Relacionar os problemas dos operários com o aparecimento do movimento sindical

ARTIGOS

Tendências futuras do sindicalismo brasileiro

Leôncio Martins Rodrigues

Professor do Departamento de Ciências Sociais da FFLCH/USP

1. INTRODUÇÃO

Todo movimento sindical implica uma forte dose de. voluntarismo: o desejo de não aceitar uma situação dada, mais especificamente as condições de trabalho e o preço da força de trabalho. Contudo, as ideologias e os sistemas de valores que envolvem o esforço dos operários, de modificar as condições ambientais, bem como suas possibilidades de êxito, relacionam-se a um conjunto de elementos objetivos, externos ao movimento sindical, tais como a tecnologia fabril, a situação do mercado de trabalho, as características do sistema político, etc. Em certo sentido, o sindicalismo é o resultado do encontro entre uma vontade e uma realidade. Impossível estudar o sindicalismo sem o associarmos a lutas e sacrifícios de milhares de trabalhadores. Para os que estão diretamente envolvidos neste processo, o sindicalismo é principalmente o fruto de um ato de vontade. Para o analista, no entanto, as formas de ação ocorrem dentro de um quadro de determinações econômicas, políticas e tecnológicas que balizam as possibilidades de afirmação desta ou daquela tendência sindical ou operária.1 1 Há uma lógica do desenvolvimento dos sistemas de relações profissionais que depende de um conjunto de fatores exteriores à ação dos empregadores e empregados. Começando com um sistema de relações de trabalho de tipo camponês-senhor - na conceituação de R. Cox - é possível passar para um sistema de pequena indústria, quando aparecem as primeiras organizações sindicais e um proletariado urbano. A partir dai, historicamente, muitas opções em termos de relações de trabalho são possíveis, tais como: sistemas mobilizadores, corporativistas-burocráticos, de contrato de trabalho vitalício e bipartite. Para maiores informações, veja Cox, Robert. Esquisse d'une futurologie des relations professionalles, Bulletin, Institut International d'Études Sociales, n. 8,1971.

Pensar as linhas de transformação do sindicalismo implica, assim, situar as principais variáveis que afetam seu desenvolvimento. Este tipo de colocação implica uma certa dose de futurologia. Seria ocioso insistir nos riscos das previsões, especialmente num país, como o Brasil, tão marcado pelas crises políticas e seus inevitáveis reflexos sobre a organização sindical. Porém, todos os que procuram interferir sobre a realidade especialmente os que atuam de maneira política, avaliam quotidianamente os resultados das opções variadas que se abrem (ou que parecem se abrir) em cada conjuntura. Assim fazendo, praticam constantemente algum tipo de exercício de futurologia. Apesar disso, as tentativas de introduzir maior rigor neste esforço de prospecção geralmente tendem a levantar um conjunto de objeções. Estas seguem geralmente no sentido de desqualificar a tentativa de precisão e de rigor na ordenação das variáveis, apesar das previsões situarem-se na base das diferentes opções que envolvem as formas de atuação sobre a realidade. Ocorre que os homens agem valorativamente, ou encobrem valorativamente os seus interesses. As tentativas de análises mais rigorosas das tendências do presente e sua evolução previsível chocam-se amiúde com as expectativas dos grupos que têm interesses determinados. A desconfiança com relação aos exercícios de futurologia tende a ser tanto maior quanto mais ideologicamente orientados forem os diferentes grupos que, aliás, praticam menos explicitamente outras formas de futurologia. Porém, a validade dos esforços neste campo não reside tanto no resultado da previsão. A própria previsão constitui uma sorte de advertência (positiva ou negativa), capaz de alterar o curso futuro, na medida em que induz à intervenção deliberada no sentido de alterar ou acentuar esta ou aquela tendência prevista. A importância dos exercícios de futurologia reside mais no esforço ordenado de tentar compreender mais exatamente os elementos que conformam uma realidade presente. Qualquer previsão para o futuro só tem sentido na medida em que se supõe que uma dada forma de desenvolvimento anterior continuará a operar, caso seu curso não venha a ser alterado por outros fatores cuja evolução também se procura localizar.

No plano das relações de trabalho, o corporativismo estatal brasileiro, de influência latina, acentua a representação funcional, a integração de empregados e empregadores em entidades representativas, criadas pelo Estado, capazes de impor os supostos interesses coletivos sobre os interesses particulares em conflito.

O modelo corporativista, já esboçado na Constituição de 1939, foi depois reafirmado na Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943. Desde então, a estrutura básica corporativista, que envolve não apenas a organização sindical, mas todo o padrão de relações de trabalho, não sofreu alteração de monta, capaz de afetar as bases de seu funcionamento. Quais são os elementos principais de todo este sistema que se revelou mais estável do que as constituições brasileiras e todo o sistema partidário, atravessando vários governos, regimes e mudanças sociais e econômicas relativamente profundas na sociedade brasileira?

No plano da organização sindical, o aspecto decisivo e talvez o mais importante é a subordinação do sindicato ao Estado. Todo o modo de funcionamento da organização sindical é determinado pelo Ministério do Trabalho, que reconhece e legaliza o sindicato, determinando, nos menores detalhes, as modalidades de seu funcionamento (número de membros da diretoria, organização das eleições sindicais, modo de relacionamento com outros sindicatos, com o patronato, etc.) e reservando-se o direito de nele intervir, destituindo diretorias, nomeando interventores, etc. Nesta estrutura sindical, um aspecto importante é a existência da unicidade sindical, isto é, a impossibilidade da formação de mais de um sindicato por ramo industrial, numa mesma localidade. O Estado, ao mesmo tempo em que controla a organização sindical, a impõe ao patronato, transformando o sindicato no representante legal dos trabalhadores, qualquer que seja sua representativida de junto aos empregados e sua força de negociação ante os empregadores. Ao mesmo tempo em que controla o sindicato, o Estado determina a modalidade de relacionamento com as empresas e estabelece, por meio da Justiça do Trabalho e das Delegacias Regionais do Trabalho, as formas pelas quais os conflitos entre as partes devem ser solucionados. Na medida em que o modo de organização dos empresários é também determinado pelo Estado, a interferência ou, mais do que isto, o controle do Ministério do Trabalho implica também a subordinação da classe patronal ao Estado2 2 É impossível dizer, ao longo da história, se a intervenção do Ministério do Trabalho na esfera das relações profissionais, em termos de benefícios materiais, favoreceu mais aos empresários ou aos empregados, uma vez que a ação estatal não foi apenas de cunho repressivo, mas também garantiu um conjunto de vantagens sociais aos assalariados. De fato, houve ocasiões em que as forças politicas nacionalistas ou populistas, por meio do controle do governo federal, concederam ao conjunto dos trabalhadores assalariados vantagens que, possivelmente, só uma ou outra categoria sindical estivesse em condições de obter por suas próprias forças, num conflito direto com o patronato. Outras vezes, a politica governamental favoreceu as camadas empresariais e a subordinação dos sindicatos ao Estado serviu para manietar os trabalhadores, especialmente os daqueles setores em que as possibilidades de reivindicação autônoma eram maiores. , ou seja, da burocracia sobre as classes sociais.

As características desta estrutura sindical atualmente estão bem estudadas e não caberia aqui alongar este assunto. Mais importante é tentar localizar os diferentes fatores que possibilitaram a sua implantação e sobrevivência em solo brasileiro. Este esforço parece-nos necessário porque permite, por sua vez, verificar a transformação destes fatores no curso dos últimos anos e especular sobre sua evolução nos anos que virão.

2. O SISTEMA POLÍTICO

A estrutura sindical de hoje começou a ser montada na década de 1930, pelos novos grupos que assumiram o controle do governo federal. Na sua origem, temos, assim, um acontecimento político, que é a ascensão de Vargas e a crise do liberalismo oligárquico. Certamente, a própria vitória da Aliança Liberal não deixa de estar vinculada com transformações econômicas e sociais, de natureza mais global. Porém, interessa observar que as três leis referentes à organização sindical da década de 19303 3 Observa Reynaud que um acontecimento econômico só é determinante, no campo do desenvolvimento das relações de trabalho, pelos acontecimentos políticos que desencadeia. Assim, no caso europeu, acontecimentos politicos difíceis de serem previstos, tais como a ascensão do nazismo na Alemanha e a vitória da Frente Popular na França, tiveram conseqüências mais profundas sobre o sistema de relações "profissionistas" do que, por exemplo, a grande crise econômica de 1929. Reynaud, J.D. L'Avenir des relations professione)les en Europe occidentale: perspectives et hypothèse. Bulletin, Institut International d'Études Sociales. (4): 76-77, fév. 1968. , estiveram conectadas muito diretamente com transformações de caráter político-institucional. A primeira legislação fixando mais pormenorizadamente as funções dos sindicatos (Decreto nº 19.770, de 1931) relaciona-se com a vitória de Vargas e da Aliança Liberal. A segunda lei sindical (Decreto nº 24.694) acompanhou o período constitucional de Vargas e a instalação da Assembléia Constituinte; a lei sindical de 1939, posteriormente incorporada, em 1943, à CLT, que consagrou o autoritarismo estatal no domínio das relações de trabalho, resultou da implantação do Estado Novo. Nota-se, deste modo, que processos tecnológicos (uma nova técnica de produção, por exemplo), econômicos (modificações na estrutura e nas condições do mercado de trabalho, etc.) ou mesmo sociais (transformações na estrutura de classes e na própria composição do proletariado industrial) não estiveram diretamente relacionados com o modelo de relações profissionais e de organização sindical que se instaurou entre nós. É possível, no entanto, que a relevância das modificações tecnológicas, econômicas e sociais - e poderíamos dizer mesmo demográficas e étnicas - provavelmente teve um efeito indireto, na medida em que agiu no sentido de criar as condições de possibilidade para as mudanças político-institucionais.

Queremos salientar, deste modo, que as variações no sistema político possivelmente constituem a variável mais importante na determinação do modelo de organização sindical e de relações profissionais. Aliás, a observação da situação do sindicalismo em outros países oferece indicações muito precisas. As funções e papéis do sindicalismo, assim como o modo de resolução dos conflitos, estão estreitamente vinculados com a natureza do sistema político. Só há autonomia da organização sindical e da reivindicação operária nos países de regime político democrático, competitivo e pluralista. A correlação entre a subordinação do sindicato ao Estado, o controle de preço da força de trabalho, a eliminação da autonomia reivindicativa, etc. têm acompanhado universalmente a implantação de regimes autoritários ou totalitários, de direita ou de esquerda. Basta, deste modo, atentar para a Itália fascista, para a Espanha franquista, para a Alemanha nazista, para a URSS stalinista, para a China maoísta4 4 Além do sistema politico, o regime de propriedade (privada ou estatal) é um elemento essencial na determinação das características do sindicalismo. Em todos os países em que vigora a propriedade estatal dos principais meios de produção, os sindicatos perderam suas funções de reivindicação e defesa dos assalariados, para servir como elementos auxiliares da produção e da gerência das empresas estatais. É difícil dizer se estes traços particulares da instituição sindical nos países ditos socialistas poderiam ser diferentes se fossem outras as peculiaridades de seus sistemas políticos, isto é, se não se tratasse de sistemas de partido único monolítico. Outro ponto a ser considerado é o do planejamento estatal centralizado que, nos quadros do estadismo, elimina a possibilidade de barganha sobre o preço da força de trabalho no mercado. Indo mais além, caberia ainda outra indagação a respeito das vinculações entre o regime de propriedade estatal e o sistema politico. Em outras palavras: os aspectos do sistema político - como vemos hoje na URSS, China e outras democracias populares - podem ser considerados intrínsecos à natureza de seus sistemas econômicos, a fatores conjunturais, ou correspondem ainda a uma etapa de seu desenvolvimento? Contudo, a discussão desses aspectos (de extrema importância, aliás) escapa ao âmbito deste artigo. . Uma reviravolta nas características do sistema político acarreta imediatamente conseqüências no plano da organização sindical: a autonomia reivindicativa e a liberdade de associação acompanham muito de perto a existência de regimes políticos democráticos e competitivos, ao passo que sistemas políticos autoritários ou totalitários implicam a subordinação dos sindicatos ao Estado. Deste modo, pensar as modalidades de organização sindical no Brasil no próximo decênio implica imediatamente indagar sobre os tipos de regimes políticos que mais provavelmente podem existir entre nós ou, mais explicitamente, sobre as possibilidades de desenvolvimento democrático ou autoritário da sociedade brasileira.

As considerações relativas à forma do regime político, por mais decisivas que possam ser, não esgotam o problema e nem significam pôr de lado a análise de outras variáveis que estão mais relacionadas com o mercado de trabalho, a natureza da tecnologia industrial, as características do sistema econômico, o nível de formação profissional e educacional da classe trabalhadora, etc. Todos estes últimos elementos, no interior de um mesmo quadro político-institucional, afetam as orientações valorativas da classe operária, as suas possibilidades de pressão, assim como as táticas adotadas frente ao patronato e ao Estado. Queremos enfatizar que, no interior de sistemas políticos do mesmo tipo - digamos, democráticos e competitivos -, as formas de ação sindical, bem como as orientações ideológicas operárias, podem variar sob a influência de outros fatores5 5 A história do sindicalismo mostra muitas variações das atitudes, valores e ideologias operárias no interior de sistemas políticos democráticos. Assim, por exemplo, a fraqueza das correntes socialistas no interior do movimento sindical norte-americano; a predominância do reformismo na Grã-Bretanha; a influência social-democrata nos países escandinavos; a hegemonia dos comunistas no interior do sindicalismo de países como a França ou a Itália; etc. Parece claro que, além da variável sistema político, outros elementos relacionados a estrutura de classes, valores, situação do mercado de trabalho, etc. devem ser levados em conta. .

Retendo como pano de fundo as considerações anteriores, consideramos que cumpriria fixar alguns pressupostos para a análise das tendências mais prováveis de evolução do sindicalismo e das relações de trabalho no Brasil nos próximos anos. No plano político, a suposição é que não haverá um retorno a um regime de exceção ou, mais precisamente, a um regime autoritário de tipo militar-burocrático. Em outras palavras: a pressuposição é a da continuidade da atual democracia tutelada, com alguma liberdade de atuação autônoma para os grupos sociais e para as forças políticas. Isto implica a pressuposição da vigência de certos mecanismos constitucionais de garantia das liberdades fundamentais, apesar de algumas restrições que impossibilitam a existência plena de uma democracia liberal e pluralista.

No plano econômico, a suposição é, em primeiro lugar, a continuidade do desenvolvimento a uma taxa de crescimento do PNB que mantenha a atual oferta de emprego. Em segundo lugar, pressupõe-se que a expansão econômica ocorra no quadro de um sistema misto, com participação do capital privado nacional, das multinacionais e das empresas estatais, e com forte interferência governamental na orientação dos investimentos, no mercado financeiro e no conjunto da economia nacional.

Dadas essas condições, que implicam a continuidade das tendências políticas, sociais e econômicas atualmente vigentes, é possível tentar estabelecer as orientações predominantes no interior do movimento sindical, assim como os tipos de conflito e tensão mais prováveis. No que diz respeito especificamente à classe assalariada, é de se supor, no plano industrial, o aumento ou a manutenção da oferta de emprego, inclusive em setores de tecnologia mais sofisticada (indústria eletrônica, metalúrgica, química, petrolífera, etc). Estamos supondo, portanto, a continuidade do crescimento de uma camada qualificada no interior da própria classe de trabalhadores industriais.

Desta maneira, é de se esperar, igualmente, em razão da expansão da rede escolar, uma melhoria do nível de formação educacional e técnica dos trabalhadores manuais das indústrias. O avanço do sistema de comunicação de massa - em especial o rádio e a televisão - deve elevar o nível de informação da classe operária como um todo, notadamente dos seus estratos mais qualificados, aumentando as aspirações de participação material e política na sociedade de consumo.

Por outro lado, a continuidade do modelo econômico supõe a concentração industrial, o aumento numérico do proletariado e das grandes unidades produtivas, criando uma densidade moral e ideológica necessária à formação de movimentos sociais mais amplos e, no caso, de um sindicalismo mais atuante.

3. EXPANSÃO DO SINDICALISMO

Deste ângulo, no tocante aos trabalhadores industriais, consideramos que os pontos atrás levantados constituem fatores favoráveis para o aumento da participação dos trabalhadores nas atividades políticas e sindicais. Assim, nossa hipótese inclina-se a prever um incremento da reivindicação operária nestes próximos anos. Considerando o dinamismo da expansão do capitalismo industrial no Brasil e a instalação de enormes unidades produtivas, parece improvável imaginar um decréscimo da participação operária, ainda que as variações da conjuntura econômica e política possam agir no sentido de aumentar ou diminuir a intensidade e a amplitude das exigências sindicais.

Aceitando a hipótese deste aumento da pressão operária, qual a extensão e quais as linhas de orientação ideológica, política e valorativa que deverão predominar no movimento sindical? E, mais concretamente, quais as possibilidades de modificação da atual estrutura sindical de tipo corporativista, há longo tempo implantada no Brasil?

Nas presentes circunstâncias, é possível apenas - como resposta às indagações anteriores - levantar algumas linhas de desenvolvimento mais prováveis. De modo geral, a sociedade brasileira passa por um processo geral de transição de uma sociedade agrária para outra urbana e industrial. Porém, as formas mais concretas desse desenvolvimento, tanto em termos políticos como econômicos, não são claras. No que tange especificamente ao sindicalismo e ao padrão de relações profissionais, os seguintes aspectos merecem ser ressaltados. De um lado, observa-se em certas regiões, especificamente em São Paulo, a rápida expansão do capitalismo privado, a instalação de poderosas empresas multinacionais de tecnologia sofisticada. Tudo isto favorece a emergência de um sindicalismo mais reivindicatório, pressionando em direção das negociações diretas com o patronato e procurando eliminar pelo menos os aspectos mais repressivos da atual legislação do trabalho. Deste ângulo, seria de se esperar, no terreno das relações do trabalho, algo semelhante ao que existe nos países capitalistas desenvolvidos: empresas poderosas enfrentando sindicatos poderosos.

Um desenvolvimento deste tipo, em termos das orientações sindicais, implicaria a predominância das reivindicações sócio-profissionais sobre as orientações nacional-desenvolvimentistas, significando um esforço no sentido de participar num montante de riqueza já criado e de restringir á esfera de poder de decisão patronal, dentro das próprias empresas. Em outras palavras: a problemática desenvolvimentista nacional-reformista, que predominou entre os principais sindicatos no período Goulart, deveria ceder lugar a uma problemática mais propriamente sindical e operária. Em vez de um sindicalismo que procura aliados em outras forças políticas (num esquema de frente ampla policlassista, nacionalista ou populista), as condições fabris deverão favorecer um sindicalismo que procura contar basicamente com a capacidade de luta e de organização dos próprios trabalhadores. Em certa medida, os germens de uma orientação sindical deste tipo, mais próxima da dos países capitalistas avançados, já podem ser vistos na região da Grande São Paulo e em outras áreas de grande concentração operária.

Por outro lado, outros elementos favorecem o aparecimento de padrões de organização e movimentação operária que marcham em direção diferente. Em poucas palavras: a sociedade brasileira, no seu conjunto, continua ainda muito pobre. Concretamente, a autonomia da ação operária e a constituição de um sindicalismo mais agressivo, têm contra si um mercado de trabalho nacional favorável aos empregadores, com a demanda de emprego superando a oferta. Além disso, apesar da extensão da rede escolar para o conjunto do país, os níveis de escolaridade da população operária são ainda muito baixos, dificultando a organização autônoma dos trabalhadores.

Neste contexto, geralmente, as condições para uma orientação sindical voltada para a negociação e conflito diretos com o patronato, sem mediação política ou estatal, tem mais dificuldade para se impor.

Os pontos levantados dizem respeito à situação da classe operária no mercado de trabalho e a algumas de suas características. Entretanto, do ponto de vista da autonomia da reivindicação sindical, cumpre mencionar ainda outros fatores de natureza mais ampla, em certa medida externos à classe operária, que obstaculizara a emergência de um sindicalismo forte e autônomo, orientado principalmente para negociação coletiva. Em primeiro lugar, para amplas regiões do Brasil, a questão principal ainda é a da produção de riquezas, e não apenas de distribuição, ou seja, uma problemática desenvolvimentista, de diminuição da miséria, da criação de emprego e da resolução dos problemas urbanos mais elementares. Queremos enfatizar que, no conjunto dos elementos que afetam a consciência operária e configuram uma escala de prioridade das reivindicações, as demandas que partem de uma situação de emprego fabril (aumento de salários, melhora das condições de trabalho, redução da autoridade patronal, etc.) nem sempre são as mais importantes. Há um conjunto de questões que escapa ao âmbito de ação dos sindicatos e que não encontra solução no plano das relações com os empregadores. Pensamos em todos os problemas urbanos e outros relacionados à condição do operário como consumidor, tais como escolas, transporte, água, saúde, etc. Um despertar do sindicalismo, neste contexto de miséria, geralmente tende a estimular a aproximação das lideranças sindicais com outras forças políticas e a fortalecer a influência do nacionalismo em torno de um projeto global de desenvolvimento. Assim, a miséria e o atraso econômico - na hipótese provável do aumento da mobilização das camadas de trabalhadores anteriormente passivos - empurram na direção de um sindicalismo que situa a temática da transformação global da sociedade, com ampliação do papel do Estado no processo de industrialização.

Em termos organizatórios, uma situação adversa do mercado de trabalho para a classe operária dificulta a predominância das táticas de luta orientadas para o conflito direto com o patronato e desvia os esforços dos sindicatos para a obtenção de leis de proteção ao trabalhador, de modo a garantir, por vias legais ou políticas, o que o sindicalismo não pode conseguir mediante uma prova de força com os empregadores. Em termos políticos, um quadro de subdesenvolvimento estimula os grupos operários a buscar aliados e protetores em forças políticas de outras classes sociais (lideranças de tipo populista ou nacionalista). Em termos ideológicos, tende a ocorrer a predominância do nacionalismo ou do socialismo-desenvolvimentista, ou seja, de uma alternativa mais ampla de mudança econômica e social e de melhoria das condições de vida do trabalhador, e não simplesmente das condições de emprego.

Um mapeamento da situação geral do sindicalismo e da classe operária indicaria fortes discrepâncias e heterogeneidades, que refletem os desníveis da própria economia e sociedade brasileiras. Em alguns lugares, há a emergência de uma classe operária moderna, concentrada em grandes estabelecimentos, capaz de pressionar fortemente no sentido da participação nos benefícios de uma civilização industrial. Em outras áreas, na agricultura, nos estados pobres do Norte e Nordeste, continua a existir uma massa de trabalhadores de baixo salário e baixa qualificação profissional, assolada pelo subemprego ou simplesmente desempregada.

No primeiro caso, quer dizer, nas áreas desenvolvidas e modernizadas da sociedade brasileira, as condições do meio socioeconômico começam a favorecer o aparecimento de um sindicalismo mais estável, capaz de uma pressão contínua sobre os empregadores. No segundo caso, quer dizer, nas áreas mais pobres e economicamente atrasadas, não se pode excluir a explosão de revoltas marcadas pelo desespero. Porém, de modo geral, as condições ambientais não favorecem a continuidade do movimento sindical, especialmente de um sindicalismo voltado para as negociações coletivas e para a pressão direta sobre os empregadores. Pensamos aqui em todos os setores econômicos que empregam uma mão-de-obra de baixa qualificação profissional, de origem rural (construção civil, obras públicas, indústrias tradicionais, agricultura, etc.) onde todo o contexto das relações de força è amplamente favorável aos empregadores. Parece mais provável, nestes casos, que as eventuais lideranças, muitas das quais podem provir de outros meios sociais - intelectuais, políticas das classes altas ou médias - ante as dificuldades de manutenção da continuidade da mobilização operária e de desenvolvimento de uma luta centrada nos locais de trabalho, tenderão a obter por vias políticas, legislativas ou governamentais, um conjunto de medidas de proteção ao empregado. A tática mais habitual, em tais circunstâncias, é a de aproveitar um "pico" de mobilização e de revolta - que ameaça decrescer logo - para cristalizar legalmente benefícios obtidos numa situação de vantagem momentânea, numa luta em que os trabalhadores não podem garantir a continuidade.

4. O SINDICALISMO PRÉ-1964

A comparação da movimentação sindical anterior a 1964 com aquela que se observa atualmente permite destacar algumas diferenças significativas, que eventualmente podem proporcionar subsídios para a compreensão das linhas futuras de transformação sindical. As correntes dominantes e mais ativas do sindicalismo do período de Goulart entendiam que suas reivindicações poderiam ser alcançadas mediante uma aliança com outras forças politicas ou, mais concretamente, mediante sua integração numa vasta frente nacional-reformista, que situava um projeto alternativo de desenvolvimento econômico, com ênfase na participação estatal. As reivindicações relacionadas com a situação de trabalhos mais profissionais ocupavam um lugar secundário na hierarquia das demandas, que privilegiavam as grandes reformas de base. A aliança com as forças nacionalistas que controlavam o governo federal garantia o apoio estatal às demandas nacional-reformistas dos sindicatos. Este fato tendia a levar as lideranças sindicais (comunistas ou nacionalistas) para mais longe do que seria possível, se contassem unicamente com a própria força da classe operária. A idéia dominante entre as lideranças sindicais comunistas e nacionalistas era a de que seria possível, mediante o controle do Estado, realizar um conjunto de modificações na economia e na sociedade brasileira. A ação sobre o Estado foi mais importante do que a ação sobre a sociedade. Nesta linha, a questão do relacionamento entre a organização sindical e o Estado não chegou a motivar as lideranças sindicais comunistas e nacionalistas, ligadas ao governo federal. Durante a intensa mobilização sindical pré-1964, não houve qualquer tentativa de modificação da estrutura corporativista que subordinava o sindicato ao Estado. Ao contrário, sua manutenção era condição necessária para a mobilização dos trabalhadores, em favor da política de reformas de base do Governo. Esta aliança refletiu-se nas grandes greves decretadas pelo Comando Geral dos Trabalhadores, quando os setores econômicos paralisados foram principalmente as empresas estatais ou controladas pelo Governo (usinas, ferrovias, petroquímicas, etc.)6 6 Os estudos minuciosos de Régis de Castro Andrada sobre a evolução da curva de greve nas empresas privadas e nas empresas estatais (ou de preços controlados pelo Estado) mostram claramente o rápido aumento da taxa de greve nestas empresas, em comparação com o setor privado. Percebe-se também o declínio relativo das greves em São Paulo. Veja Andrada, Régis de Castro. Movimento trabalhista e sindicatos sob o nacional-populismo no Brasil. São Paulo, jun. 1974. mimeogr. e Alguns resultados da análise das características gerais do movimento trabalhista no trienio 1961-1963. São Paulo, 1973, mimeogr. . Ironicamente, as grandes empresas multinacionais foram as menos afetadas pelas greves gerais de objetivos nacionalistas. Muitas delas, como a Volkswagen, só foram paralisadas pela primeira vez nas greves dos metalúrgicos, em março de 1979.

O movimento sindical e operário que ressurgiu na segunda metade da década de 1970 - depois dos anos de dura repressão e também de transformação econômica que afetou a própria classe operária - apresenta características distintas do sindicalismo da fase janguista. Alguns de seus aspectos já foram apontados anteriormente, mas convém repisar os pontos que nos parecem fundamentais. A base principal do novo sindicalismo está nas grandes e modernas empresas automobilísticas, metalúrgicas, petrolíferas, etc, que empregam milhares de trabalhadores. Os setores de transporte e de serviços (ferrovias, transporte marítimo, docas), que nos primeiros anos da década de 60 constituíram os setores mais ativos do sindicalismo nacionalista, não têm atualmente desempenhado papel de relevo. Ao contrário do passado, observa-se, nas novas correntes sindicais, uma disposição de confiar basicamente na capacidade de organização dos próprios trabalhadores, disposição que marcha paralelamente, senão à desconfiança com relação a outros grupos sociais - políticos, estudantes, intelectuais, etc. - pelo menos ao desejo de resguardar a autonomia da ação operária, separando o nós e o eles, os trabalhadores e os membros de outras classes, ainda que simpáticos às reivindicações dos sindicatos. O contraste com o sindicalismo do período janguista é flagrante. As correntes sindicais daquele período, agrupadas no Comando Geral dos Trabalhadores, procuraram atuar como parte de uma frente política, envolvendo amplos setores da sociedade, no interior da qual as lideranças sindicais procuravam apresentar-se como representantes dos trabalhadores manuais. As atuais correntes sindicais, na verdade, não rejeitam o diálogo com outras forças políticas (MDB, intelectuais, etc), que defendem a democratização e criticam o modelo de desenvolvimento econômico implantado após 64. Porém, embora às vezes se aproximando destas forças, as novas lideranças operárias procuram afirmar sua autonomia e independência, mantendo certo distanciamento critico com relação às tendências politicas vinculadas aos setores das classes médias e altas, que também se opuseram à coligação militar-tecnocrâtica-empresarial.

Há, nas novas tendências sindicais, a valorização de um esforço de mobilização e organização que parte dos próprios trabalhadores de base, que contrasta com as ações desencadeadas de cima, durante o período janguista.

No estudo do conteúdo das orientações político-ideológicas do novo sindicalismo que surgiu em São Paulo e em outras áreas industrializadas, observa-se o declínio da temática nacionalista. De igual modo, a proposta desenvolvimentista, de transformações estruturais da sociedade brasileira, privilegiando a participação do Estado, foi também deixada de lado. A ênfase está sendo posta na autonomia e liberdade sindicais, na democratização do sistema politico como instrumento para a obtenção de demandas de caráter socio-profissional, que atingem os trabalhadores, especificamente enquanto membros de uma classe social determinada. Daí as reivindicações de negociação direta com a classe empresarial, a qual é percebida mais como um adversário a ser pressionado do que como um inimigo a ser eliminado. Na fase janguista, explícita ou implícita na ideologia do CGT estava a idéia da estatização, nos quadros de um projeto de desenvolvimento econômico que via no imperialismo o grande obstáculo ao progresso nacional. As novas correntes sindicais parecem não partilhar dessas mesmas posições, embora obviamente não haja uma valorização da empresa estrangeira.

De modo geral, a predominância da reivindicação nacionalista no interior do movimento sindical implica a hegemonia das reivindicações nacionais (que dizem respeito a múltiplos grupos sociais) sobre as reivindicações sociais de classe. Deste ponto de vista, em contraposição com o sindicalismo anterior a 1964, há um componente de classes no atual movimento operário que é mais forte do que no sindicalismo nacionalista.

Dissemos que o aparecimento destas novas correntes do movimento operário relacionava-se com a expansão e concentração industriais dos dois últimos decênios, mais especificamente com a implantação de grandes e modernas empresas, e a formação de uma camada empresarial (nacional ou estrangeira) mais dinâmica e inovadora.

Não é por acaso que as novas tendências deste militarismo operário estão localizadas nas novas áreas industriais em expansão (ABC Paulista, Jundiaí, Campinas, São José dos Campos, Baixada Santista, etc). Mas a compreensão das características deste novo sindicalismo implica considerar, além das variáveis econômicas e industriais, outros aspectos vinculados com a natureza do sistema político. Depois de 1964, os governos militares cortaram os contatos com os sindicatos. Deste modo, as atuais lideranças sindicais nasceram e se formaram longe do Estado; ao contrário do sindicalismo do período de Goulart, aprenderam a desconfiar das autoridades públicas, a ver no Estado não um aliado, mas um inimigo. No clima de autoritarismo e de marginalização dos sindicatos, compreende-se que, ao contrário do que ocorria no passado, as preocupações democráticas ocupem um lugar de relevo nas reivindicações sindicais. Depois da experiência de quinze anos de regime de exceção, o sentimento antiautoritàrio parece ser uma das tônicas do ressurgimento da movimentação das camadas assalariadas e, de modo geral, de toda a sociedade.

5. PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO SINDICAL

A análise das perspectivas de mudança e evolução do sindicalismo brasileiro implica considerar dois pontos principais: em primeiro lugar, as possibilidades de eliminação ou afrouxamento do controle que o Ministério do Trabalho exerce sobre a organização sindical, sem o que não se pode falar efetivamente em movimento sindical. Caso não ocorra alguma modificação neste aspecto, é claro que toda a presente discussão perde o sentido. Porém, na hipótese de algo que possa ser alterado no sentido de uma maior autonomia dos sindicatos, cabe situar uma segunda indagação: quais as tendências sindicais e as orientações ideológicas que tenderão a predominar nos próximos anos?

Trata-se de uma questão que não possibilita ainda qualquer indicação mais precisa que permita, com alguma segurança, ir além do que já apontamos antes. As mudanças na política brasileira, em direção a um sistema democrático e pluralista, estão apenas se iniciando. As transformações no sistema político, como se afirmou inicialmente, parecem constituir-se numa das variáveis fundamentais para o modelo de sindicalismo e de relações profissionais. Apesar das pressões e indicações no sentido de certas conquistas democráticas, que parecem possibilitar o estabelecimento de um sistema competitivo e pluralista, nada ainda parece consolidado. Por tais razões, parece-nos possível sugerir apenas algumas linhas de evolução do sindicalismo e do sistema de relações profissionais no Brasil.

Do ponto de vista da organização sindical propriamente dita, pensamos que quaisquer que sejam as tendências ideológicas que despontem, a pressão maior dos trabalhadores das grandes e modernas empresas tenderá a atenuar ou, se possível, eliminar os controles governamentais sobre os sindicatos, especialmente os dispositivos legais que permitem a intervenção e a destituição de diretorias, além de outros artigos da CLT que ordenam o modo de funcionamento interno dos sindicatos (sistema de eleição, número de membros das diretorias, etc). Assim, de modo mais concreto, as pressões dos trabalhadores deverão buscar a autonomia da organização sindical face ao Estado e, especialmente, a eliminação das restrições ao direito de greve. Até o momento, o sindicalismo brasileiro esteve definido fundamentalmente em relação ao Estado, que intermediava suas relações com as empresas. Para os próximos anos, nas áreas mais industrializadas, acreditamos que as tendências já existentes no sentido de maior liberdade de negociação tenderão a acentuar-se. Dizemos nas áreas mais industrializadas porque as tendências na direção apontada encontrarão mais possibilidades de consolidação nos lugares de grande concentração operária, em grandes empresas modernas, onde uma classe trabalhadora mais qualificada, profissional e educacionalmente, tem condições de pressionar empresas que podem pagar. Neste sentido, é possível prever-se o aumento das pressões em direção a negociações por empresas, e não por ramo, que é a tendência atualmente predominante no Brasil.

A luta pela negociação coletiva de trabalho, com menor interferência governamental, juntamente com o esforço para segmentar a negociação salarial, mudando o atual sistema que agrupa, do lado patronal, um conjunto dispare de empresas grandes e pequenas, certamente impulsionará algumas tendências operárias no sentido de um sindicalismo associativo, em contraposição a um sindicalismo de classe7 7 Pizzorno distingue um sindicalismo associativo de um sindicalismo de classe. O primeiro tende a representar os seus associados e não os interesses gerais do proletariado. Geralmente, o sindicalismo associativo está organizado com base no local de trabalho. Este tipo de movimento sindical foi mais comum nos países anglo-saxônicos. Por outro lado, o sindicato de classe esforça-se para subordinar as lutas setoriais dos trabalhadores a uma ação geral da classe operária. Este tipo de sindicato tende a organizar-se em bases territoriais. Pizzorno, Alessandro. Fra azione di classe e sistemi corporativi. Osservazioni compárate sulle reppresentanze del lavoro nei paesi capitalistici avanzati. In: Problemi dei movimento sindícale in Italia 19431973. Annali, 1974-75, Fondazione Giangiacono Feltrinelli, 1974-1975, Milano, Feltrinelli, 1976. . Estas tendências deverão ser mais fortes entre as camadas mais qualificadas de operários que se encontram numa situação de mercado de trabalho mais favorável para um confronto direto com o patronato.

Porém, o movimento sindical e as ações operárias nunca se definem unicamente em função de uma situação imediata de trabalho e de relacionamento com o patronato. Já fizemos notar que outros fatores são igualmente importantes na configuração das tendências sindicais. Deste modo, se as condições particulares de um mercado de trabalho mais favorável aos empregados podem eventualmente estimular alguns estratos qualificados de trabalhadores a uma pressão de tipo associativo sobre o patronato, os valores gerais predominantes na cultura operária podem agir em direção a um sindicalismo de classe, Do mesmo modo, certas características do sistema político podem estimular uma ação global da classe operária (em aliança com outras forças políticas e sociais), dirigida para mudanças no sistema de poder. Nestas condições, as tendências na direção de um sindicalismo associativo podem ser sobrepujadas pelos que favorecem um sindicalismo de classe, preocupado com a situação geral dos trabalhadores, subordinando a luta de certas parcelas do proletariado à estratégia geral da ação sindical. De qualquer modo, consideramos que as pressões no sentido de um sindicalismo associativo estarão presentes nos próximos anos.

Talvez um dos maiores obstáculos para a expansão de um exclusivismo profissional entre a classe operária brasileira seja a presença do Estado. O controle governamental sobre a organização sindical e o sistema de relações profissionais impede - ou dificulta - as tendências no sentido do relacionamento direto com as grandes empresas e inibe também as tendências em direção de um exclusivismo profissional, geralmente existente entre os grupos mais qualificados de trabalhadores. Em outros termos: a presença do Estado politiza a ação operária e impõe a todos os grupos de trabalhadores, independentemente do tipo de empresa, um ponto de referência comum. Concretamente, qualquer corrente sindical não pode ignorar a ação governamental. A dificuldade de resistir à interferência estatal (com todo o seu poder repressivo), por meio de formas de luta circunscritas ao plano da empresa, estimula as lideranças sindicais a uma ação de tipo político, mediante a busca de aliança com outras forças.

Para a expansão de um sindicalismo associativo, de tipo anglo-americano, não basta, de um lado, a existência de grandes empresas, de uma classe empresarial dinâmica, capaz de administrar eficientemente a economia, e, de outro lado, uma classe trabalhadora mais reivindicativa, disposta a participar dos benefícios do desenvolvimento econômico. É preciso um clima de liberalismo econômico e de democracia política, condições que claramente não existem entre nós. O papel desempenhado pelo Estado no sistema econômico, seja como maior empregador do País, seja no sentido de controlar o preço da força de trabalho em escala nacional, estimula o desenvolvimento de um sindicalismo que necessita pensar nos problemas gerais da classe trabalhadora e outras camadas assalariadas. Conseqüentemente, o intervencionismo estatal, contraditoriamente, se de um lado age no sentido de manter a classe operária sob a passividade, por meio do controle dos sindicatos, por outro lado é um fator de politização, quando os trabalhadores encontram meios de reivindicação autônoma.

Deste modo, embora em certas regiões mais desenvolvidas, como em São Paulo, existam muitas condições econômicas para a formação de um movimento sindical que se defina mais em relação às empresas, a presença esmagadora do Estado e a estrutura sindical corporativista tendem a impedir que tal orientação possa tornar-se dominante no interior do movimento operário.

6. A ESTRUTURA SINDICAL CORPORATIVISTA

É deste ponto de vista que se coloca a questão da atual estrutura sindical, por meio da qual se efetua o controle do Estado - ou seja, da classe dominante ou de uma parte dela - sobre as classes trabalhadoras. Em termos de uma avaliação das perspectivas do sindicalismo brasileiro, a questão crucial diz respeito à continuidade desta estrutura, diante do reaparecimento da reivindicação operária. Um padrão de relações profissionais, entendido num sentido amplo, não se define apenas em função da ideologia ou das ideologias vigorantes no meio sindical. Cumpre verificar, também, se os sindicatos estão mais orientados para o Estado ou para o patronato privado, se as negociações se processam por ramo industrial ou por empresa, se as vantagens obtidas englobam o conjunto da classe operária ou apenas os trabalhadores sindicalizados, se vigora a unidade ou o pluralismo sindical, etc.

Nesta linha de problemas, uma indicação sobre os rumos futuros pode ser encontrada na analise dos movimentos grevistas de fins da década de 70. O movimento operário reapareceu de dentro do sindicalismo oficial e não de fora dele. As novas lideranças operárias não estão fora da estrutura sindical; as greves não foram conduzidas por organizações paralelas. Assim, o aspecto interessante é que a estrutura sindical oficial é contestada a partir dela mesma. Este fato sugere que o movimento operário emergente orienta-se mais no sentido de reforma da estrutura sindical atual, do que de sua destruição. Se isto acontece, não seria por que essa estrutura apresenta muitos aspectos considerados positivos, ao lado de outros considerados negativos? A existência do sindicato garantida pelo Estado, a obrigatoriedade do reconhecimento, pelos empregadores, da representação profissional dos empregados, para não falar nas garantias legais de proteção do trabalhador, são elementos positivos que tendem a transformar os atuais sindicatos nos canais por onde passa a pressão operária. Todas as últimas grandes greves foram conduzidas pelas lideranças dos sindicatos oficiais. Apenas quando a direção do sindicato se mostrou demasiadamente passiva face à pressão reivindicatória dos trabalhadores é que se viu o aparecimento de organizações paralelas (comissões ou comandos de greves e comitês de empresa). Não é de se excluir a multiplicação de organismos paralelos nos momentos de conflito. Julgamos, contudo, que mais provavelmente as facções de oposição procurarão lutar pelo controle dos sindicatos oficiais em lugar de tentar o seu esvaziamento. A tendência na direção de um sindicalismo paralelo só deverá se fortalecer na medida em que as possibilidades de atuação no interior do sindicalismo oficial se revelarem inexequíveis.

7. O SINDICALISMO DA CLASSE MÉDIA

Até o momento, consideramos apenas o movimento sindical ligado aos trabalhadores manuais. Porém esses últimos anos assistiram ao nascimento, com inesperado vigor, de um sindicalismo que se convencionou chamar de classe média. Não nos referimos apenas aos bancários, de longa tradição sindical, mas também a outras categorias habitualmente pouco reivindicativas, como os servidores públicos, os professores, os médicos e outras profissões liberais.

Trata-se de grupos em processo de perda de status. Deste ponto de vista, o próprio termo sindicalismo de classe média perde parte de seu sentido, pois, em termos salariais, amiúde, as remunerações de alguns destes setores profissionais estão abaixo das que recebem os trabalhadores fabris qualificados, como é o caso de grande parte do funcionalismo público, dos empregados do comércio, dos professores do ensino elementar, dos bancários, etc.

No caso dos profissionais liberais (como médicos, engenheiros, advogados, arquitetos, psicólogos, sociólogos, etc), não só ocorreu um processo de assalarização destes profissionais, como houve, no interior do próprio grupo, forte diferenciação social em que alguns profissionais de grande prestígio passaram a auferir rendimentos que os incorporam à classe rica, enquanto outros de seus colegas baixaram na escala social. No caso dos funcionários públicos, acompanhando a marcha da modernização, mais e mais empregados do Estado passaram a ter suas relações de trabalhos regidas pela CLT, desaparecendo certos benefícios e privilégios estamentais que caracterizavam o antigo funcionalismo público.

Surgiu, assim, um movimento associativo novo, freqüentemente fora do controle do Ministério do Trabalho, uma vez que, em numerosos casos, as organizações representativas não são consideradas como sindicatos. Para estas novas categorias do setor terciário é fácil prognosticar um rápido desenvolvimento do movimento associativo. Os fatores que propiciaram a emergência deste tipo de sindicalismo, que se diferencia do clássico sindicalismo de trabalhadores manuais, devem se acentuar no futuro. Não há, presentemente, indícios de que as atuais tendências nesta direção possam ser revertidas, devendo prosseguir a assalarização dos profissionais liberais, e sua crescente estratificação interna.

8. AS ORIENTAÇÕES IDEOLÓGICAS

Já dissemos que, considerando unicamente o meio técnico-industrial e a situação imediata de trabalho, muitas condições existem para um tipo de orientação sindical mais à americana. É possível notar, especialmente entre o sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo, a existência de um voluntarismo operário, que desconfia dos políticos e do costumeiro paternalismo das classes médias e altas, quer esse paternalismo apareça na sua roupagem mais característica do populismo, quer apareça com uma retórica de esquerda. Este voluntarismo operário que desconfia do Estado, que consta basicamente da capacidade de luta sindical dos próprios trabalhadores (e não da ação política de um partido), que pretende manter as formas puras do conflito de classe, esteve presente não só no anarcosindicalismo, mas também no sindicalismo da American Federation of Labor e do Congress of Industrial Organization. Geralmente, estes aspectos não são destacados na atuação dos sindicatos americanos, pois a atenção tende a se concentrar nos elementos valorativos que envolvem sua ação (falta de ideologia socialista, aceitação do sistema de valores dominantes, etc.).

Pode-se perceber também entre nós indicação desse tipo de orientação de valorização da autonomia reivindicatória dos sindicatos e das ações de base, assim como a afirmação da diferenciação entre os trabalhadores e os outros elementos das classes média e alta. Há traços deste tipo de obreirismo entre os trabalhadores das modernas e dinâmicas indústrias que surgiram nestes dois últimos decênios. Porém, a última greve dos metalúrgicos do ABC mostrou a dificuldade de se circunscrever o conflito a uma relação de forças entre os operários e as empresas. A atuação do Ministério do Trabalho (intervindo nos sindicatos, destituindo as diretorias), a tomada de posição dos poderes públicos ao lado do patronato (reprimindo os piquetes, aquartelando tropas no recinto das próprias empresas, interditando os locais de reunião dos grevistas) promoveram a entrada de outras forças no conflito ao lado dos trabalhadores (igreja, políticos da Oposição, administração local, intelectuais, etc). Parece claro que mesmo as frações mais fortes da classe trabalhadora, mais ciosas de sua autonomia, não podem prescindir de certas alianças quando de um confronto de maior envergadura com o patronato apoiado pelo Estado.

Neste contexto, o desenvolvimento de um sindicalismo puro parece difícil de ocorrer, enquanto o governo identificar os interesses econômicos privados com os interesses públicos. Os trabalhadores tenderão a algum tipo de aliança política mais ampla. Ideologicamente, a natureza desta aliança não parece clara. Uma orientação revolucionária por parte dos trabalhadores, nas áreas mais desenvolvidas do país, dificilmente poderá consolidar-se, apesar do esforço de alguns grupos minoritários para influenciar a classe operária nesta direção. Ocorre que os setores sindicalmente mais ativos não são os párias do sistema, mas sim trabalhadores qualificados, mais estáveis no emprego, com salários elevados que, em muitos casos, são superiores aos salários de categorias profissionais habitualmente incluídas nas classes médias. Nas indústrias mais avançadas, uma parcela minoritária, mas importante, de trabalhadores qualificados tem um padrão de vida e de consumo equivalentes a muitos estratos intermediários da sociedade.

Além disso, não são camadas declinantes do ponto de vista salarial ou em processo de perda de status ou prestígio. O avanço do capitalismo industrial só faz aumentar sua importância política e social. Trata-se de uma situação inversa à de muitos estratos de classe média. Estamos longe das condições da industrialização do século XIX, que propiciaram o aparecimento de ideologias revolucionárias entre o proletariado e um sindicalismo anticapitalista. Desta maneira, considerando que são pouco prováveis tanto a predominância de um sindicalismo puro, como de um "sindicalismo revolucionário" no conjunto do movimento operário brasileiro, pensamos que a hipótese mais provável favorece o fortalecimento de tendências de tipo reformista (trabalhista, católico ou socialista).

Na verdade, o ressurgimento do nacional-populismo não parece inteiramente excluído. Pensamos mesmo que as camadas mais pobres da classe trabalhadora, que continuam politicamente disponíveis, poderiam, eventualmente, servir de base social para uma mobilização deste tipo. Contudo, é de se acreditar que uma orientação política de tipo neopopulista encontre mais dificuldade para surgir no interior do movimento sindical organizado e entre as camadas operárias mais qualificadas e estáveis no emprego.

A generalidade dessas observações salta aos olhos, mas a própria fluidez da situação econômica e política de países em vias de industrialização, com grande disparidades regionais, como o Brasil, impede prognósticos mais precisos. O País apresenta situações típicas de países com alto nível de industrialização, ao lado de outras características dos níveis mais baixos de desenvolvimento. As conseqüências dessa situação sobre o sindicalismo e as relações profissionais (aspecto particular das relações entre as classes) são difíceis de serem avaliadas. Quando se considera a presença de grandes e modernas empresas, a crescente concentração fabril, a formação da classe média e de um proletariado industrial, a existência de uma nova classe empresarial (nacional ou estrangeira), os prognósticos apontam na direção de desenvolvimento de um padrão de relações de trabalho semelhante àquele que se observa nos países desenvolvidos. Mais especificamente, seria de se esperar o fortalecimento do movimento sindical, sua implantação no interior das grandes fábricas, ao lado de maior autonomia de negociação entre sindicatos e empresas. Em outras palavras: seria de se esperar o enfraquecimento e talvez mesmo o rompimento do padrão corporativista de relações de trabalho e de organização das classes trabalhadoras e patronais sob a tutela estatal.

Mas, por outro lado, quando atentamos para o imenso mar de subdesenvolvimento, para o enorme peso do aparelho burocrático, para a miséria, para a desigualdade social, para a tradição autoritária, somos levados a considerar a possibilidade da continuidade do aparato corporativo, com suas funções desmobilizadoras, e as contrapartidas do nacional-populismo, do nacionalismo revolucionário, ou algo que, pelo estilo, situe uma problemática geral de transformação social.

Não pensamos, porém, que tais alternativas tenham mais probabilidades de aparecer no interior da classe operária industrial, embora possam afetar os rumos do sindicalismo. Olhando a questão da perspectiva do movimento sindical, parece que as probabilidades maiores vão em direção da expansão e do fortalecimento de tendências reformistas moderadas, do tipo social-democrata, trabalhista ou católico. Naturalmente, esta afirmação não exclui a existência de correntes radicais, minoritárias, mas capazes de afetar, de fora, nos momentos de conflito e mobilização, as atitudes e comportamentos operários. É difícil, porém, que tais correntes possam ter um papel relevante no conjunto do sindicalismo, se a expansão econômica e a abertura política prosseguirem.

  • 1

    Há uma

    lógica do desenvolvimento dos sistemas de relações profissionais que depende de um conjunto de fatores exteriores à ação dos empregadores e empregados. Começando com um sistema de relações de trabalho de tipo

    camponês-senhor - na conceituação de R. Cox - é possível passar para um

    sistema de pequena indústria, quando aparecem as primeiras organizações sindicais e um proletariado urbano. A partir dai, historicamente, muitas opções em termos de relações de trabalho são possíveis, tais como:

    sistemas mobilizadores, corporativistas-burocráticos, de

    contrato de trabalho vitalício e

    bipartite. Para maiores informações, veja Cox, Robert. Esquisse d'une futurologie des relations professionalles,

    Bulletin, Institut International d'Études Sociales, n. 8,1971.

  • 2

    É impossível dizer, ao longo da história, se a intervenção do Ministério do Trabalho na esfera das relações profissionais, em termos de

    benefícios materiais, favoreceu mais aos empresários ou aos empregados, uma vez que a ação estatal não foi apenas de cunho repressivo, mas também garantiu um conjunto de vantagens sociais aos assalariados. De fato, houve ocasiões em que as forças politicas nacionalistas ou populistas, por meio do controle do governo federal, concederam ao conjunto dos trabalhadores assalariados vantagens que, possivelmente, só uma ou outra categoria sindical estivesse em condições de obter por suas próprias forças, num conflito direto com o patronato. Outras vezes, a politica governamental favoreceu as camadas empresariais e a subordinação dos sindicatos ao Estado serviu para manietar os trabalhadores, especialmente os daqueles setores em que as possibilidades de reivindicação autônoma eram maiores.

  • 3

    Observa Reynaud que um acontecimento econômico só é determinante, no campo do desenvolvimento das relações de trabalho, pelos acontecimentos

    políticos que desencadeia. Assim, no caso europeu, acontecimentos politicos difíceis de serem previstos, tais como a ascensão do nazismo na Alemanha e a vitória da Frente Popular na França, tiveram conseqüências mais profundas sobre o sistema de relações "profissionistas" do que, por exemplo, a grande crise econômica de 1929. Reynaud, J.D. L'Avenir des relations professione)les en Europe occidentale: perspectives et hypothèse.

    Bulletin, Institut International d'Études Sociales. (4): 76-77, fév. 1968.

  • 4

    Além do sistema politico, o regime de propriedade (privada ou estatal) é um elemento essencial na determinação das características do sindicalismo. Em todos os países em que vigora a propriedade estatal dos principais meios de produção, os sindicatos perderam suas funções de reivindicação e defesa dos assalariados, para servir como elementos auxiliares da produção e da gerência das empresas estatais. É difícil dizer se estes traços particulares da instituição sindical nos países ditos socialistas poderiam ser diferentes se fossem outras as peculiaridades de seus sistemas políticos, isto é, se não se tratasse de sistemas de partido único monolítico. Outro ponto a ser considerado é o do planejamento estatal centralizado que, nos quadros do estadismo, elimina a possibilidade de barganha sobre o preço da força de trabalho no mercado. Indo mais além, caberia ainda outra indagação a respeito das vinculações entre o regime de propriedade estatal e o sistema politico. Em outras palavras: os aspectos do sistema político - como vemos hoje na URSS, China e outras democracias populares - podem ser considerados

    intrínsecos à natureza de seus sistemas econômicos, a fatores conjunturais, ou correspondem ainda a uma etapa de seu desenvolvimento? Contudo, a discussão desses aspectos (de extrema importância, aliás) escapa ao âmbito deste artigo.

  • 5

    A história do sindicalismo mostra muitas variações das atitudes, valores e ideologias operárias no interior de sistemas políticos democráticos. Assim, por exemplo, a fraqueza das correntes socialistas no interior do movimento sindical norte-americano; a predominância do reformismo na Grã-Bretanha; a influência social-democrata nos países escandinavos; a hegemonia dos comunistas no interior do sindicalismo de países como a França ou a Itália; etc. Parece claro que, além da variável

    sistema político, outros elementos relacionados a estrutura de classes, valores, situação do mercado de trabalho, etc. devem ser levados em conta.

  • 6

    Os estudos minuciosos de Régis de Castro Andrada sobre a evolução da curva de greve nas empresas privadas e nas empresas estatais (ou de preços controlados pelo Estado) mostram claramente o rápido aumento da taxa de greve nestas empresas, em comparação com o setor privado. Percebe-se também o declínio relativo das greves em São Paulo. Veja Andrada, Régis de Castro.

    Movimento trabalhista e sindicatos sob o nacional-populismo no Brasil. São Paulo, jun. 1974. mimeogr. e

    Alguns resultados da análise das características gerais do movimento trabalhista no trienio 1961-1963. São Paulo, 1973, mimeogr.

  • 7

    Pizzorno distingue um

    sindicalismo associativo de um

    sindicalismo de classe. O primeiro tende a representar os seus associados e não os

    interesses gerais do proletariado. Geralmente, o

    sindicalismo associativo está organizado com base no local de trabalho. Este tipo de movimento sindical foi mais comum nos países anglo-saxônicos. Por outro lado, o

    sindicato de classe esforça-se para subordinar as lutas setoriais dos trabalhadores a uma ação geral da classe operária. Este tipo de sindicato tende a organizar-se em bases territoriais. Pizzorno, Alessandro. Fra azione di classe e sistemi corporativi. Osservazioni compárate sulle reppresentanze del lavoro nei paesi capitalistici avanzati. In: Problemi dei movimento sindícale in Italia 19431973.

    Annali, 1974-75, Fondazione Giangiacono Feltrinelli, 1974-1975, Milano, Feltrinelli, 1976.

  • 1 Há uma lógica do desenvolvimento dos sistemas de relações profissionais que depende de um conjunto de fatores exteriores à ação dos empregadores e empregados. Começando com um sistema de relações de trabalho de tipo camponês-senhor - na conceituação de R. Cox - é possível passar para um sistema de pequena indústria, quando aparecem as primeiras organizações sindicais e um proletariado urbano. A partir dai, historicamente, muitas opções em termos de relações de trabalho são possíveis, tais como: sistemas mobilizadores, corporativistas-burocráticos, de contrato de trabalho vitalício e bipartite. Para maiores informações, veja Cox, Robert. Esquisse d'une futurologie des relations professionalles, Bulletin, Institut International d'Études Sociales, n. 8,1971. 2 É impossível dizer, ao longo da história, se a intervenção do Ministério do Trabalho na esfera das relações profissionais, em termos de benefícios materiais, favoreceu mais aos empresários ou aos empregados, uma vez que a ação estatal não foi apenas de cunho repressivo, mas também garantiu um conjunto de vantagens sociais aos assalariados. De fato, houve ocasiões em que as forças politicas nacionalistas ou populistas, por meio do controle do governo federal, concederam ao conjunto dos trabalhadores assalariados vantagens que, possivelmente, só uma ou outra categoria sindical estivesse em condições de obter por suas próprias forças, num conflito direto com o patronato. Outras vezes, a politica governamental favoreceu as camadas empresariais e a subordinação dos sindicatos ao Estado serviu para manietar os trabalhadores, especialmente os daqueles setores em que as possibilidades de reivindicação autônoma eram maiores. 3 Observa Reynaud que um acontecimento econômico só é determinante, no campo do desenvolvimento das relações de trabalho, pelos acontecimentos políticos que desencadeia. Assim, no caso europeu, acontecimentos politicos difíceis de serem previstos, tais como a ascensão do nazismo na Alemanha e a vitória da Frente Popular na França, tiveram conseqüências mais profundas sobre o sistema de relações "profissionistas" do que, por exemplo, a grande crise econômica de 1929. Reynaud, J.D. L'Avenir des relations professione)les en Europe occidentale: perspectives et hypothèse. Bulletin, Institut International d'Études Sociales. (4): 76-77, fév. 1968. 4 Além do sistema politico, o regime de propriedade (privada ou estatal) é um elemento essencial na determinação das características do sindicalismo. Em todos os países em que vigora a propriedade estatal dos principais meios de produção, os sindicatos perderam suas funções de reivindicação e defesa dos assalariados, para servir como elementos auxiliares da produção e da gerência das empresas estatais. É difícil dizer se estes traços particulares da instituição sindical nos países ditos socialistas poderiam ser diferentes se fossem outras as peculiaridades de seus sistemas políticos, isto é, se não se tratasse de sistemas de partido único monolítico. Outro ponto a ser considerado é o do planejamento estatal centralizado que, nos quadros do estadismo, elimina a possibilidade de barganha sobre o preço da força de trabalho no mercado. Indo mais além, caberia ainda outra indagação a respeito das vinculações entre o regime de propriedade estatal e o sistema politico. Em outras palavras: os aspectos do sistema político - como vemos hoje na URSS, China e outras democracias populares - podem ser considerados intrínsecos à natureza de seus sistemas econômicos, a fatores conjunturais, ou correspondem ainda a uma etapa de seu desenvolvimento? Contudo, a discussão desses aspectos (de extrema importância, aliás) escapa ao âmbito deste artigo. 5 A história do sindicalismo mostra muitas variações das atitudes, valores e ideologias operárias no interior de sistemas políticos democráticos. Assim, por exemplo, a fraqueza das correntes socialistas no interior do movimento sindical norte-americano; a predominância do reformismo na Grã-Bretanha; a influência social-democrata nos países escandinavos; a hegemonia dos comunistas no interior do sindicalismo de países como a França ou a Itália; etc. Parece claro que, além da variável sistema político, outros elementos relacionados a estrutura de classes, valores, situação do mercado de trabalho, etc. devem ser levados em conta. 6 Os estudos minuciosos de Régis de Castro Andrada sobre a evolução da curva de greve nas empresas privadas e nas empresas estatais (ou de preços controlados pelo Estado) mostram claramente o rápido aumento da taxa de greve nestas empresas, em comparação com o setor privado. Percebe-se também o declínio relativo das greves em São Paulo. Veja Andrada, Régis de Castro. Movimento trabalhista e sindicatos sob o nacional-populismo no Brasil. São Paulo, jun. 1974. mimeogr. e Alguns resultados da análise das características gerais do movimento trabalhista no trienio 1961-1963. São Paulo, 1973, mimeogr. 7 Pizzorno distingue um sindicalismo associativo de um sindicalismo de classe. O primeiro tende a representar os seus associados e não os interesses gerais do proletariado. Geralmente, o sindicalismo associativo está organizado com base no local de trabalho. Este tipo de movimento sindical foi mais comum nos países anglo-saxônicos. Por outro lado, o sindicato de classe esforça-se para subordinar as lutas setoriais dos trabalhadores a uma ação geral da classe operária. Este tipo de sindicato tende a organizar-se em bases territoriais. Pizzorno, Alessandro. Fra azione di classe e sistemi corporativi. Osservazioni compárate sulle reppresentanze del lavoro nei paesi capitalistici avanzati. In: Problemi dei movimento sindícale in Italia 19431973. Annali, 1974-75, Fondazione Giangiacono Feltrinelli, 1974-1975, Milano, Feltrinelli, 1976.

    Quais foram os problemas dos operários com o aparecimento do movimento sindical?

    O trabalho era insalubre, os acidentes frequentes, bem como as punições, inclusive físicas, aos trabalhadores considerados desordeiros e pouco produtivos.

    Qual o objetivo do sindicalismo no movimento operário?

    O objetivo principal do sindicalismo é a melhora das condições de vida da classe operária. Porém, o papel dos sindicalistas difere do dos operários, já que eles não trabalham nas fábricas e nem são ameaçados pelo desemprego. Eles são como um advogado, pois estão ali para defender os interesses dos trabalhadores.

    Como estava a relação entre Vargas e os operários e sindicatos?

    Para que o corporativismo fosse viável, Getúlio Vargas assumia a função de árbitro entre o interesse desses grupos sociais. Compondo a maioria, os trabalhadores teriam suas atividades políticas e sindicais controladas pelas leis governamentais.

    Qual a importância do movimento operário sindical em relação dos direitos trabalhistas?

    Lutando por novos direitos para cada categoria ou debatendo questões mais amplas da sociedade pelo viés de quem trabalha, os sindicatos marcaram a história do país com conquistas que vão da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) até a recente política de valorização do salário mínimo.

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