Emoções e sistema imunológico: um olhar sobre a psiconeuroimunologia

Emoções e sistema imunológico: um olhar sobre a psiconeuroimunologia
Durante muitos anos, a dualidade corpo mente vem sendo alvo de discussão no âmbito acadêmico. Nos últimos vinte anos, pesquisas e experimentos envolvendo o sistema imunológico e a sua relação com aspectos psicossoais, suscitaram uma concepção diferente que integrasse ambos os sistemas.

As pesquisas sobre interferência do Sistema Nervoso Central (SNC) e a sua relação com o Sistema Imunológico tiveram início nos anos 70. No entanto, apenas em meados dos anos 80, suas contribuições sobre funcionamento do organismo tornaram-se relevantes.

O psicólogo Robert Ader, juntamente com o imunologista Nicholas Cohen, administraram uma droga imunossupressora associada à água adoçada com sacarina a ratos, resultando no condicionamento do sistema imunológico ao sabor da sacarina. Assim, quando a água passou a ser administrada sem a substância, o efeito produzido foi o mesmo. Este importante experimento marcou a criação da psiconeuroimunologia (PNI).

A PNI é uma ciência que se dedica ao estudo do impacto de aspectos emocionais sobre a imunidade do indivíduo. Esta abordagem propõe a interação entre o sistema nervoso central, o imunológico e o endócrino; e suas implicações sobre a capacidade do organismo em manter-se saudável após eventos estressores.

Atualmente, esta perspectiva tem sido utilizada para entender como eventos estressores (ex. desemprego, divórcio ou morte de ente querido), associados a características e estados psicológicos (ex. humor triste, isolamento social, ansiedade), repercutem na resposta do sistema imunológico e à susceptibilidade à doença.

O desencadear da sintomatologia de algumas doenças autoimunes tem sido relacionada ao estresse. Pesquisas na área da saúde relacionam a atividade inflamatória dos sintomas e sinais das doenças reumáticas auto-imunes, a exemplo do lúpus erimatoso sistêmico e artrite reumatóide, às substâncias produzidas pelas glândulas suprarrenais, como cortisol e adrenalina.

Uma evidência empírica desta relação foi um estudo realizado com um grupo de pacientes reumáticos. No primeiro, os sujeitos apresentavam uma predisposição genética para artrite reumatóide; 20% eram portadores da doença e os 80% restantes não tinham anticorpos característicos de artrite reumatóide (IgH) ou apresentavam autoanticorpos envolvidos para o desenvolvimento da doença; já no segundo, os indivíduos eram normais.

No primeiro grupo os sujeitos com autoanticorpos que estavam em condições emocionais favoráveis (isto é, sem ansiedade, humor deprimido, satisfeitos com o trabalho e com suas ralações interpessoais), não manifestaram os sintomas. Comprovando que o bem estar psicológico funciona como uma proteção a um marcador biológico.

Pode-se inferir, portanto, que sujeitos com perfil mais introvertido, pessimista, com pouco suporte social (contatos interpessoais) e estratégias de enfretamento mais repressivas, evitantes e/ou de negação, tendem a apresentar mais sintomas físicos, em decorrência da alteração do sistema nervoso resultar em imunossupressão (menor eficácia do sistema imunológico).

Tendo em vista que esta abordagem integra os diferentes sistemas e sua sensibilidade às emoções, a terapêutica empregada no curso do tratamento deve ser multidisciplinar. Logo, a psicoterapia oferece o suporte necessário ao sujeito para resignificar a vivência de eventos estressores, a fim de aumentar os seus recursos de enfretamento e possibilitar um efeito positivo e favorável nos campos psíquico e físico.

Emoções e sistema imunológico: um olhar sobre a psiconeuroimunologia
Priscilla Pardo Rocha
CRP 03/6629

Bacharela em Psicologia e em formação de Psicólogo pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental, pelo Instituto WP – Centro de Psicoterapia Cognitivo-Comportamental. Membro da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Especialista em Família: relações familiares e contextos sociais pela Universidade Católica do Salvador (Ucsal).

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Emoções e sistema imunológico Teoria, investigação e prática Psicologia 
 
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PSICOLOGIA: TEORIA, INVESTIGAÇÃO E PRÁTICA, 2002, 2, 207-225 ©Centro de Investigação em Psicologia, Universidade do Minho 
EMOÇÕES E SISTEMA IMUNOLÓGICO: UM OLHAR SOBRE A PSICONEUROIMUNOLOGIA 
 
 
Ângela da Costa Maia1 
Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, Portugal 
 
Resumo - A concepção do sistema imunológico como sistema autónomo de funcionamento 
exclusivamente químico deu lugar, especialmente a partir dos anos oitenta, a uma concepção 
integrada em que se reconhece que o sistema imunológico está integrado com outros sistemas 
sendo sensível à regulação do sistema nervoso (Ader, 1983; Rabin, Cohen, Ganguli, Lysle & 
Cunnick, 1989; Cohen & Herbert, 1996). Reconhece-se assim o papel que as diferentes áreas 
do funcionamento humano, nomeadamente cognitivo e emocional, pode ter sobre a sua 
eficiência. Deste modo nasceu uma disciplina designada por Psiconeuroimunologia dedicada a 
estudar as relações entre os stressores psicossociais, as emoções e os sistemas 
neuroimunológicos que organizam a resposta adaptativa ao stress. A hipótese base deste 
modelo é que os stressores psicossociais diminuem a eficiência do sistema imunológico o que 
leva ao aumento de sintomas médicos. Neste trabalho abordamos esta temática, descrevendo 
a investigação actual sobre as condições psicossociais e emocionais que parecem afectar a 
imunocompetência. 
 
Palavras chave: psiconeuroimunologia, emoção, stress, saúde 
Key words: Psychoneuroimmunology, emotion, stress, health 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
Uma das razões para o forte interesse que a psiconeuroimunologia desperta entre os 
profissionais de vários domínios advém do seu contributo para compreender porque razão os 
acontecimentos de vida ou as emoções afectam a saúde. O estudo da função imunológica na 
relação com a experiência revelou-se assim um campo promissor, onde têm ocorrido grandes 
avanços e onde se adivinham continuamente novas descobertas. 
 
1
 Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para Ângela da Costa Maia, Instituto de Educação e 
Psicologia, Departamento de Psicologia, Campus de Gualtar, Universidade do Minho; Tel: 253 604240; Fax: 253 
678987; E-mail:  
Emoções e sistema imunológico Teoria, investigação e prática Psicologia 
 
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PSICOLOGIA: TEORIA, INVESTIGAÇÃO E PRÁTICA, 2002, 2, 207-225 ©Centro de Investigação em Psicologia, Universidade do Minho 
A concepção do sistema imunológico como sistema fisiológico autónomo de 
funcionamento exclusivamente químico com a tarefa de reconhecer o que é e não é do próprio 
organismo deu lugar, especialmente a partir dos anos oitenta, a uma visão integrada em que se 
reconhece que o sistema imunológico interage com outros sistemas sendo sensível à 
regulação dos sistemas nervoso e endócrino (Ader, 1983; Rabin, Cohen, Ganguli, Lysle & 
Cunnick, 1989). 
A disciplina designada por Psiconeuroimunologia1 é o campo científico que investiga as 
ligações entre o cérebro, o comportamento e o sistema imunológico, bem como as implicações 
que estas ligações têm para a saúde física e a doença (Kemeny & Gruenewald, 1999). A 
hipótese base deste modelo é que os stressores psicossociais diminuem a eficiência do 
sistema imunológico o que leva ao aumento de sintomas médicos (risco de uma doença). 
Assim, face a uma ameaça biológica com uma determinada potência, a 
imunocompetência, ou seja, a capacidade do sistema imunológico proteger o corpo num 
determinado momento2 estará relacionada com os factores psicossociais que afectam o 
sistema imunológico. Entre estes factores contam-se os estados emocionais; o tipo e a 
intensidade de stress que a pessoa está a enfrentar, as características de personalidade e a 
qualidade das relações sociais. 
A relação entre stress e doença começou por ser estabelecida por Selye (1976) 
sugerindo que os stressores crónicos contribuíam para um estado de exaustão do organismo 
pondo em causa o seu equilíbrio. Assim, as respostas que envolvem as ligações entre cérebro, 
hormonas e sistema imunológico, passariam, ao fim de um determinado tempo, a ter 
dificuldades em lidar com o stress e as manifestações de doença ocorreriam num grau que 
poderia conduzir até à morte. 
Um segundo momento na conceptualização dos desafios colocados pelos 
acontecimentos de vida sobre a saúde física e emocional começou a ter em conta as 
características psicológicas e as estratégias de confronto utilizadas pelos sujeitos para lidar 
com essas situações. Este desenvolvimento assume que o impacto de uma situação no sujeito 
depende da avaliação que o sujeito faz dela, bem como das estratégias que mobiliza de modo 
a fazer-lhe face. 
Assim, enquanto alguns investigadores procuram averiguar o impacto de 
acontecimentos de vida na saúde e/ou no sistema imunológico; outros tentam diferenciar o 
efeito dos acontecimentos de vida em função das emoções envolvidas, do estilo cognitivo, ou 
das características de personalidade da pessoa. 
Uma terceira abordagem sugere que o processamento dos acontecimentos de vida, 
especialmente das situações traumáticas, os significados que os sujeitos constroem, ou as 
estratégias de coping que vão sendo utilizadas, passam por uma série de fases sobre as quais 
poderá haver uma intervenção de modo a diminuir os efeitos nefastos sobre o sistema 
imunológico. A psicoterapia ou outras estratégias poderão ser concebidas como formas de 
intervir nesta sequência, contribuindo para acelerar o processo de lidar com o trauma e 
prevenindo os potenciais efeitos nefastos sobre a saúde de uma determinada experiência. 
Emoções e sistema imunológico Teoria, investigação e prática Psicologia 
 
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PSICOLOGIA: TEORIA, INVESTIGAÇÃO E PRÁTICA, 2002, 2, 207-225 ©Centro de Investigação em Psicologia, Universidade do Minho 
Neste caso, é assumido que existe um processo fluído ao longo do qual os sujeitos vão 
elaborando os acontecimentos de vida mais difíceis, havendo tarefas que facilitam esse 
trabalho. 
Nos pontos que a seguir se apresentam serão descritos os estudos realizados no 
âmbito destas três perspectivas. 
 
 
1. ESTUDO DO IMPACTO DOS ACONTECIMENTOS DE VIDA SOBRE A SAÚDE 
 
Os primeiros estudos sobre a ligação entre acontecimentos (positivos ou negativos) e 
o sistema imunulógico utilizaram medidas muito indirectas, sem especificar os mecanismos que 
poderiam explicar os efeitos de determinados acontecimentos de vida sobre a saúde ou o 
tempo de vida. Um exemplo deste tipo de estudos foi realizado por Langer e Rodin (1976), que 
procuraram averiguar o efeito do envolvimento em actividades com uma componente 
emocional e motivacional sobre a saúde de um grupo de idosos. Para isso estes autores 
pediram a idosos institucionalizados em lares para tomarem conta de uma planta, tendo 
verificado meses depois que, quando comparados com um grupo de controlo, estes idosos 
tinham menos problemas de saúde e menor número de mortes. Assim, esta actividade simples 
pareceu ser suficiente para dar sentido à vida destes idosos institucionalizados cuja 
possibilidade de estabelecer relações significativas é, em geral, bastante diminuta, e este 
acontecimento teve um impacto positivo sobre a saúde. 
 
Outros estudos realizados ao longo dos anos sessenta, setenta e início de oitenta 
estabeleceram uma ligação entre alguns tipos de acontecimentos e saúde. Em alguns estudos 
clássicos foi verificado que o ajustamento a acontecimentos de vida associado a stress 
prolongado, como casamento, divórcio, problemas no emprego, morte, catástrofes naturais ou 
provocadas por erros humanos conduz a

Como as emoções afetam o sistema imunológico?

A ansiedade e o estresse interferem diretamente na homeostase do organismo, alterando a liberação de hormônios, influenciando em neurotransmissores, como também em outros componentes bioquímicos que afetam nossas células de defesa, podendo assim comprometer diretamente com nossa imunidade e emoções.

Qual a relação do sistema nervoso e o sistema imunológico?

Dessa forma, a resposta ao estresse regula o sistema imunológico quando uma resposta imune não mais é necessária. As interrupções nessa alça regulatória desempenham um papel importante na susceptibilidade e resistência às doenças auto-imunes, inflamatórias, infecciosas e alérgicas.

Como a saúde mental influência na imunologia?

A relação global entre os acontecimentos vividos pela pessoa e os problemas de saúde em função de fatores psicológicos envolvidos, apontam para uma mudança imunológica pela atuação do Sistema Nervoso Central (SNC), pela resposta hormonal e por uma mudança comportamental.

Porque o emocional afeta a imunidade?

Ao sermos expostos a uma carga emocional a produção de hormônios fica descontrolada, afetando diretamente as células de defesa e todas as suas funções orgânicas. A ansiedade, por exemplo, produz o hormônio cortisol, que atua tentando eliminar esse tipo de desconforto emocional.