse a Paulo, o que era realidade, não havia como esse crente pudesse recusar a atender ao velho apóstolo. Pelo que sabemos, Filemom perdoou a seu escravo fugitivo. A recomendação de Paulo a Onésimo como servo é interessante: "Peço-te por meu filho Onésimo, que gerei nas minhas prisões. Outrora ele te foi inútil, mas agora a ti e a mim muito útil" (Filemom 10:11). Há, aqui, um trocadilho com o nome de Onésimo, que quer dizer "útil". Sendo ladrão e fugitivo, fora inútil; como crente, tornara-se o que seu nome indicava: útil. Não é para isso que os servos existem: para serem úteis? É evidente que Onésimo estivera servindo a Paulo de algum

modo significativo. Talvez lhe preparasse as refeições, ou levasse mensagens de Paulo para outras pessoas, em Roma. Fosse o que fosse, assim diz Paulo a respeito de Onésimo: "Mando-o de volta a ti, a ele que é o meu coração. Eu bem quisera conservá-lo comigo, para que por ti me servisse nas prisões do evangelho" (w. 12-13). Sendo servos de Cristo, e servindo-nos uns aos outros, encontramos nossa capacidade de serviço. Paulo, altruísmo no serviço O segundo capítulo de Filipensès é uma das mais importantes passagens escriturísticas a respeito do espírito de serviço. Inicia com uma exortação para que tenhamos atitude de servo - os interesses pessoais jamais devem assumir precedência sobre os interesses do próximo (w. 3-4). O exemplo máximo é o do Senhor Jesus Cristo: "De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus que. . . tomando a forma de servo. . . humilhouse a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz" ( w . 5-8).

O restante do capítulo fornece três exemplos humanos de espírito de serviço: Paulo, Timóteo e Epafrodito. Assim diz Paulo sobre si próprio: "E, ainda que seja oferecido por libação sobre o sacrifício e serviço da vossa fé, folgo e me regozijo com todos vós" (v. 17). Paulo compara a si mesmo com a "oferta derramada" do Antigo Testamento (Números 15:1-12). Em conexão com as ofertas queimadas, o vinho era derramado em ritual, sobre o cordeiro sacrificial que era colocado sobre o altar, representando o Senhor Jesus que "derramou a sua alma na morte" (Isaías 53:12). O vinho derramado sobre a oferta perdia-se de vista imediatamente. Essa é a imagem que Paulo usa. Sentia-se feliz em ser uma parte não-observável daquilo que os filipenses estavam fazendo para Deus. Que exemplo de humildade e espírito de serviço! É uma atitude que se assemelha à do próprio Jesus, que assumiu a forma de servo e "a si mesmo se esvaziou" (Filipenses 2:7). Pouquíssimos crentes que a si mesmos se consideram servos de Deus mostram-se dispostos a serem oferta de libação ao serviço do

Aos Pés de Jesus 147 próximo. Tornamo-nos invejosos do ministério alheio, cheios de ciúme do sucesso de outros. Entretanto, se formos mesmo servos, nós nos regozijaremos sempre que o Senhor for glorifícado. Timóteo, excelência no serviço Outro exemplo de espírito de serviço de Filipenses 2 é Timóteo (w. 18-24). É interessante que Paulo mencione a si próprio em um único versículo, nesta passagem, porém tem muito que dizer do serviço de Timóteo e Epafrodito, nos versículos seguintes. Timóteo é tido como alguém que "serviu comigo no evangelho" (v. 22). Aqui está a excelência de seu serviço: "A ninguém tenho de igual sentimento, que sinceramente cuide do vosso bem-estar" (v. 20). Diferente de muitos outros, o interesse de Timóteo pelos filipenses era genuíno. O moço não teve motivos estranhos, não alimentou desejos egoístas. Timóteo foi como um filho que servia a seu pai, com obediência e fidelidade (v. 22). Outros "buscam o que é seu, e não o que é de Cristo Jesus" (v. 21). No entanto, Timóteo era diferente. Estava interessado no bem-estar dos crentes, às custas de seu próprio bem-estar. Estava sempre disposto a servir, e a ir quando e aonde o mandassem. Epafrodito, limitações do serviço O último exemplo de espírito de serviço, em Filipenses 2, é o de Epafrodito, que chegara a pouco de Filipos a Roma, onde estava Paulo, na prisão. Trouxera consigo uma oferta em dinheiro, da parte dos crentes. Paulo o chama de "vosso enviado para prover às minhas necessidades" (v. 25). O caminho entre Filipos e Roma era longo mas Epafrodito empreendera a viagem a fim de assegurar a Paulo o amor da igreja filipense. Após chegar a Roma, Epafrodito adoeceu gravemente, e assim permaneceu algum tempo. Chegaram em Filipos notícia de sua doença, pelo que os crentes filipenses escreveram expressando preocupação. Agora é Paulo que lhes escreve, e faz alguns elogios notáveis a Epafrodito. Paulo o descreve como "meu irmão" (v. 25), indicando o laço comum que os unia na família da fé. É chamado de "cooperador" e de "companheiro nos combates" também, indicando sua pron-

tidão para envolver-se na luta. Paulo encerra a lista de elogios chamando-o de "vosso enviado para prover às minhas necessidades". Epafrodito amava o povo de sua igreja, estando ansioso por voltar para seu trabalho ali. Preocupava-se porque os crentes demonstraram cuidado pela doença que o acometera, de modo que Epafrodito estava ansioso mais pelo bem-estar de sua igreja que pelo seu próprio bem-estar (v. 26). Paulo sugere, ao escrever aos filipenses, que lhe preparassem uma recepção digna de herói, quando Epafrodito chegasse à cidade. Por quê? "Porque pela obra de Cristo chegou até bem próximo da morte, não fazendo caso da vida para suprir para comigo o serviço que vós próprios não podíeis prestar" (v. 30). Epafrodito esteve disposto a arriscar sua própria vida em prol de outros. Este servo era marcado pela disposição em cumprir todas as suas obrigações. Nenhuma tarefa lhe era difícil demais, nenhum lugar longe demais, nenhum preço a pagar elevado demais. Uma das coisas que caracterizam os cristãos de hoje é o baixo grau de entrega em compromisso. Os crentes não aparecem porque o tempo é adverso, diferente do que esperavam. Desistem de um trabalho na igreja porque interfere com seus divertimentos. Abandonam a obra porque terceiros não querem cooperar. As descvilpas despencam, umas após as outras, mas a razão verdadeira porque falham é que os limites do serviço são fixados pelo interesse próprio. Epafrodito nos provê um exemplo de verdadeiro espírito de serviço cristão. A apresentação de nosso corpo como sacrifício vivo é, afinal, nosso culto racional (Romanos 12:1). Os sacrifícios não colocam limites ao fogo. Tíquico, obediência no serviço Um dos caracteres preeminentes como servos, no Novo Testamento, é Tíquico, mencionado em cinco livros. Paulo o considerava um de seus cooperadores mais confiáveis. Isso não é de admirar, já que Tíquico era tudo que um servo deve ser — digno de confiança, fiel, bem disposto, leal e obediente. Durante sua terceira viagem missionária, Paulo coletou ofertas em dinheiro, das igrejas, em todas as áreas de seu campo missionário, a fim de ajudar os crentes pobres de Jerusalém.

Aos Pés de Jesus 149 Cada setor escolheu homens dignos de confiança que acompanhassem Paulo, levando o dinheiro a Jerusalém. Tíquico era um desses homens, selecionado dentre os crentes das igrejas da Ásia (Atos 20:4). Este estava feliz por ser capaz de entregar-se à tarefa de atender aos crentes pobres, para a glória de Deus. Tíquico reaparece três anos mais tarde, em Roma, durante a primeira vez que Paulo é aprisionado. O apóstolo escreve a respeito do serviço especial que esse homem prestava, em duas cartas (Efésios 6:21-22, Colossenses 4:7-8). A descrição feita deste crente é bastante reveladora. Tratava-se de um "irmão amado, e fiel ministro do Senhor". Em primeiro lugar, é alguém de mesma posição na família de Deus. Paulo e Tíquico eram irmãos, amavam-se e respeitavam-se mutuamente. O segundo relacionamento entre esses dois homens era o de senhor/servo. Tíquico sentia-se feliz em assumir o papel humilde de obediência à liderança do apóstolo mais velho. Sendo "fiel ministro" (servo), Tíquico "tocava o segundo violino": "É preciso muito mais graça do que consigo dizer, para a tarefa de tocar bem, muito bem, o segundo violino". Tíquico compreendia que os fiéis seguidores de Cristo são verdadeiros servos. O terceiro relacionamento para com Paulo era o de "companheiro no serviço". Ambos se consideravam servos do Senhor Jesus Cristo. Haviam sido comprados por um preço, redimidos da escravidão do pecado, e alegremente se submeteram ao novo Senhor, como escravos de sua graça. As referências em Efésios e Colossenses indicam que Tíquico recebeu outra incumbência de Paulo: levar duas cartas de Roma a duas cidades, mais uma carta pessoal para Filemom. Os manuscritos de três livros do Novo Testamento foram colocados sob seus cuidados, enfrentando uma viagem longa e cheia de dificuldades. Tíquico era um homem digno de confiança. Outras duas incumbências dadas a Tíquico transparecem no Novo Testamento. Ao escrever a Tito, em Creta, Paulo lhe diz que Tíquico está disponível -- poderia ser enviado para substituir

Tito em Creta, de modo que este poderia sair e visitar Paulo em Nicópolis, no período entre duas prisões, em Roma (3:12). De novo Tíquico revela-se um servo obediente. A última menção a Tíquico na Bíblia (2 Timóteo 4:12) indica que ele havia sido enviado a Éfeso. Fiel até o fim, desempenha o papel de servo, perante Paulo, indo aonde é enviado, fazendo o que lhe é ordenado. A obediência foi a grande qualidade desse servo. Onesíforo, coragem no serviço Duas breves referências de Paulo, em seu carta final, é tudo quanto sabemos a respeito de Onesíforo (2 Timóteo 1:16-18; 4:19). Aparentemente morava em Éfeso, durante a prisão de Paulo teve oportunidade de visitar Roma, tendo procurado o apóstolo. Diz Paulo: "Diligentemente me procurou e me achou" (1:17). Após ter encontrado Paulo, Onesíforo cuidou do apóstolo ("ele me recriou" [1:16]), querendo dizer com isso que esse obreiro lhe ofereceu amizade e talvez ajuda financeira também. Paulo o elogiou pelos seus "serviços", enquanto estava em Éfeso também (1:18). Sem dúvida, tais serviços relacionavam-se à igreja que lá estava. Todas as igrejas precisam de obreiros que desejam servir. O que se salienta em particular a respeito da obra de Onesíforo é sua coragem. Paulo se lembra dele, contrastando-o com outros dois: Figelo e Hermógenes, que se envergonharam de Paulo, como prisioneiro, e dele fugiram (1:15). A rejeição da parte deles desapontou o velho apóstolo, que obteve, contudo, grande conforto na coragem de Onesíforo, que "não se envergonhou das minhas algemas" mas permaneceu fiel (1:16). O estigma do tribunal e da prisão não fez a mínima diferença para Onesíforo. Aceitando um risco pessoal, encontrou o apóstolo condenado pelos ímpios, e ministrou-lhe. Eis um grande exemplo de coragem no serviço.

Conclusão As Escrituras nos ensinam claramente que a pessoa que Deus usa tem o coração de servo. O foco central de nosso espírito de serviço — ou nossa atitude de servo — é Jesus Cristo, o Servo perfeito que se tornou nosso Senhor. Foi encontrado um poema na Bíblia de J. N. Darby que estabelece de maneira muito bonita o relacionamento entre o Senhor Jesus e seus servos: Bem em baixo, Senhor Jesus, Sob teus pés, é meu lugar. Ali onde aprendi lições profundas, A verdade que me libertou. Livre de mim mesmo, Senhor Jesus, eis-me Livre dos costumes dos homens, Das cadeias dos pensamentos que me prendiam, E que jamais voltarão a prender-me. Mais ninguém, senão tu mesmo, Senhor Jesus, Conquistou minha vontade desviada. Não fora eu constrangido por teu amor E até agora estaria desviado. Até agora! A submissão a Cristo demonstra-se na submissão uns aos outros. Um copo de água fria, dado em nome de Cristo a um pequenino, é ato de serviço prestado ao Senhor (Mateus 25:3440). A ordem para que nós nos sirvamos "uns aos outros em amor" (Gálatas 5:13), não nos permite outra opção. Uma igreja local que tenha bastante servos, que disponha de grandes líderes e de crentes humildes, há de ser uma igreja sadia, feliz e próspera.

152 Ele Humilhou-se a Si mesmo Servir ao Senhor com alegria é servi-lo (ministrar) com base no amor; no amor de Deus. Eu servi, mas com o coração pesado, E no serviço pus pouco amor, e pouca confiança. Ele é meu Senhor, devo servir, E por isso servi — porque tinha obrigação. Daí, na monotonia seca de minha estrada Surgiu o raio chamejante de uma idéia melhor; Devia meu serviço a um Deus amoroso, E, assim, eu servi — precisava servir. Oh! O Senhor tornou doce o meu serviço, E, como um raio de glória vindo do céu, Veio-me a certeza de que servir é alegria. Assim, servi, por amor!

"Jesus, sabendo que o Pai tinha depositado em suas mãos todas as coisas, e que havia saído de Deus e ia para Deus... colocou água numa bacia, e começou a lavar os pés dos discípulos" (João 13:3-5)

A vida de Jesus Cristo — o supremo Filho de Deus — contrasta fortemente com a era de egoísmo em que vivemos. O Criador de todas as coisas tornou-se o Servo Sofredor; o Deus imortal desceu à terra "para servir e dar a sua vida em resgate por muitos". Neste livro inspirador, Kenneth Fleming afirma que conhecer e seguir a Jesus significa amar verdadeiramente a Deus e ao próximo, e que a prova desse amor é a renúncia aos interesses pessoais em benefício de outrem. Ele Humilhou-se a Si Mesmo é tocante apelo a que em tudo imitemos o Servo perfeito, aquele que glorificou o Pai ao servir humildemente aos pecadores.

Kenneth Fleming é professor de missões no Emmaus Bible College, em Dubuque, Iowa, E. U. A.

1758-2

ISBN 0 - 8 2 9 7 - 1 7 5 8 - / Discipuladc

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