Como alguns povos indígenas brasileiros entendem os astros e os fenômenos que podem ver no céu?

Ciclos celestes demarcavam tempo do plantio e da colheita

Desde tempos pré-históricos, os astros do céu despertaram a atração dos seres humanos. A descoberta de que era possível se orientar por eles – tanto para o deslocamento quando para a agricultura – deu o impulso inicial à astronomia, que se desenvolveu e sofisticou até chegarmos a atual era dos satélites artificiais e telescópios como o Hubble. Muito antes disso, porém, o conhecimento das estrelas e dos movimentos celestes interessava ao homem primitivo no mundo inteiro, o que inclui, é claro, o território que hoje abriga nosso país.

“Como em todo lugar, os índios brasileiros também desenvolveram um conhecimento astronômico”, afirma o pesquisador Luiz Galdino, que recentemente lançou o livro “A astronomia indígena”, pela Editora Nova Alexandria. Galdino, 72, tem formação em Artes e se dedica ao estudo da Pré-História brasileira, em especial da arte rupestre pré-histórica de nosso país, há mais de 30 anos.

No decorrer de suas pesquisas, percebeu que “algumas pinturas e gravuras correspondiam a registros de observações celestes” e enveredou pela arqueoastronomia, que é, como ele explica, “a disciplina, que nos permite conhecer, hoje, os primórdios da astronomia, através da pesquisa arqueológica”. Sobre esse curioso tema, ele concedeu a seguinte entrevista ao UOL Educação.

Como se desenvolveu a astronomia entre os seres humanos pré-históricos?

“O primeiro passo do homem no interesse pelos céus e pelos astros decorreu da percepção de que os ciclos da natureza à sua volta correspondiam a ciclos celestes. Quando ainda estava na fase da caça e da coleta, o homem se apercebeu de que, embora a natureza à sua volta se renovasse constantemente, o céu sempre mostrava os mesmos elementos: estrelas e constelações de aparição cíclica. Com o advento da agricultura, a identificação desses ciclos se tornaria fundamental”.

Você pode dar um exemplo que ajude a compreender isso melhor?

Na Bahia, por exemplo, quando as Plêiades surgiam no firmamento, por volta de junho, os primitivos habitantes da região sabiam que logo viriam as chuvas e eles começariam a plantar. O desaparecimento dessas estrelas, ao contrário, coincidia com a estação da seca, quando tinha lugar a colheita. Desse modo, os povos dali podiam contar com um perfeito calendário que, em vez do sol ou da lua, tinha por base o movimento daquela constelação.

Para o leigo, à simples observação das imagens, as pinturas rupestres que compõem este álbum do UOL Educação podem não parecer necessariamente um material de caráter astronômico. Com base em quê se pode afirmar isso?

Nos casos de estrelas e constelações, basta sobrepor um mapa daquele segmento de céu sobre o desenho pintado ou gravado
na pedra e teremos a exata figura que corresponde a ela. Mas é principalmente através dos 'equipamentos' criados pelos indios,
os vários tipos de observatórios primitivos, destinados a demarcar o surgimento do sol nos solstícios, que o propósito astronômico se comprova.

Como funcionam esses observatórios?

“O tipo mais primitivo é aquele em que o Sol atravessa um furo ou janela abertos na parede de uma gruta, invade o interior de um recinto contíguo e vai iluminar um marco, figura pintada ou gravada intencionalmente no ponto que coincide com aquele atingido pelo primeiro sol de inverno ou de verão. Outro tipo bastante comum é composto de pilares de pedra levantados verticalmente no campo, a espaços regulares, compostos de três, seis, doze ou até mais pilares, de modo que fixando os olhos na altura do primeiro pilar, geralmente o mais alto, é possível acompanhar a subida do sol pela cumeada dos pilares, demarcando o momento em que ele nasce no primeiro dia do inverno.”

Há muitos observatórios como esses no Brasil?

Observatórios do primeiro tipo podem ser vistos no Parque Nacional de Sete Cidades, no Piauí; e na região dos municípios de Central e Xique-Xique, a noroeste da Chapada Diamantina, na Bahia. Os pilares, sempre feito de pedras toscas, mostram-se mais correntes no centro-oeste do Paraná e Santa Catarina. O célebre etnólogo alemão Curt Nimuendaju descobriu e estudou vários alinhamentos, inclusive círculos de pedra, de dimensões maiores, na década de 1920, no Amapá.

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Criado em 24/02/16 19h00 e atualizado em 25/02/16 14h50
Por Leyberson Pedrosa Edição:Amanda Cieglinski Fonte:Portal EBC

Olhar para o céu sempre aguçou a imaginação dos povos. O ocidente se acostumou às constelações criadas na Grécia Antiga a partir da junção de estrelas: Áries, Capricórnio, Leão, Escorpião e muitas outras. Usadas na astronomia e na astrologia, essas constelações ocidentais não são unanimidade

Povos indígenas de todo o mundo - do Egito à América, sempre utilizaram as estrelas como uma espécie de agenda do clima e como bússola para orientação. Normalmente associadas aos rituais das tribos, as constelações indígenas foram fundamentais para a sobrevivência de diferentes etnias.

Mito ou astronomia? Saiba como os indígenas veem as constelações:

“As constelações são usadas durante todo o ano. Algumas tem finalidades religiosas, outras são mais por curiosidade, mas elas servem, principalmente, como calendário agrícola”, explica Germano Afonso, pós-doutor em etnoastronomia e que já mapeou mais de 100 constelações indígenas Tupi-Guarani. As flutuações sazonais indicadas pelas constelações influenciam no período da pesca, caça, plantio e colheita. Cada imagem formada no céu permitia aos índios identificar que uma nova estação do ano estava por vir.

O astrônomo explica que, ao saberem do inverno, os indígenas poderiam garantir sobrevivência das crianças indígenas e dos índios mais vulneráveis. As tribos planejavam qual era o melhor momento para plantar, caçar, pesçar e até para engravidar. Afinal, uma criança que nascesse no inverno (Constelação da Ema) teria poucas chances de vencer as adversidades climáticas.

Para conhecer mais sobre a cosmologia indígena, detalhamos a Constelação do Homem Velho (Verão), do Cervo (Outono), Anta do Norte e Colibri (Primavera) e, por último, a da Ema (Inverno). Todas são relacionadas aos Tupi-Guarani.

  • Mito
  • Posição
  • Estação do ano
  • Indicação climática

Como alguns povos indígenas brasileiros entendem os astros e os fenômenos que podem ver no céu?
O missionário francês Claude d'Abbeville publicou em 1614 que “Tuivaé, Homem Velho, é como chamam outra constelação formada de muitas estrelas, semelhante a um homem velho pegando um bastão”, a partir de relatos indígenas brasileiros

Representa um homem cuja esposa estava interessada no seu irmão. Para ficar com o cunhado, a esposa matou o marido, cortando-lhe a perna. Os deuses ficaram com pena do marido e o transformaram em constelação.

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Como alguns povos indígenas brasileiros entendem os astros e os fenômenos que podem ver no céu?
Como fica totalmente dentro da Via Láctea (chamada pelos indígenas de Caminho da Anta), é chamada de Anta do Norte pois há outras constelações com nome de anta na astronomia Tupi-Guarani.

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Como alguns povos indígenas brasileiros entendem os astros e os fenômenos que podem ver no céu?
Os Tupinambá no Maranhão afirmavam que a ema procura devorar duas outras estrelas que ficavam perto do bico da ave. Quando Claude D'Abbeville entrevistou a tribo em 1612, ele chamou a constelação de Avestruz Americana. Mas como não havia avestruz no Brasil, a ave passou a ser chamada de ema.

O valor da mitologia como método de aprendizado

Assim como os gregos, os indígenas sempre valorizaram o papel da mitologia em sua cultura, a começar pela relação com o sol. “Para nós, o sol e a lua são irmãos gêmeos que deram origem de tudo. É o princípio de tudo, assim temos que conhecer a origem, que é o mito do sol e da lua”, comenta Kerexu Yxapyry (Eunice Antunes), líder indígena da etnia Mbiá Guarani, que vive no Sul do país.  

Conheça o mito do Sol e da Lua durante o eclipse lunar total nesse vídeo*:

 

As histórias envoltas de cada constelação tinham um papel pedagógico para que as crianças indígenas se interessassem pelas constelações. “De todas, eu gosto mais da Ema, que significa a ave da sabedoria. A partir dela, temos conhecimento de todas as outras constelações”, destaca Kerexú.

De acordo com o mito, a Ema no céu quer devorar duas outras estrelas que ficam em frente a seu bico. Além disso, o Cruzeiro do Sul é responsável por segurar a cabeça da ave que, uma vez solta, poderia beber toda a água da Terra.

O que aconteceria com a Ema sem o Cruzeiro do Sul? Saiba a resposta no vídeo*:

Seja ao amanhecer ou ao anoitecer, os povos indígenas buscam manter uma relação cotidiana com o céu. “No dia a dia, quando vamos fazer o nosso ritual à tarde, a gente se orienta muito pelo Cruzeiro do Sul”, conta Kerexu.

De acordo com o astrônomo Germano Afonso, os indígenas não separam o céu da Terra e muito menos a fé da ciência. Para os indíos, tudo que eles fazem tem algum tipo de aplicação prática. “Quando o ser humano parou de ser nômade, eles precisaram cultivar e, pra isso,  tinham que ter uma agenda. Então, eles olhavam para o céu e faziam as coisas na Terra”,  relaciona o astrônomo.  

Contudo, Afonso alerta que, devido à globalização, esse saber corre o risco de se perder em pouco tempo. Afonso destaca como uma das causas a diminuição do interesse das novas gerações indígenas em relação ao conhecimento que os mais antigos mantém sobre o céu.

Na visão de Kerexu, a transmissão das informações astronômicas depende muito do local em que os jovens estão. "Quando a criança é criada em uma aldeia, ela recebe o conhecimento e não esquece. Mas quando moram fora e veem apenas outros conteúdos didáticos, elas perdem essa parte, sim", compara.

Primeiros estudos no Brasil

Por volta de 1612, o missionário capuchinho francês Claude d’Abbeville acompanhou os indígenas Tupinambá do Maranhão e registrou 30 constelações conhecidas pelos indígenas da ilha (São Luís do Maranhão). Essas informações foram publicadas no livro “Histoire de la Mission de Pères Capucins en l’Isle de Maragnan et terres circonvoisins” em 1964 na cidade de Paris e é considerado umas das mais importantes fontes da etnografia dos Tupi.

A partir desses dados, Germano Afonso conseguiu encontrar semelhanças entre as constelações conhecidas pelos índios da América do Sul e pelos aborígenes australianos.  Até hoje, indígenas de várias regiões brasileiras também reconhecem a maioria das constelações  descritas pelos Tupinambá (extintos) ao missionário frânces.

*Trechos do documentário Cuaracy Ra’Angaba – O céu Tupi Guarani, dirigido por Lara Velho e Germano Bruno Afonso.

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Creative Commons - CC BY 3.0

Como os povos indígenas brasileiros entendem os astros e os fenômenos que podem ver no céu?

Nas culturas indígenas, os astros estão organicamente associados, de uma parte, a determinados fenômenos naturais e, de outra, a fenômenos sócio-econômicos. Para melhor entender e visualizar os sistemas celestes desenvolvidos pelos que observam o céu, foram elaboradas Cartas Celestes.

Como os povos indígenas observavam o céu?

Povos como os Indígenas Guarani e os Aborígenes Australianos já utilizavam as estrelas para projetarem constelações e a associarem à passagem do tempo, épocas de plantio e colheita, períodos de chuvas e estiagem, calor e frio ou mesmo a mal presságios.

Como os indígenas brasileiros interpretavam os astros?

Ao contrário da astronomia convencional, uma ciência exata e essencialmente teórica, a astronomia indígena utiliza métodos empíricos, relacionando o movimento do sol, da lua e das constelações com eventos meteorológicos que acontecem ao longo do ano, com períodos de chuva e estiagem, de calor ou de frio.

Como os indígenas brasileiros utilizavam seus conhecimentos astronômicos?

Os índios brasileiros, em virtude da longa prática de observação da Lua, conheciam e utilizavam suas fases, associadas com as estações do ano, na pesca e na agricultura.