Qual a influência da Revolução Industrial no surgimento da sociologia?

A Revolução Industrial consistiu em um conjunto de mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social. Iniciada na Grã-Bretanha em meados do século XVIII, expandiu-se pelo mundo a partir do século XIX. Ao longo do processo (que de acordo com alguns autores se registra até aos nossos dias), a era agrícola foi superada, a máquina foi suplantando o trabalho humano, uma nova relação entre capital e trabalho se impôs, novas relações entre nações se estabeleceram e surgiu o fenômeno da cultura de massa, entre outros eventos. Essa transformação foi possível devido a uma combinação de fatores, como o liberalismo econômico, a acumulação de capital e uma série de invenções, tais como o motor a vapor. O capitalismo tornou-se o sistema econômico vigente.

Contexto histórico da revolução industrial

Antes da Revolução Industrial, a atividade produtiva era artesanal e manual (daí o termo manufatura), no máximo com o emprego de algumas máquinas simples. Dependendo da escala, grupos de artesãos podiam se organizar e dividir algumas etapas do processo, mas muitas vezes um mesmo artesão cuidava de todo o processo, desde a obtenção da matéria-prima até à comercialização do produto final. Esses trabalhos eram realizados em oficinas nas casas dos próprios artesãos e os profissionais da época dominavam muitas (se não todas) as etapas do processo produtivo.

Com a Revolução Industrial os trabalhadores perderam o controle do processo produtivo, uma vez que passaram a trabalhar para um patrão (na qualidade de empregados ou operários), perdendo a posse da matéria-prima, do produto final e do lucro. Esses trabalhadores passaram a controlar máquinas que pertenciam aos donos dos meios de produção os quais passaram a auferir os lucros. O trabalho realizado com as máquinas ficou conhecido por maquinofatura.

Esse momento de passagem marca o ponto culminante de uma evolução tecnológica, econômica e social que vinha se processando na Europa desde a Baixa Idade Média, com ênfase nos países onde a Reforma Protestante tinha conseguido destronar a influência da Igreja Católica: Inglaterra, Escócia, Países Baixos, Suécia. Nos países fiéis ao catolicismo, a Revolução Industrial eclodiu, em geral, mais tarde, e num esforço declarado de copiar aquilo que se fazia nos países mais avançados tecnologicamente: os países protestantes.

De acordo com a teoria de Karl Marx, a Revolução Industrial, iniciada na Grã-Bretanha, integrou o conjunto das chamadas Revoluções Burguesas do século XVIII, responsáveis pela crise do Antigo Regime, na passagem do capitalismo comercial para o industrial. Os outros dois movimentos que a acompanham são a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa que, sob influência dos princípios iluministas, assinalam a transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea. Para Marx, o capitalismo seria um produto da Revolução Industrial e não sua causa.

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Na história da humanidade temos períodos em que as sociedades são potencialmente sacudidas por um turbilhão de acontecimentos que moldam um novo mundo sob os escombros do velho mundo em decomposição: a revolução industrial na Inglaterra e a revolução francesa fazem parte destes raros momentos de clara ruptura entre o tradicionalismo (o velho) e todos os valores e ideias que antecipam o futuro.

Entretanto, é preciso frisar, estes momentos históricos que, como um terremoto, abalam as sociedades, não acontecem ao acaso nem de forma repentina. Compreendê-los exige a capacidade de apreender o processo histórico, sua gênese e movimento contraditório. As mudanças sempre resultam dos conflitos. As contradições, os antagonismos sociais, são o combustível que alimenta o trem da história.

A Revolução Industrial e a Revolução Francesa condensam em si e acentuam as contradições gestadas durante séculos no ventre da sociedade feudal que transita para o capitalismo. Neste sentido, são partes constitutivas do mesmo processo histórico: a consolidação da sociedade industrial. Elas abriram caminho para a ‘era do capital’, isto é, a efetivação do poder político, econômico, social e ideológico da burguesia.

Para compreender este processo precisamos ter claro que a revolução industrial foi algo muito mais profundo do que a introdução da máquina e dos sucessivos aperfeiçoamentos tecnológicos e dos métodos de gestão e produção. O desenvolvimento da indústria capitalista moderna, alicerçada na máquina e no trabalho livre assalariado, solapa as instituições e as relações sociais fundadas no costume e nos valores feudais. Introduzem novas formas de organizar a vida.

Isto significa que a indústria capitalista, além de aniquilar o artesão independente, dono dos meios de produção, isto é, das ferramentas do trabalho, e senhor do processo produção – com o controle do tempo, do planejamento e da execução do trabalho – submeteu este à disciplina despótica fabril e o obrigou a assimilar novas formas de conduta e de relações de trabalho. A transformação da atividade artesanal em manufatureira e, por fim, em trabalho assalariado na fábrica moderna, desencadeou um intenso processo de emigração do campo para as cidades.

Do ponto de vista do capital isto foi positivo: liberou a força de trabalho necessária e disponível e, sobretudo, de baixo custo. Também contribuiu para isto o engajamento das mulheres e crianças que trabalhavam sob péssimas condições e jornadas de trabalho que ultrapassavam as 12 horas diárias, e isso sem férias ou feriados. Em alguns setores da indústria inglesa, mais da metade dos trabalhadores era constituída por mulheres e crianças que ganhavam salários inferiores aos dos homens.[1]

É de se imaginar os efeitos traumáticos que esta realidade causou aos milhares de seres humanos amontoados nas cidades industriais da época, as quais passaram por um vertiginoso crescimento demográfico no período. E isto, com profundas debilidades estruturais quanto às moradias, serviços sanitários e de saúde etc. O desenvolvimento industrial capitalista produziu conseqüências nefastas: crescimento do desemprego e da miséria; aumento assustador dos problemas sociais como a violência, o infanticídio, a criminalidade, o suicídio, o alcoolismo, a prostituição, as doenças venéreas e epidemias do Tifo e Cólera que dizimou parte da população.

No passado como no presente houve resistências individuais e coletivas. Manifestações de revoltas, destruição das máquinas e, depois a consciência da necessidade da organização em associações, sindicatos e da participação na política. Os escravos modernos insurgiram-se contra seus senhores.

Por outro lado, a Revolução Francesa expressa em toda a sua radicalidade o conteúdo político da nova ordem socioeconômica industrial. Nosso tempo carrega o seu legado: sua influência estendeu-se por toda a Europa e as Américas, seu ideário perdurou e perpassou as principais questões política do século XI à contemporaneidade. Como ressalta o historiador Eric J. Hobsbawm:

“Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência da revolução industrial britânica, sua política e ideologia forma formadas fundamentalmente pela Revolução Francesa. A Grã-Bretanha forneceu o modelo para as ferrovias e fábricas, o explosivo econômico que rompeu as estruturas socioeconômicas tradicionais do mundo não europeu; mas foi a França que fez suas revoluções e deu suas ideias, a ponto das bandeiras tricolores de um tipo ou de outro terem se tornado o emblema de praticamente todas as nações emergentes, e a política europeia (ou mesmo mundial) entre 1789 e 1917 foi em grande parte a luta a favor e contra os princípios de 1789, ou os ainda mais incendiários de 1793. A França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e radial-democrática para a maior parte do mundo. A França deu o primeiro grande exemplo, o conceito e o vocabulário do nacionalismo. A França forneceu os códigos legais, o modelo de organização técnica e científica e o sistema métrico de medidas para a maioria dos países. A ideologia do mundo moderno atingiu as antigas civilizações que tinham até então resistido às ideias europeias inicialmente através da influência francesa. Esta foi a obra da Revolução Francesa.”[2]

A razão iluminista, fundamento ideológico da Revolução Francesa, minou as velhas formas de conhecimento, alicerçadas na tradição, na autoridade e nos privilégios da nobreza e da Igreja e atingiu as bases da sociedade feudal. Revolucionários em sua época, os iluministas conceberam o indivíduo como um ser dotado de razão e destinado à liberdade e à igualdade. Dessa forma, deram ao conhecimento uma dimensão crítica em relação à realidade naturalizada pelo pensamento feudal. O iluminismo aprofundou um processo já iniciado com o renascimento: tornou o homem senhor do seu próprio destino, ser social capaz de compreender o meio em que vive e de construir sua própria história.

Se a revolução industrial tornou a Inglaterra a oficina do mundo, moldando-o de acordo com a evolução econômica e tecnológica, o ideal iluminista e revolucionário francês transformou política e ideologicamente o mundo. Essa revolução dual complementa-se e fornece as bases para a consolidação da sociedade moderna capitalista.

Como um turbilhão, esta revolução dual provocou transformações sem precedentes, mas também deixou um rastro de destruição que caracterizou a crise da sociedade moderna em seus fundamentos. Tornou-se necessário o surgimento de uma nova ciência que explicasse a nova realidade instituída. Esta ciência é a Sociologia, cujo fundador foi Auguste Comte (1798-1857).

[1] Friedrich Engels descreveu e analisou este processo na obra clássica “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra” (São Paulo: Boitempo, 2008).

[2] HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997 (10ª edição), p. 71-72.

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