Quando começa o sínodo da amazônia

Bispos conservadores convocaram jejum contra a assembleia

4 out 2019 - 14h39

(atualizado às 14h45)

Sob ataque das alas mais conservadoras do clero, começa neste domingo (6) o Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica, que também é motivo de preocupação no governo Bolsonaro por envolver o "calcanhar de Aquiles" do Brasil no cenário internacional.

Quando começa o sínodo da amazônia

Sínodo dos Bispos deve manter os olhos do mundo voltados para a Amazônia

Foto: ANSA / Ansa - Brasil

Durante três semanas, sacerdotes do mundo inteiro se reunirão no Vaticano para discutir novas formas de evangelizar os povos indígenas e de reforçar a presença da Igreja Católica em uma região com "vertiginoso crescimento" - como definiu o próprio Vaticano no "instrumentum laboris" do Sínodo - das denominações pentecostais.

Além disso, a assembleia de bispos deve produzir um discurso contundente em defesa da natureza, em linha com a encíclica "Louvado seja", a primeira exclusiva do papa Francisco e a primeira na história dedicada a temas ambientais.

Além de consolidar a imagem de Jorge Bergoglio como ativista contra as mudanças climáticas, especialmente por seus efeitos nas periferias do mundo, o Sínodo deve manter os olhos do mundo voltados para a Amazônia.

Ao longo dos últimos meses, o presidente Jair Bolsonaro comprou briga com países como Noruega, Alemanha e França por causa do aumento das queimadas na floresta e do esvaziamento dos órgãos de proteção ambiental.

No início do ano, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, já havia reconhecido que o governo estava "preocupado" com o Sínodo por temer interferências do Vaticano em assuntos internos, mas a Igreja vem buscando manter as pontes com o Planalto.

Bolsonaro recebeu na última quarta (2) o núncio apostólico (espécie de embaixador) no Brasil, Giovanni d'Aniello, e o cardeal Cláudio Hummes, amigo pessoal do Papa e relator do Sínodo, disse nesta quinta (3) que a soberania brasileira na Amazônia "não está em discussão".

Apesar disso, Francisco fez questão de afirmar no mesmo dia que considera as queimadas na floresta "um problema mundial". O Sínodo foi convocado em outubro de 2017, um ano antes de Bolsonaro ser eleito presidente.

Conservadores

O discurso climático de Francisco não preocupa apenas governos, mas também fomentou uma oposição feroz nas alas mais conservadoras do clero, capitaneadas pelo cardeal americano Raymond Burke.

Após ter insinuado que Jorge Bergoglio é "herege", Burke e o bispo cazaque Athanasius Schneider convocaram 40 dias de jejum contra as supostas "heresias" contidas no documento preparatório do Sínodo.

Um dos pontos questionados é a discussão de uma proposta que prevê a ordenação de homens casados, preferivelmente indígenas, como padres na Amazônia, que sofre com a escassez de sacerdotes.

Para Burke e Schneider, esses homens seriam o equivalente a "padres de segunda classe capazes de realizar rituais xamânicos". Além disso, acusam o documento preparatório de promover um "panteísmo implícito" ao sugerir que Deus e a natureza são uma coisa só e de "relativizar a antropologia cristã" ao considerar o homem um "mero elo na cadeia ecológica".

Mas o cerne da oposição ao Sínodo está ligado a uma ideia que permeia forças de extrema direita no mundo todo: o ceticismo em relação ao aquecimento global. Em sua convocação do jejum, Burke e Schneider criticam a "crença de que o progresso tecnológico está ligado ao pecado".

Antes disso, o cardeal alemão Walter Brandmuller já havia acusado o instrumentum laboris do Sínodo de fazer uma "agressiva intrusão" em "assuntos puramente mundanos do Estado e da sociedade do Brasil".

Apesar do foco no maior país da América do Sul, o Sínodo também dará destaque às outras oito nações da Amazônia: Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa (território pertencente à França) Peru, Suriname e Venezuela.

Essa será a quarta assembleia sinodal do pontificado de Francisco. Duas delas - uma extraordinária, em 2014, e outra ordinária, em 2015 - foram dedicadas à família, enquanto uma terceira, em 2018, tratou de temas ligados à juventude.

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O Sínodo da Amazônia será oficialmente aberto neste domingo (6) com uma missa no Vaticano. A maioria dos participantes dos nove países da região amazônica já chegou, dentre eles uma centena de brasileiros – e não são somente religiosos católicos. Na lista de presenças confirmadas do Brasil estão lideranças indígenas, um cientista, um procurador da República, representantes das confissões luterana e anglicana e até mesmo um pastor da Assembleia de Deus.

A reportagem é de Rafael Belincanta, publicada por Radio France Iternationale - RFI, 04-10-2019.

O Sínodo foi convocado pelo papa em 2017 e é considerado “filho” da sua carta encíclica “Louvado Seja”, publicada em 2015. O documento mostrou ao mundo o cunho e qual seria a direção que o papado de Francisco seguiria: a de um grande apelo ao social a partir das periferias do mundo no contexto da emergência climática.

A fundação da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) em 2014, com sede em Quito, no Equador, é outro elemento fundamental para entender os caminhos que Francisco ainda pretende trilhar na região amazônica. O presidente da REPAM é o ex-arcebispo de São Paulo, dom Cláudio Hummes, cardeal capuchinho, fiel conselheiro do papa jesuíta. Era ele quem estava ao lado de Bergoglio quando este se apresentou ao mundo como pontífice, em 2013. Foi dom Cláudio quem lhe disse logo após a eleição para que “não se esquecesse dos pobres”. A resposta de Bergoglio veio em seu nome pontifício.

Não por acaso, dom Hummes é o relator geral do Sínodo. Caberá a ele apresentar os resultados das consultas para que o papa assine embaixo. "O que se faz de mal à terra, acaba fazendo mal aos seres humanos e vice-versa. Há necessidade de uma conversão ecológica", disse o cardeal Hummes ao apresentar o Sínodo aos jornalistas na quinta-feira (3).

Peregrinação amazônica

Passaram-se quase 7 anos desde a eleição e Francisco já visitou a maior parte dos países da América do SulArgentina exclusa. Passou pelas regiões amazônicas mais pobres, conversou com índios e políticos, missionários e ateus. Conheceu a imensidão da Amazônia e reconheceu, ainda que com atraso histórico, os índios como parte indissociável e intocável da floresta.

Em uma recente entrevista a La Stampa, o papa declarou que o maior obstáculo para a preservação da Amazônia é a “ameaça à vida das pessoas e do ecossistema provocada por interesses políticos e econômicos de setores dominantes da sociedade”.

Diante do aumento das queimadas na Amazônia e da frágil relação entre o Palácio do Planalto de extrema-direita e o Vaticano, o Sínodo inevitavelmente terá uma repercussão política no Brasil. O presidente brasileiro considera o papa comunista e ainda não houve sinal do Itamaraty sobre uma possível visita de Bolsonaro ao Vaticano. Visita que Trump realizou em seu primeiro ano de mandato, apesar de todas as divergências.

“Acredito que as relações entre Brasil e Santa Sé estão no pior nível possível”, afirma Loris Zanatta, professor de História latino-americana na Universidade de Bolonha. “O papa não tem uma hostilidade evidente contra o governo brasileiro, mas é um papa que pela sua história e tradição via em Lula uma garantia dos valores que defende. Ou seja, na ótica do papa o Partido dos Trabalhadores (PT) representa o povo, um partido que nasceu nas comunidades eclesiais de base para salvaguardar a identidade católica latino-americana. Em Bolsonaro ele vê um ser estranho à essa tradição e não duvido que o possa considerar ilegítimo, apesar de ter sido eleito democraticamente”, pondera Zanatta.

Resgate de fiéis

A dupla tarefa do papa em encarnar os papéis de chefe de Estado e de pastor universal da Igreja Católica lhe torna uma figura contrastante no contexto político argentino. Sem ter voltado a Buenos Aires desde 2013, Zanatta acredita que o papa “está de malas prontas”. “Assim que os peronistas vencerem, o papa voltará como triunfador. Mas ele sabe que dentro da forte tradição peronista a batina branca poderá ser um fator de profunda divisão e não de unidade”, destaca.

Longe da Casa Rosada, o porquê da ofensiva do Vaticano sobre a Amazônia vai além do conceito de ecologia integral, diz respeito sobretudo a perda de território no campo da fé. A herança religiosa geracional já não é mais garantia de perpetuação da tradição católica, cada vez mais comprometida pela invasão neopentecostal – o grande pesadelo da Santa .

O documento de trabalho do Sínodo é longo e aborda este e outros temas, desde a proteção territorial até a presença eclesial nas cidades amazônicas. A questão da ordenação de homens casados e um dogmático fim do celibato na confissão católica, assim como a ordenação de sacerdotisas estão entre os temas a serem discutidos, mas já foram “vetados” pelo papa. “O foco serão os ministros da evangelização e novas formas de evangelizar”, também disse Francisco a La Stampa, afastando a possibilidade de uma igreja ad hoc para a Amazônia numa distópica descentralização do Vaticano.

Abertura para rituais indígenas na Igreja?

Outra questão a ser debatida no Sínodo será a inculturação, ou seja, neste caso a incorporação de práticas e rituais indígenas em ritos católicos e vice-versa. O bom e velho sincretismo religioso brasileiro será oficialmente tolerado pelo Vaticano para contrastar a perda de fiéis?

Francesca Cocchini, professora de História do cristianismo na Universidade Sapienza de Roma, diz que a inculturação está no “DNA da fé cristã” e que “não se trata somente de dar, mas também de receber”. Em relação à liturgia, Cocchini afirma que a Igreja Católica de rito latino está fossilizada. “Para que o catolicismo perdure na Amazônia é preciso, antes de tudo, purificar a memória, dar um nome e reconhecer aquilo que aconteceu no passado. Só assim será possível encontrar uma nova liturgia que responda ao ‘sinal dos tempos’, sobretudo por meio do diálogo. Se existe uma religiosidade nos rituais indígenas essa é, sem dúvida, uma expressão do Deus único”, explica.

Vandria Borari, liderança das terras indígenas de Alter do Chão, no Pará, participa neste sábado (5) de um evento promovido pelo Partido Verde italiano em Roma intitulado Amazônia, defendamos o nosso futuro. Ela está na Europa para conscientizar sobre a perda de territórios indígenas, principalmente para a monocultura da soja, e para denunciar o retrocesso nas políticas públicas de proteção aos índios atualmente em curso no Brasil.

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Oeste do Pará, Vandria não participará dos encontros no Vaticano, todavia acredita que o Sínodo contribua ao debate internacional sobre a questão das violações dos direitos humanos e dos crimes ambientais na Amazônia. “Não é possível proteger a floresta sem proteger as comunidades que ali vivem. Nesse ponto o Sínodo será muito importante para nós”, declara. Entretanto, ela lamenta a persistência de se impor religiões externas às comunidades indígenas. “Nós lutamos para reforçar a nossa autodeterminação enquanto povos originários. Nossa organização social e econômica é milenar, assim como a nossa cultura e tradição. Tudo isso deve ser respeitado”, salienta.

Ao tentar levar adiante a premente cultura evangelizadora que distingue os jesuítas, o papa eleva o Sínodo para além de uma dimensão puramente terrena. “Não se trata de um encontro de cientistas ou políticos. Não é um parlamento: é outra coisa. Foi convocado pela Igreja e terá uma dimensão e missão de evangelização. Será um trabalho de comunhão guiado pelo Espírito Santo”, disse o papa. Mas talvez no caso da Amazônia, a guiar sejam os Espíritos da Floresta.

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Sínodo da Amazônia começa no pior momento das relações entre Brasil e Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU

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