A defesa de amar a si mesmo

Se você visse Atlas, o gigante que sustenta o mundo em seus ombros, o sangue escorrendo em seu peito, os joelhos temendo, porém, ainda tentando sustentar o mundo com suas últimas forças. E se quanto mais ele se esforça, mais pesado fica o mundo sobre seus ombros? O que você lhe diria?

O objetivo do RPM é incentivar a leitura dos livros resenhados – qual afirmo valer a pena enfrentar tantas páginas –, então não focarei na narrativa da ficção e sim nos conceitos. O texto é agradável e envolvente, me deixou atônito em diversas passagens e a fácil compreensão do que está escrito faz as páginas serem rapidamente consumidas. É raro escrever sobre conceitos filosóficos d’uma ficção, mas Rand descreve na obra sua defesa da razão e incorpora nos personagens os fundamentos do indivíduo como um ser heroico, responsável pela própria felicidade.

Apesar do alerta de não-spoiler, é importante entender o contexto da história: no cenário de tempo incerto, sem internet e os países se tornaram Repúblicas Populares. No EUA – último território capitalista do mundo – Hank Rearden consegue criar um novo metal: mais barato e mais resistente que o aço. Sua principal cliente é Dagny Taggart que pretende utilizar o metal Rearden na construção de uma rodovia. Porém, n’um mundo que impera o coletivismo e as pessoas desejam o bem comum, eles são obrigados a enfrentar o governo, o planejamento centralizado e as distorções econômicas causadas em nome da justiça social. A cada entrave superado pelos empreendedores, outro é criado pelos burocratas. Os coletivistas controlam as pessoas através da aclamada obrigação moral: priorizar o bem-estar social é dever de todos, sendo necessário sacrificar o lucro dos ricos em detrimentos dos pobres – que ficam cada vez mais pobres conforme os ricos vão deixando de existir. Não há mérito em produzir para benefício próprio, porque essa é uma atitude egoísta. Não existe certo ou errado e todos os humanos são iguais em valor. Quem é John Galt?

A autora defende o indivíduo como um fim em si próprio, i.e, sua única obrigação moral é consigo mesmo. Nos é ensinado que pensar de tal é forma é ruim, porque o homem é um animal social que coopera com os demais para atingir ideais mais elevados. Mas quando recorremos razão, percebemos que o único caminho para a felicidade é através de si mesmo. É impossível tornar outra pessoa feliz. O amor-próprio – amar a si mesmo e a vida que se está vivendo – é o cerne da existência e o alicerce da felicidade. Por mais que você ame alguém, seu amor não irá se tornar felicidade se a pessoa amada não estiver satisfeita com a sua própria existência. Há quem discorde alegando a irracionalidade dos sentimentos; Rand responde:

A felicidade não se atinge por meio de caprichos emocionais. Ela não é a satisfação de todo e qualquer desejo irracional que vocês tentem satisfazer às cegas. Felicidade é um estado de alegria não contraditória – uma alegria sem castigo nem culpa, que não entra em conflito com nenhum dos seus valores e não contribui para sua própria destruição -, não o prazer proporcionado pela fuga da sua consciência, e sim pela utilização plena dessa consciência.

Se a natureza do homem é individualista, as trocas voluntárias permitem a cada um ser capaz de atingir seus fins – por mais egoístas que estes sejam – sem agredir a liberdade de terceiros. A cooperação surge para benefício mútuo e não da piedade. É imoral culpar quem têm mais dinheiro pela miséria de outras pessoas. Quando se enriquece de forma honesta significa que seus esforços foram valiosos para outras pessoas e, por isto, a produtividade é a quintessência dos valores aceitos pelos bons homens. Quando certo personagem alega “o dinheiro é a origem do mal”, ele é confrontado por um discurso do herói em defesa de quem gera valor.

O dinheiro exige o reconhecimento de que os homens precisam trabalhar em benefício próprio, não em detrimento de si próprio. [...] De que os homens não são bestas de carga, que nascem para arcar com o ônus da miséria. [...] O dinheiro exige que o senhor venda não a sua fraqueza à estupidez humana, mas o seu talento.

Aqueles que abominam a riqueza estão corrompidos em si próprios porque o dinheiro é um intermediário para a realização dos nossos desejos. Se nossos objetivos são justos, não convém amaldiçoar o mecanismo que os torna possível. Alguém espirituoso enxergará a beleza do capitalismo, enquanto quem o repudia deve repensar sua visão acerca dele. Coletivistas pautam sua moralidade no sacrifício de terceiros em prol da necessidade; exigem que se sustente os menos capazes. Não entendem que a origem do dinheiro é a geração de valor e esta advém do trabalho.

Quando o dinheiro não era utilizado pelos homens em prol dos seus fins, suas opções eram as armas e a escravidão. Sobressaiam os mais violentos, não os mais produtivos. Apenas o sistema capitalista nos concedeu o direito de sermos donos de nós mesmos.

O livro clama aos empreendedores que se perdoem e não aceitem as obrigações morais que tais filosofias distorcidas pregam – seu trabalho lhe pertence e a felicidade alheia não deve ser um fardo. Governos e ideólogos atribuem a vida de muitos como responsabilidade de terceiros, mas isso depende de aceitarmos seu código moral. Não aceitem; A Revolta de Atlas é a greve dos responsáveis pelas coisas valiosas que há no mundo contra aqueles que desejam parasitar o seu trabalho.

É um mal ter sucesso, já que os fortes triunfam em detrimento dos fracos? Não mais fazemos os fracos arcarem com o ônus de nossa ambição – agora podem prosperar livremente sem nós. É mau ser empregador? Não oferecemos mais empregos.

Atlas são os pagadores de impostos que sustentam essa estrutura parasitária que atribui aos seres humanos o ônus do mundo. Somos nós que estamos sangrando devido ao peso das obrigações indevidamente impostas aos indivíduos. Pagamos pelas armas que são usadas por quem está nos destruindo.

Ao Atlas eu diria:

Revolte-se.

Não aceite que lhe imponham o peso do mundo. Liberte-se, busque sua felicidade. Quem é John Galt? Vale a pena descobrir no livro.