Qual a relação dos fatores de transcrição com o processo da expressão de um gene?

Quantos genes compõe o genoma humano? Essa é uma das questões da biologia moderna que ainda permanece sem uma resposta definitiva. Durante o sequenciamento do genoma humano esperava-se que, uma vez tendo a sequência do nosso genoma em nossas mãos, seria possível determinar onde estão todos os nossos genes. No entanto, o nosso catálogo de genes ainda está longe de ser completo, já que mesmo com todos os bancos de dados que temos disponíveis hoje, observamos divergências entre eles, e embora o número de genes codificadores de proteínas tenha convergido gradualmente, o número de outros tipos de genes aumentou drasticamente.

Mas afinal, o que é um gene e quantos genes nós temos?

Antes de pensar em quantos genes nós temos, primeiro precisamos entender de fato o que é um gene. A definição de gene evolui desde a postulação de Mendel, e hoje define-se gene como um intervalo do DNA cromossômico que é transcrito em uma molécula de RNA funcional, ou é transcrito em RNA e então traduzido em uma proteína funcional.

Todas as pessoas apresentam duas cópias de cada gene, uma herdada da mãe e outra do pai. A maioria dos genes são os mesmos em todas as pessoas, mas um pequeno número de genes (menos de 1% do total) é ligeiramente diferente entre as pessoas, o que contribui para as características fenotípicas únicas de cada indivíduo.

Durante o decorrer do projeto genoma humano, o foco principal eram os genes codificadores de proteínas. No entanto, inúmeros genes são não-codificantes, então a definição de gene engloba tanto os genes que codificam proteínas como os não-codificantes. Essa definição levanta a questão de o que é considerado funcional, e mesmo utilizando essa definição, ainda não temos uma concordância entre o número de genes que codificam proteínas. Após a conclusão do esboço do sequenciamento do genoma humano, os autores estimaram que o catálogo completo de genes contem aproximadamente 24.000 genes que codificam proteínas. Já o catálogo de genes humanos Ensembl descreveu que o genoma humano contém 22.287 genes codificantes e 34.214 transcritos, e essas listas continuam a ser alteradas constantemente, demonstrando os grandes desafios em criar um catálogo de genes humanos definitivo

Os genes e sua expressão

Alterações nos níveis de expressão gênica acima ou abaixo de um determinado limiar podem ter um impacto importante no fenótipo, e podem levar à uma grande variedade de doenças em seres humanos. No entanto, a associação entre os padrões de expressão gênica com o DNA é uma via complexa de variabilidade, e é necessariamente limitada às alterações que são refletidas de maneira transcricional.

A expressão gênica é um processo complexo regulado em muitos níveis. Apesar de inúmeros estudos terem ressaltado a importância de alterações pós-transcricionais na atividade dos genes que induzem alterações nos processos biológicos, a variação na estrutura das proteínas pode ser refletida na via de transcrição, uma vez que tais variações geralmente induzem a alterações na estabilidade do transcrito, nas taxas de transcrição, de transporte de RNA do núcleo para o citoplasma, eventos de splicing alternativo, e outros processos que podem afetar os níveis de expressão.

O termo expressão genica geralmente é utilizado de maneira sinônima à quantificação do RNA mensageiro (RNAm), e é definido como “a produção de um fenótipo observável por um gene – geralmente direcionando a síntese de uma proteína”. No entanto, nem o RNAm ou as proteínas são ‘expressos’, em vez disso, tanto RNAm como as proteínas são intermediadores da expressão gênica, podendo conectar genes e fenótipos.

De fato, os avanços nas tecnologias “omicas” (tecnologias capazes de mensurar sistematicamente diversas moléculas biológicas simultaneamente) permitem aos pesquisadores estudar a expressão gênica em diversos níveis. Hoje sabe-se que a expressão gênica é regulada por fatores denominados promotores, e interessantemente, os promotores podem estar localizados em outras regiões do cromossomo que não no próprio gene.

Entenda mais sobre os genes no texto: Gene e o código da vida

A expressão gênica é hierárquica e dinâmica

A síntese proteica necessita da presença de uma molécula de RNAm, que por sua vez necessita de um template de DNA, então, o grau em que um nível da via pode ser regulado depende da atividade dos níveis anteriores. Hoje sabe-se que a expressão gênica é regulada por fatores denominados promotores, e interessantemente, os promotores podem estar localizados em outras regiões do cromossomo que não no próprio gene.

Estudos de associação genômica em larga escala (GWAS) descobriram que 90% das variantes genéticas associadas a doenças encontram-se no DNA não-codificante, no entanto, ainda não é totalmente clara a maneira como a variabilidade das sequencias do DNA afetam a expressão, e quais são os genes-alvos dessa variabilidade.

Interessantemente, foi observado que mais de um milhão e variantes de risco estão documentadas e localizadas justamente em regiões promotoras dos genes. Assim, tem sido mostrado um quadro no qual doenças e características são frequentemente a consequência de uma alteração na regulação do circuito entre os promotores e os genes-alvo.

Qual a relação dos fatores de transcrição com o processo da expressão de um gene?

O papel das regiões promotoras na expressão gênica

O genoma humano apresenta uma quantidade imensa de promotores que podem atuar de diferentes maneiras. Nesse ambiente complexo de regulação, é difícil de predizer os efeitos das alterações nas sequências de DNA na expressão gênica. No entanto, a identidade e a função de cada célula no nosso organismo é determinada pela sua programação de expressão gênica, que é constantemente alterada em resposta aos estímulos de desenvolvimento e do meio ambiente.

As regiões reguladoras que controlam a expressão gênica e consequentemente, o desenvolvimento normal e as doenças, são compostas principalmente por ‘potencializadores’, que são as sequencias de DNA que aumentam a transcrição de um gene-alvo independente da orientação e da posição. Os potencializadores são basicamente módulos de sequência genética que carregam sítios de reconhecimento que atraem fatores de transcrição específicos.

Expressão gênica e mecanismos de doenças

Genes diferencialmente expressos em doenças são um grande foco de pesquisas farmacêuticas e clínicas, sendo considerados potenciais biomarcadores, alvos terapêuticos, e assinaturas diagnóstica. Com os avanços da metodologia de GWAS, o catálogo de variantes associadas à doenças tem expandido dramaticamente, e continua a crescer. Graças aos estudos de associação, foram identificadas regiões específicas do genoma associadas a doenças específicas.

Durante os processos de alteração gênica, os potencializadores podem ser deletados ou relocados, ou ainda inativados por mutações que comprometem os sítios de fatores de ligação, que pode sua vez pode levar à supressão transcricional do gene alvo original. Ainda, pode ocorrer a ativação de novos genes alvo.

Rearranjos genômicos como inversões ou translocações, bem como deleções de sequências vizinhas, podem levar os potencializadores para um novo contexto genômico, podendo então ativar novos genes alvo. Essas alterações são frequentemente observadas em doenças como o câncer hematológico, onde temos a translocação t(8;14) como um exemplo clássico observado no linfoma de Burkitt. O ganho da atividade dos potencializadores pode também ocorrer sem que haja necessariamente um rearranjo cromossômico, e é um mecanismo observado com frequência na regulação do aumento da expressão de genes fundamentais para o desenvolvimento de diversos tipos de câncer.

O papel da epigenética na regulação da expressão gênica

Apesar de todas as células de um organismo conterem essencialmente a mesma sequência de DNA, os tipos celulares e suas funções diferem devido a diferenças qualitativas e quantitativas na sua expressão gênica. As alterações de expressão gênica herdadas, e que não são causadas por alterações na sequência do DNA, ocorrem em consequência de alterações epigenéticas.

Uma grande parte, senão a maioria das características da expressão gênica, são influenciadas por mecanismos epigenéticos. Diferentemente do genoma, o epigenoma parece ser particularmente vulnerável a influências do meio ambiente, e as alterações no perfil de expressão gênica podem persistir por longos períodos, influenciando o fenótipo.

As alterações a longo prazo dos padrões de expressão gênica representam bases moleculares muito interessantes para a hipótese de que a origem da maioria das doenças em adultos seja devido a exposições específicas durante o desenvolvimento. Por essa razão, o campo da epigenética e o entendimento da sua relação e seu impacto diretamente sobre os níveis de expressão gênica serão cada vez mais estudados.

Leia sobre epigenética em: Epigenética: relação entre estilo de vida e meio ambiente

Considerações finais

Inúmeros progressos têm sido feitos na última década no que diz respeito ao entendimento dos mecanismos que permeiam a expressão dos nossos genes, e como as alterações dessa expressão podem estar relacionados com diversos mecanismos de doença. Conseguir relacionar as variações genéticas, com os fatores de transcrição e informações epigenéticas, e desenhar um mapa genômico, ainda requer muitas pesquisas. Apesar disso, estamos caminhando em direção ao entendimento cada vez mais claro dos processos que envolvem os mecanismos de doenças, e conforme novas tecnologias são desenvolvidas, novas perguntas e repostas surgirão.

Referências

  • Schadt, E. E. et al. Genetics of gene expression surveyed in maize, mouse and man. Nature 422, 297–302. 2003
  • International Human Genome Sequencing Consortium. Finishing the euchromatic sequence of the human genome. Nature. 2004;431(7011):931–45. 2004
  • Chatterjee, S. & Ahituv, N. Gene regulatory elements, major drivers of human disease. Annu. Rev. Genomics Hum. Genet. 18, 45–63. 2017
  • Gibney, E., Nolan, C. Epigenetics and gene expression. Heredity. 105, 4–13. 2010
  • Smith M, Flodman PL. Expanded Insights Into Mechanisms of Gene Expression and Disease Related Disruptions. Front Mol Biosci. 2018;5:101. 2018

Como ocorre o processo de expressão de um gene?

Esse processo envolve dois passos principais: a transcrição e a tradução. Na transcrição, a sequência de DNA de um gene é copiada para fazer uma molécula de RNA. Essa etapa é chamada de transcrição pois envolve reescrever, ou transcrever, a sequência de DNA num "alfabeto" similar de RNA.

Qual o papel dos fatores específicos de transcrição na expressão gênica de eucariontes?

Os fatores de transcrição são proteínas que contém pelo menos dois domínios funcionais: um de ligação com o DNA e outro de ligação com a RNA polimerase. Essas proteínas controlam, quando, onde e como os gene serão transcritos, sendo a base para o controle da expressão gênica.

Qual a estrutura dos fatores de transcrição que podem regular a expressão de genes?

A transcrição dos genes é catalisada por enzimas chamadas RNA polimerases. Essas enzimas reconhecem sequências no DNA às quais se ligam, chamadas de regiões promotoras, ou simplesmente promotores.

Qual a função dos fatores de transcrição?

Fatores de transcrição são proteínas que ajudam a transformar genes específicos em "ligados" ou "desligados" através da conexão a um DNA próximo. Fatores de transcrição que são ativadores impulsionam a transcrição de um gene. Os repressores reduzem a transcrição.