Show ResumosA fadiga relacionada ao câncer (FRC) é um dos sintomas mais prevalentes em pacientes com câncer, sendo reportada por 50% a 90% dos pacientes durante o curso da doença ou do seu tratamento, impactando na qualidade de vida de forma severa além de diminuir a capacidade funcional diária dos pacientes. Uma abordagem ampla deve ser realizada com orientações gerais sobre fadiga, além da determinação de um plano individualizado de abordagem terapêutica. Pacientes com fadiga moderada ou severa devem se beneficiar de ambas as medidas farmacológicas e não farmacológicas a serem adotadas, enquanto pacientes que apresentem fadiga leve que não interfira na qualidade de vida podem ser tratados com medidas não farmacológicas como única medida terapêutica. O tratamento não farmacológico se mostra promissor com o uso de terapias cognitivas-comportamentais (conservação de energia e organização de atividades diárias realizadas, ECAM), exercícios físicos e talvez terapias do sono. O tratamento farmacológico tem mostrado resultados promissores que incluem o uso de psicoestimulantes tais como metilfenidato e dexmetilfenidato, modanafil (em pacientes com fadiga severa) e agentes estimuladores de eritropoietina em pacientes com anemia associada à quimioterapia e hemoglobina menor que 10 mg/dL. Além dessas drogas, o uso de Guaraná (Paullinia cupana) tem-se mostrado uma opção promissora, com efeitos benéficos no tratamento da fadiga física e mental relacionada ao câncer. Por ser uma opção sem efeitos colaterais significantes e uma planta nacional, torna-se atrativo considerando o fácil acesso a esta medicação por seu baixo custo e fácil adesão ao tratamento. O tratamento pode ser oferecido através de uma abordagem multimodal e multidisciplinar que individualize as opções terapêuticas dentro de um contexto que promova o diagnóstico acurado da FRC, além de um tratamento específico e adequado para cada paciente que apresente este sintoma tão importante e de grande impacto na qualidade de vida de pacientes com câncer. Fadiga; quimioterapia; neoplasias Cancer-related fatigue is the most prevalent cancer symptom, reported in 50%-90% of patients and severely impacts quality of life and functional capacity. The condition remains underreported and often goes untreated. Guidelines suggest screening for fatigue at the initial visit, when the diagnosis of advanced disease is made, and at each chemotherapy session, as well as the identification of treatable contributing factors such as anemia, hypothyroidism, depression and sleep disorders. Brief assessment tools such as the Brief Fatigue Inventory or the Visual Analog Scale may be appropriate in the initial scoring of fatigue severity, but the initial approach to treatment usually requires a more comprehensive assessment, education, and the determination of an individualized treatment plan. Patients with moderate or severe fatigue may benefit from both pharmacological and non-pharmacological interventions, whereas mild fatigue that does not interfere with quality of life can be treated with non-pharmacological measures alone. Non-pharmacological measures that have shown to be promising include cognitive-behavioral interventions such as energy conservation and activity management (ECAM), exercise and perhaps sleep therapy. Many other modalities may be beneficial and can be used on an individual basis, but there is insufficient evidence to promote any single treatment. Pharmacological therapies that have shown to be promising include the psycho-stimulants methylphenidate and dexmethylphenidate, modafinil (in severely fatigued patients only), and erythropoietin-stimulating agents in patients with chemotherapy-associated anemia and hemoglobin levels < 10 g/dL. Recently, our group reported impressive results with the use of the dry extract of Guarana (Paullinia cupana), with no significant side effects and at low cost, for the treatment of physical and mental cancer-related fatigue. Guarana; fatigue; chemotherapy; adjuvant; neoplasms ARTIGO DE REVISÃO Fadiga relacionada ao câncer: uma revisão Maira Paschoin de Oliveira CamposI; Benjamin Joseph HassanII; Rachel RiechelmannIII; Auro del GiglioIV IMD, Research Coordinator, Endocrinology and Metabolism, University of Miami, Miami, Flórida IIInternal Medicine Attending Physician, Miami Veterans Hospital Medical Center, Miami, Flórida IIIProfessora Doutora em Oncologia; Médica da Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP IVProfessor Doutor em Oncologia; Professor Titular da Disciplina de Oncologia e Hematologia da Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP Correspondência para RESUMO A fadiga relacionada ao câncer (FRC) é um dos sintomas mais prevalentes em pacientes com câncer, sendo reportada por 50% a 90% dos pacientes durante o curso da doença ou do seu tratamento, impactando na qualidade de vida de forma severa além de diminuir a capacidade funcional diária dos pacientes. Uma abordagem ampla deve ser realizada com orientações gerais sobre fadiga, além da determinação de um plano individualizado de abordagem terapêutica. Pacientes com fadiga moderada ou severa devem se beneficiar de ambas as medidas farmacológicas e não farmacológicas a serem adotadas, enquanto pacientes que apresentem fadiga leve que não interfira na qualidade de vida podem ser tratados com medidas não farmacológicas como única medida terapêutica. O tratamento não farmacológico se mostra promissor com o uso de terapias cognitivas-comportamentais (conservação de energia e organização de atividades diárias realizadas, ECAM), exercícios físicos e talvez terapias do sono. O tratamento farmacológico tem mostrado resultados promissores que incluem o uso de psicoestimulantes tais como metilfenidato e dexmetilfenidato, modanafil (em pacientes com fadiga severa) e agentes estimuladores de eritropoietina em pacientes com anemia associada à quimioterapia e hemoglobina menor que 10 mg/dL. Além dessas drogas, o uso de Guaraná (Paullinia cupana) tem-se mostrado uma opção promissora, com efeitos benéficos no tratamento da fadiga física e mental relacionada ao câncer. Por ser uma opção sem efeitos colaterais significantes e uma planta nacional, torna-se atrativo considerando o fácil acesso a esta medicação por seu baixo custo e fácil adesão ao tratamento. O tratamento pode ser oferecido através de uma abordagem multimodal e multidisciplinar que individualize as opções terapêuticas dentro de um contexto que promova o diagnóstico acurado da FRC, além de um tratamento específico e adequado para cada paciente que apresente este sintoma tão importante e de grande impacto na qualidade de vida de pacientes com câncer. Unitermos: Fadiga; quimioterapia; neoplasias. Introdução Fadiga relacionada ao câncer (FRC) é um sintoma comum e tratável que interfere profundamente em diversos aspectos da qualidade de vida de pacientes com câncer1. Pacientes reportam fadiga como um dos sintomas mais importantes e estressantes relacionados ao câncer e seu tratamento2. Este sintoma apresenta-se como um forte e independente preditor de diminuição da satisfação pessoal e qualidade de vida dos pacientes3. Apesar de as atuais recomendações sugerirem investigação regular para FRC4, este sintoma continua não sendo reportado e geralmente não recebe tratamento adequado por diversas razões que serão abordadas nesta revisão2. A prevalência estimada varia de forma abrangente refletindo uma variedade de populações nas quais o sintoma tem sido estudado. Da mesma forma, estudos avaliam a natureza subjetiva desta condição e os vários métodos que são utilizados para o seu diagnóstico. Cerca de 50% a 90% dos pacientes com câncer experimentam fadiga de forma geral5-9, o último número correspondendo a pacientes submetidos a ativo tratamento anti-câncer como quimioterapia e radioterapia7. A fadiga pode ser um sintoma que persiste por meses a anos nesta população após o tratamento quimioterápico; em um estudo, um terço dos pacientes que haviam sido curados de câncer apresentavam fadiga por 5 anos após o final de seus tratamentos10 , e em um outro estudo, a fadiga esteve presente em 60% dos pacientes com doença de Hodgkin que já estavam livre de doença por 5 anos. De acordo com as recomendações do National Comprehensive Cancer Network (NCCN), a fadiga relacionada ao câncer é definida como um sintoma persistente, um senso subjetivo de cansaço físico, emocional e cognitivo ou exaustão relacionada ao câncer ou ao seu tratamento que não seja proporcional à atividade realizada recentemente a qual poderia interferir com a capacidade funcional usual do paciente4. A patogênese da fadiga relacionada ao câncer não está muito bem descrita, e uma variedade de mecanismos pode contribuir para seu desenvolvimento11. Entre os mecanismos descritos estão os efeitos do câncer e seu tratamento sobre o sistema nervoso central, metabolismo energético muscular, sono, ritmo circadiano12, mediadores inflamatórios e de estresse13, ativação do sistema imune14,15, alterações hormonais relacionadas aos efeitos sobre o eixo hipotálamo-pituitário, menopausa precoce16 ou privação androgênica em homens11-22. Fadiga relacionada ao câncer é muito comum em pacientes submetidos à radioterapia23 e em uma grande parte dos pacientes recebendo modificadores biológicos como interferon e interleucina 224. Causas modificáveis e reversíveis que possam colaborar para o desenvolvimento de fadiga, tais como hipotireoidismo25,26, depressão e anemia27, devem ser sempre investigadas e tratadas. Diagnóstico e abordagem da fadiga relacionada ao câncer O NCCN sugere atualmente que todos os pacientes com câncer devam ser investigados para fadiga relacionada ao câncer durante sua visita inicial, no momento em que o diagnóstico de doença avançada seja realizado e a cada visita para a aplicação de quimioterapia4. Apesar de as diretrizes estabelecidas serem claras, existem barreiras relacionadas ao diagnóstico da fadiga e ao relato dos pacientes sobre sintomas relacionados à sua rotina que possam ter mudado de forma significante. Algumas vezes os médicos apresentam conhecimento insuficiente sobre fadiga e seu tratamento ou podem subestimar o impacto da fadiga na qualidade de vida dos pacientes ao mesmo tempo em que pacientes possam considerar os sintomas de fadiga como uma consequência inevitável do seu tratamento contra o câncer entre os outros diversos efeitos colaterais aos quais estes são submetidos quando iniciam tratamento com certas medicações. O objetivo maior de alcançar cura ou remissão da doença almejada pelo paciente pode corroborar com o receio de reportar sintomas e receber um tratamento menos agressivo que possa proporcionar menor chance de cura. Efeitos colaterais e adversos se tornariam uma ponte para alcançar melhora clínica esperada, enquanto sintomas importantes como a fadiga acabam não sendo reportados e tratados6,28,29. Diversos instrumentos para investigação e abordagem da fadiga relacionada ao câncer já estão validados, mas nenhum deles apresenta-se como uma modalidade diagnóstica única. O diagnóstico pode ser feito por meio de uma combinação de história clínica e exame físico, exames laboratoriais relevantes, informações obtidas com familiares ou acompanhantes que convivam com o paciente e o uso de medidas padronizadas para acessar fadiga (Figura 1). A forma mais simples (mais rápida e fácil) dentre estas medidas é a escala análoga visual (Visual Analog Scale, VAS) e o Inventário Breve de Fadiga (Brief Fatigue Inventory, BFI)4,16,30. Os questionários FACIT-F (The Functional Assessment of Cancer Therapy Instrument)31, MFSI-SF (Multidimensional Fatigue Symptom Inventory-Short Form)32 já foram validados em diversas línguas; no entanto, existem outros questionários que não são tão detalhados e, sendo assim, não têm sido utilizados em pesquisas clínicas. O diagnóstico da fadiga relacionada ao câncer é feito geralmente após a exclusão de causas reversíveis ou tratáveis de fadiga, do tipo hipotireoidismo, anemia, distúrbios do sono, dor, estresse emocional, climatério, efeitos adversos de medicações, distúrbios eletrolíticos ou patologias tais como insuficiência cardíaca, miopatias e fibrose pulmonar, por exemplo33,34. Uma vez que estes potenciais fatores contribuintes sejam avaliados, os pacientes devem ser investigados com um questionário breve e autoexplicativo como o VAS ou BFI34. Os pacientes com fadiga moderada ou grave podem beneficiar-se de uma associação dos tratamentos não farmacológicos e farmacológicos, enquanto os com fadiga leve, sem interferência em sua qualidade de vida, podem ser tratados somente com as medidas não farmacológicas4. Acompanhamento da gravidade da fadiga e do impacto desta na qualidade de vida e funcionalidade do paciente deve ser realizado com frequência. A avaliação e classificação da FRC deve ser o primeiro passo na interpretação clínica de pacientes com câncer para que uma estratégia de tratamento apropriada seja implementada. Reavaliações quanto ao progresso do paciente em seu tratamento podem ser realizadas com os questionários utilizados para triagem da FRC e, desta forma, um padrão de comportamento desta fadiga será estabelecido, proporcionando opções diferenciadas de tratamento para diferentes pacientes com diferentes tipos de tumores e estágios distintos da doença e de seu tratamento. Pacientes com fadiga leve podem iniciar terapias não farmacológicas e serem reavaliados ao longo de seus tratamentos. Caso haja fadiga persistente ou uma piora do quadro inicial, a terapia combinada seria indicada. A terapia combinada também é indicada para pacientes que são diagnosticados com fadiga moderada ou severa ao diagnóstico. Tratamento não farmacológico A abordagem inicial da FRC requer uma visão ampla e compreensão do paciente sobre seus próprios sintomas, o que normalmente demanda uma definição de um tratamento individualizado. Expectativas quanto ao tratamento devem estar claras e acordadas de uma forma que não se crie frustrações ou promessas de melhora maiores que o tratamento possa oferecer o que garantirá o sucesso da terapia instituída para cada paciente34. A maioria dos pacientes com fadiga se beneficiará de um tratamento não farmacológico. Uma revisão de 77 trabalhos randomizados controlados envolvendo tratamentos não farmacológicos para FRC mostrará benefícios obtidos com as seguintes medidas: terapia cognitivo-comportamental, exercícios, hipnose, relaxamento e psicoeducação para fadiga35. Os tratamentos não farmacológicos de maior relevância e eficácia até o momento serão descritos a seguir. Exercícios De acordo com as recomendações mais recentes, a medida mais eficaz contra a FRC está na realização de exercícios físicos regularmente. Apesar disso, somente uma minoria dos pacientes recebe orientações sobre como implementar uma rotina de exercícios que seja eficaz e adequada para seu dia a dia. Estudos sobre exercícios físicos em pacientes que apresentam fadiga mostraram de forma consistente benefícios no combate à fadiga, melhora da qualidade de vida, melhora da capacidade funcional, redução de estresse e melhora de diversos outros sintomas36-50. Exercícios físicos regulares aumentam a capacidade funcional e, desta forma, reduzem o esforço necessário para suportar as atividades diárias51. O tipo de exercício realizado não e tão importante quanto o simples fato de somente estar realizando uma atividade física37,52. Permitir ao paciente a possibilidade de escolher o melhor exercício que se adapte à sua rotina ao mesmo tempo em que sejam oferecidas informações e incentivo à concretização destas atividades se torna essencial para o alcance de excelentes resultados50. Uma recente metanálise analisando intervenções comportamentais e exercícios físicos para fadiga relacionada ao câncer avaliou 56 estudos e encontrou benefícios estatisticamente significantes com ambas intervenções53. Terapia cognitiva-comportamental Muitos pacientes que apresentam FRC se beneficiarão de alguma intervenção psicológica e uma variedade de modalidades tem sido estudada nas mais diversas populações. Intervenções como terapias de grupo54,55, aconselhamento individual56, redução de estresse com treinamentos que proporcionem relaxamento57-60, terapia formal cognitivacomportamental61- 64, educação para o manejo da fadiga65 e terapias de suporte66 têm mostrado resultados promissores. Em uma revisão sistemática com 27 estudos, os dados encontrados demonstram que intervenções focadas especificamente em fadiga são mais efetivas que intervenções não específicas67. Como um exemplo, a estratégia de conservação de energia e organização de atividades diárias (Strategy of Energy Conservation and Activity Management, ECAM) foi estudada em 396 pacientes com câncer e fadiga. Os pacientes foram distribuídos de forma randomizada a receber orientação sobre dieta e nutrição ou ECAM, além do monitoramento de diversas atividades e níveis de fadiga atribuídos a estas atividades. Um pequeno benefício foi encontrado no tratamento da fadiga relacionada ao câncer no grupo tratado com ECAM68. Distúrbios do sono Dificuldade para dormir apresenta-se como um problema frequente em pacientes com câncer, que pode estar relacionado diretamente com a patologia, com as consequências dos tratamentos realizados69 ou com o estresse emocional ocasionado por estes. Benefícios foram encontrados em terapias de higiene do sono que nada mais são que orientações que buscam introduzir diferentes hábitos antes de dormir na vida das pacientes que se relacionam com a melhora da capacidade funcional em realizar atividades diárias, parâmetros de qualidade do sono69 e melhora da fadiga em trabalhos clínicos randomizados controlados70. No entanto, um importante estudo randomizado com 219 pacientes com câncer de mama não mostrou qualquer beneficio da terapia individualizada de melhora da qualidade do sono em relação aos controles quando se avaliou a FRC nestas pacientes71. Desta forma, está claro que intervenções comportamentais melhoram qualidade do sono, porém o impacto destas terapias no tratamento da FRC não está claro até o momento. Medicina alternativa e complementar Os possíveis benefícios de tratamentos alternativos para a fadiga relacionada ao câncer não foram muito bem estudados. Dois trabalhos clínicos sugerem benefício da acupuntura no tratamento de fadiga. No primeiro estudo, 37 pacientes com fadiga persistente foram tratados com 6 a 8 sessões de acupuntura depois das quais apresentaram melhora estatisticamente significante no BFI quando comparados com suas respectivas pontuações de base. Em um outro estudo, 47 pacientes fadigados foram randomizados e receberam acupuntura, acupressão ou sham acupuntura. Um benefício significativo foi encontrado favorável à acupuntura quando comparada com acupressão e sham acupuntura72. Tratamento farmacológico Pacientes que sofram de fadiga moderada a grave relacionada ao câncer podem beneficiar-se de tratamentos farmacológicos adicionais aos tratamentos não farmacológicos, especialmente se a qualidade de vida ou as atividades diárias estiverem prejudicadas por consequência destes sintomas73. Metilfenidato/dexmetilfenidato Psicoestimulantes têm-se mostrado uma opção promissora que será parte de uma terapia multimodal para o tratamento da FRC. Diversos pequenos estudos sugerem que metilfenidato melhore a fadiga74-77. Benefícios adicionais desta droga têm sido reportados no que tange aos seguintes sintomas: ansiedade, apetite, náusea, dor e sonolência74; além disso, melhora na habilidade cognitiva e funcional foi encontrada em estudos com 12 pacientes com melanoma76 e 30 pacientes com tumor cerebral78. Trabalhos clínicos randomizados têm sido conduzidos com esta droga. Um pequeno estudo duplo-cego com cruzamento de grupos sugere que metilfenidato potencializaria os efeitos analgésicos dos narcóticos utilizados pelos pacientes e diminuiria a sonolência causada por estes79. No entanto, resultados negativos foram encontrados em um estudo randomizado com 112 pacientes que apresentavam fadiga e câncer e receberam metilfenidato ou placebo por 7 dias. Pacientes receberam telefonemas de uma enfermeira diariamente até o dia 8 e, a cada dia, a fadiga era medida através do FACIF-F (desfecho primário). Após esse período, os pacientes poderiam optar por receber quatro semanas adicionais de metilfenidato. Um benefício significativo no tratamento da fadiga foi encontrado em ambos os grupos, tanto os que receberam placebo quanto os que receberam metilfenidato, não havendo diferença entre os grupos. Quando comparados com os pacientes que receberam placebo, os que receberam metilfenidato por 8 dias não escolheram receber essa droga, em uma proporção significante após este período, como poderiam ter escolhido fazer caso percebessem melhora dos sintomas durante o período em que receberam a droga. Esse estudo nos lembra do poder terapêutico do efeito placebo e o papel das intervenções não farmacológicas, como as ligações realizadas por uma enfermeira e o conforto que medidas simples e eficazes podem exercer, como ação terapêutica contra a fadiga80. Dexmetilfenidato foi avaliado em um estudo duplo-cego randomizado controlado fase II que consistiu na avaliação de 154 pacientes com fadiga recebendo pelo menos quatro ciclos de quimioterapia para o tratamento predominantemente de pacientes com câncer de mama e ovário. Melhora significante em FRC foi encontrada no braço que recebeu tratamento, quando comparado com o grupo-placebo; porém existiram mais efeitos adversos e discontinuação da medicação no grupo que recebeu metilfenidato81. Uma metanálise avaliando ambos os trabalhos mencionados anteriormente, entretanto, concluiu que metilfenidato ou dexmetilfenidato foram superior que placebo para o tratamento da fadiga relacionada ao câncer82. Modanafil: Benefícios foram encontrados com relação à ação no sistema nervoso central de pacientes com FRC em um estudo randomizado placebo-controlado com 642 pacientes publicado em forma de resumo. Pacientes reportaram fadiga através de uma escala que pontuava entre 1 e 10 o nível de fadiga dos pacientes. Apesar de haver uma diferença significativa entre os dois braços do estudo a favor do modanafil, a melhora foi muito mais significativa para pacientes que apresentavam fadiga grave de base83. Dois estudos-piloto não randomizados sugeriram um possível beneficio do modafinil no tratamento da FRC84,85. Agentes estimuladores de eritropoietina Muitos pacientes com câncer desenvolvem anemia como consequência de sua doença maligna, tratamento ou até mesmo pelas comorbidades que esses pacientes já apresentavam. Anemia é uma das maiores causas reversíveis de fadiga relacionada ao câncer27. Quando o paciente apresentar anemia, uma investigação sobre as possíveis causas deve ser realizada para avaliar deficiência de ferro, B12 ou folato, hemorragia ou hemólise. Quando não existe uma causa que explique a anemia ou caso ela persista apesar do tratamento da causa de base, agentes estimuladores de eritropoietina (ESAs, erythropoietin stimulating agents) e transfusões sanguíneas devem ser consideradas. Recomendações quanto ao uso de ESAs foram publicadas pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO, American Society of Clinical Oncology) e pela Sociedade Americana de Hematologia (ASH, American Society of Hematology) em 2002 e atualizadas em 200786. O uso de epoetina e darbepoetina para o tratamento de anemia associada à quimioterapia que "se aproxime ou esteja abaixo de 10 g/dL" é recomendado para que haja elevação dos valores de hemoglobina e diminuição do número de transfusões. Está descrito que transfusões sanguíneas são uma opção terapêutica em diversas situações clínicas. Dentre as informações citadas pelas recomendações, existe uma metanálise na qual a maior evidência de que haja benefício à qualidade de vida e menor necessidade de transfusões sanguíneas seria encontrada no grupo com o uso de epoetina e hemoglobina de base menor ou igual a 10 g/dL87. De acordo com uma revisão sistemática, não houve diferença estatisticamente significante entre o uso de epoetina e darbopoetina88. É recomendado o diagnóstico e tratamento da deficiência de ferro quando esta for detectada86. Uma preocupação existente quanto ao uso de ESAs está na existência de um risco aumentado de eventos tromboembólicos com o uso dessas medicações, dado este que é apoiado por uma metanálise disponível na base de dados do Cochrane de 200689. Apesar de os estudos incluídos nessa base de dados apresentarem menor qualidade, de acordo com um comitê de atualização (Updated Committee), adverte-se quanto ao uso de ESAs em pacientes consideradas de alto risco para o desenvolvimento de eventos tromboembólicos, com especial menção a pacientes com mieloma múltiplo sendo tratadas com talidomida ou lenalinomida86. Preocupações adicionais têm surgido, já que dois estudos clínicos fase II placebo-controlado publicados em 2003, entre outros publicados após esta data, mostrarem que existe evidência quanto a maior mortalidade e menor tempo livre de progressão locorregional em pacientes tratadas com ESAs. Mais de 50% dos ensaios foram conduzidos em pacientes que não estavam recebendo quimioterapia, na maioria dos quais se objetivou uma hemoglobina maior que 12 mg/dL e não havia exclusão de pacientes com uma hemoglobina maior que 10 mg/dL antes da abordagem clínica. Apesar de essa informação ter obrigado a FDA (US Food and Drug Administration) a adicionar um aviso de restrição a prescrição de epoetina e darbepoetina, em março de 2007 o comitê de atualização, previamente citado, encontrou dificuldade ao interpretar e aplicar as recomendações à prática clínica. Nas recomendações do NCCN está determinado que o uso de ESAs deve ser evitado em pacientes com anemia não relacionada à quimioterapia, e que essas drogas devem ser utilizadas somente em pacientes com hemoglobina menor que 10 mg/dL com o objetivo de atingir um nível que não exceda 12 mg/dL73,86. O mesmo grupo cita que há evidência suficiente justificando o uso de ESAs em pacientes com anemia associada a baixo risco de mielodisplasia86. Guaraná (Paullinia Cupana) O guaraná (Paullinia cupana) é uma planta originária da Amazônia, cultivada no Brasil e na Venezuela, cujas propriedades energéticas e tônicas já eram conhecidas pelos nativos Maués, Amazonas e também na Bahia. Estes o utilizavam antes de irem às lutas e em longas caminhadas para aumentar a resistência a sede, calor e fadiga. Tem sido utilizado como tratamento "caseiro" em diversas moléstias, como cefaleia, má digestão, disfunções renais, dores musculares, cólicas menstruais, depressão e fadiga; foi recentemente testado em uma população não oncológica e se mostrou benéfico em termos de desempenho cognitivo e melhora do humor, sendo bem tolerado na dose de 75 mg90. As propriedades energéticas e tônicas do guaraná devem-se principalmente às metilxantinas presentes em suas sementes, predominantemente a cafeína (trimetilxantina). A cafeína, em doses comumente consumidas, atua bloqueando a ação da adenosina endógena em seus receptores: A1 e A2A. A adenosina é um neurotransmissor ou neuromodulador que produz sedação por inibição da liberação de vários neurotransmissores, como norepinefrina, dopamina, acetilcolina, glutamato e GABA91. Cafeína, teobromina e teofilina são designadas como metilxantinas e fazem parte de um grupo de compostos por vezes classificados como alcaloides verdadeiros (alcaloides purínicos) caracterizados por sua atividade anti-inflamatória. Em dois trabalhos realizados por nosso grupo, o extrato seco de guaraná administrado na dose de 75 mg uma vez ao dia, para pacientes que realizavam radioterapia, e 50 mg duas vezes ao dia, recebido por pacientes em regime quimioterápico para o tratamento de câncer de mama, obteve-se um resultado positivo e significante no tratamento da fadiga mental e física dessas pacientes. Com isso, o guaraná se mostra uma opção promissora, sem efeitos colaterais e acessível à nossa população92. Outros agentes farmacológicos Diversos outros tratamentos farmacológicos foram estudados para o tratamento da fadiga relacionada ao câncer. O uso de corticoides tem ocasionado diminuição dos níveis de depressão e consumo analgésico, além de proporcionar aumento do apetite e atividades diárias em um pequeno ensaio clínico randomizado placebo-controlado com 14 dias de metilprednisona por via oral em pacientes com câncer terminal93. No entanto, nenhum estudo maior envolvendo uso prolongado de corticoides em outras populações foi desenvolvido até o momento. Donezepil foi estudado em um ensaio randomizado no qual não houve benefício quando comparado com o placebo em pacientes que apresentavam FRC94. Estudos não conseguiram demonstrar qualquer beneficio de dextroanfetamina95, multivitamínicos96 ou antidepressivos97,98 no tratamento de fadiga de forma significativa até esta data. Em uma metanálise que avaliou o uso de corticoides e paroxetina, nenhuma das duas substâncias apresentou resultado melhor que o grupo-placebo no tratamento da FRC82. Abordagem combinada no tratamento da fadiga relacionada ao câncer Pacientes podem beneficiar-se de uma abordagem multimodal que utilize diversas estratégias de tratamento, e o exemplo mais proeminente dessa perspectiva executada de forma prática chama-se clínica de fadiga relacionada ao câncer, estabelecida em 1998 pelo M. D. Anderson Cancer Center. Essa clínica destina-se a melhorar a qualidade de vida dos pacientes por meio da redução da fadiga. O objetivo desse projeto é integrar a avaliação objetiva de fadiga com o desenvolvimento de um plano de tratamento que inclua medidas farmacológicas e não farmacológicas da mesma forma que proporcione educação voltada à compreensão familiar e dos cuidadores quanto ao comportamento dos pacientes que apresentem fadiga99. Recentemente, foram publicados os resultados dessas intervenções realizadas entre 1998 e 2005. Antes da avaliação inicial, os pacientes foram submetidos a exames laboratoriais que incluíam eletrólitos, avaliação da série vermelha e hormônios da tireoide. Os pacientes também receberam um grupo de questionários que avaliavam fadiga. Na consulta inicial, os médicos definiriam e individualizariam o plano de tratamento. As modalidades de tratamento poderiam incluir o tratamento de causas reversíveis ou comorbidades, orientação e discussão sobre fadiga, incluindo a disponibilidade de acesso à literatura relacionada ao tema, entre outras medidas não farmacológicas e farmacológicas oferecidas como forma de tratamento. Fadiga foi avaliada usando o BFI como grave (pontuação de 7-10) ou não grave (0-6), sendo subdividida posteriormente entre moderada (4-6) e leve (0-3). O objetivo primário era a redução da pontuação de fadiga de acordo com as medidas implementadas para alcançar tais níveis de melhora dos sintomas. As medidas mais comuns implementadas foram conservação de energia (98,5%), higiene do sono (97%), exercícios físicos (95%), relaxamento (27%), uso de antidepressivos (27%), analgésicos (25%), estimulantes (22%), ansiolíticos (17%) e aconselhamento nutricional (10%)34. Dos mais de 260 pacientes, 47% reportaram fadiga grave inicialmente, 42% apresentavam fadiga moderada e 10% fadiga leve. Somente 54% dos pacientes retornaram à segunda visita agendada, portanto uma perda de seguimento pode ter afetado os resultados. Entre os pacientes que foram acompanhadas em uma segunda visita, 59% alcançaram redução de pelo menos uma categoria nas pontuações de fadiga aferidas pelo BFI. A generalização dos resultados para outras populações é incerta, já que muitos pacientes solicitaram consultas nesta clínica com uma motivação prévia de tratar sua fadiga; a maioria dos pacientes era mulheres caucasianas com motivação para tratar seus sintomas. As doenças malignas mais comuns encontradas nesses pacientes foram o câncer de mama e doenças hematológicas34. O algoritmo presente na Figura 1 ilustra de forma esquemática a abordagem de pacientes com FRC. Considerações finais A FRC é um dos sintomas mais prevalentes em pacientes com câncer, sendo reportado por 50% a 90% dos pacientes e impactando qualidade de vida de forma grave, além de diminuir a capacidade funcional diária dos pacientes. Os sintomas de fadiga continuam sendo pouco reportados e não são tratados de forma adequada. As recomendações atuais indicam a investigação da fadiga na visita inicial do paciente, quando um diagnóstico de doença avançada é feito, e a cada visita realizada para a aplicação de quimioterapia, assim como a identificação de causas tratáveis e fatores que contribuam para a manifestação desse sintoma. Questionários padronizados devem ser utilizados, como o BFI ou o VAS, já que são apropriados para a gradação inicial de fadiga. No entanto, a abordagem inicial desse sintoma requer mais que a aplicação de um questionário. Uma abordagem ampla deve ser realizada com orientações gerais sobre fadiga, além da determinação de um plano individualizado de abordagem terapêutica. Pacientes com fadiga moderada ou grave devem beneficiar-se de ambas as medidas farmacológicas e não farmacológicas a serem adotadas, enquanto pacientes que apresentam fadiga leve que não interfira com a qualidade de vida podem ser tratados com medidas não farmacológicas como única medida terapêutica. O tratamento não farmacológico se mostra promissor, com medidas como terapias cognitivo-comportamentais (conservação de energia e organização de atividades diárias realizadas, ECAM), exercícios físicos e, talvez, terapias do sono. Outras modalidades de tratamento podem ser benéficas e utilizadas de forma individualizada, porém a evidência é insuficiente para que se possa afirmar melhora de sintomas com outras terapias. O tratamento farmacológico tem mostrado resultados promissores que incluem o uso de psicoestimulantes, como metilfenidato e dexmetilfenidato, modanafil (em pacientes com fadiga grave) e agentes estimuladores de eritropoietina em pacientes com anemia associada à quimioterapia e hemoglobina menor que 10 mg/dL. Além dessa droga, os corticoides podem ser benéficos se utilizados em pacientes com câncer terminal e fadiga grave. Enquanto não há consenso quanto ao custo-benefício de se investir em uma clínica somente para o tratamento de FRC, melhor tratamento pode ser oferecido através de uma abordagem multimodal e multidisciplinar que individualize as opções terapêuticas dentro de uma clínica que esteja atenta à melhora ou piora dos sintomas desses pacientes em um local apropriado e com profissionais atentos aos sintomas dos pacientes com FRC. Cada caso deve ser avaliado de forma individual, e inicialmente classificado de acordo com uma escala de fadiga, anamnese e exame físico considerando as limitações próprias do paciente e suas comorbidades e o quanto desses sintomas estarão relacionados ao câncer e seu tratamento ou já estavam presentes no decorrer da vida destes pacientes por outras patologias ou atividades desenvolvidas. A fadiga estará presente não somente pelo câncer, mas pelo tratamento recebido pelo paciente, que pode proporcionar ou agravar a fadiga que já se manifestava. As limitações de cada paciente deverão ser reavaliadas e discutidas para que o melhor tratamento seja determinado de acordo com a perspectiva do paciente sobre a sua doença e a evolução da patologia e de seu tratamento. Correspondência para:Maira Paschoin de Oliveira Campos 2475 Brickell Avenue # 807 - Miami Zip code: 33129 - Florida, USA Artigo recebido: 05/07/2010 Aceito para publicação: 24/01/2011 Conflito de interesses: Não há. Trabalho realizado na Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP
Correspondência para: Maira Paschoin de Oliveira Campos 2475 Brickell Avenue # 807 - Miami Zip code: 33129 - Florida, USA Datas de Publicação
Histórico
Como é o cansaço do câncer?A fadiga relacionada ao câncer é caracterizada por exaustão excessiva e persistente que interfere nas atividades e funções diárias. Geralmente, começa antes do diagnóstico, piora durante o curso do tratamento e pode persistir por meses – até anos – após a remissão.
Qual câncer causa fadiga?O que causa a fadiga? Alguns tratamentos fazem o uso de terapias biológicas que podem provocar cansaço, dores musculares e falta de energia em alguns dias após a sua aplicação. Os tratamentos hormonais, em especial para tratar o câncer de mama e de próstata, costumam sentir muito cansaço no início do tratamento.
Quem tem câncer tem fadiga?A fadiga relacionada ao câncer (FRC) é um dos sintomas mais prevalentes em pacientes com câncer, sendo reportada por 50% a 90% dos pacientes durante o curso da doença ou do seu tratamento, impactando na qualidade de vida de forma severa além de diminuir a capacidade funcional diária dos pacientes.
O que pessoas com câncer sentem?Pacientes com câncer sentem dor e não falam com seu médico
E o pior: ela é subdiagnosticada e muitas vezes ignorada até pelo próprio paciente, que tem receio de tomar medicamentos (como a morfina) com medo de “viciar” ou considera automaticamente que a dor é inevitável neste processo.
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