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O objetivo do instituto é a proteção dos credores e seu fundamento é resguardar e tornar eficaz a regra segundo a qual o patrimônio do devedor constitui a garantia geral das obrigações, evitando-se, deste modo, impor ao autor da ação o ônus de produção de provas extremamente difíceis ou, até mesmo, impossíveis. IntroduçãoA falta de confiança de que as instituições garantirão o direito vigente gera dúvidas sobre a estabilidade das relações jurídicas e incertezas sobre as consequências dos atos baseados nas normas jurídicas vigentes, ocasionando no âmbito da sociedade à sensação de insegurança jurídica. Esse ambiente é pouco favorável ao desenvolvimento da atividade econômica, o que limita a competitividade das empresas, encarece o crédito, provoca a retração de investimentos, enfim, produz efeitos nefastos na economia. A segurança jurídica, uma quimera, ideal, um norte, um parâmetro, ou na visão de um realista esperançoso, pode ser concebido como um objetivo a ser alcançado, na qual nos perfilamos. A ideia inerente a sua concepção pode ser entendida como uma estabilidade duradoura/permanente de normas jurídicas certas, estáveis, previsíveis calculáveis e, ao mesmo tempo coercitivas, de modo a incutir na sociedade os deveres de convivência que devem ser observados. O exercício continuado e eficiente da jurisdição proporcionará um clima generalizado de confiança no Poder judiciário, qual seja de segurança social e insatisfações eliminadas. Neste mister, o juiz, na qualidade de presidente do processo, tem o dever-poder de zelar pela devida efetividade da jurisdição de modo a garantir a satisfação do direito do verdadeiro titular na lide. As contendas de crédito tem uma peculiaridade própria: devedores insolventes ou mesmo aqueles “profissionais” que empregam todo tipo de artifícios ardilosos para não pagar o débito. Sob este aspecto, conforme veremos no decorrer do trabalho é necessário conferir maior operabilidade à fraude contra credores, nos certames judiciais, por meio de conceito objetivo, afastando-se a necessidade de produção de provas extremamente difíceis ou diabólicas para o êxito das ações pauliana. Definição, alcance e objeto do institutoÉ uma ação de conhecimento com o objetivo de obter uma sentença constitutiva-negativa, não meramente declaratória ajuizada pelo credor quirografário, para fins de restabelecer a responsabilidade executiva sobre determinado bem do devedor, ora objeto de atos de disposição, eivados de fraude (oneroso ou gratuito). De forma didática, colacionamos o conceito trazido pelo Professor Gediel [1]:
Trata-se de instituto de direito material, não podendo ser confundida com a fraude a execução, de natureza processual, declarada incidentalmente no processo, independentemente de qualquer ação declaratória ou constitutiva. Neste sentido, esclarece o professor Dinamarco [2]:
A ação pauliana também é conhecida no meio acadêmico por “actio rutiliana”. Todavia, o Direito Romano preferiu a denominação de “actio pauliana” por iniciativa do imperador Gaius, em consideração ao pretor e jurisconsulto Paulus Rutilius [3] O tema encontra-se disciplinado nos artigos 158 a 165 do código civil. RequisitosO atual Código Civil reproduziu os seguintes dispositivos acerca da matéria:
Deste modo, para a configuração do vício da fraude contra credores, podemos elencar os seguintes requisitos: a) prejuízo para o credor quirografário (eventus damni); b) que o ato jurídico praticado tenha levado o devedor ao estado de insolvência ou o tenha agravado; c) anterioridade do crédito; d) e que o terceiro adquirente conheça o estado de insolvência do devedor (scientia fraudis). Nesse sentido, manifesta-se balizada doutrina:
E o Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
Denota-se da análise dos dispositivos acima invocados a dispensabilidade dos requisitos da intenção de prejudicar (consilium fraudis), seja pela não exigência de conluio entre devedor e terceiro (concilium fraudis). No sistema jurídico nacional, o conluio fraudulento entre devedor e terceiro só é exigido no âmbito da ação revocatória falencial, conforme disposto no artigo 130 da Lei n. 11.101/2005:
A doutrina nessa temática não diverge:
O legislador pátrio optou por uma maior objetivação do instituto, operando verdadeira simplificação da teoria da fraude contra credores. Corrobora o próprio texto do Código Civil de 2002, ao prever, no caput do artigo 158, a dispensabilidade da intenção de causar dano com a inclusão da frase “ainda quando o ignore”, verbis:
Oportuno colacionar a lição de Álvaro Villaça Azevedo:
Assim, diante dessas considerações, importa consignar que, o que se exige, a rigor, na hipótese art. 159 do CC, em atenção à operabilidade do instituto da fraude contra credores, é a scientia fraudis, isto é, o conhecimento, pelo terceiro, da situação de insolvência do devedor, e não o consilium fraudis, que, verdadeiramente, foi abstraído pela lei. Efeito: ineficácia e não anulabilidade do atoDe acordo com o código civil no inciso II do artigo 171 do CPC, a fraude contra credores gera um negócio jurídico anulável.
Contudo, a doutrina critica a opção do legislador pela anulabilidade porquanto esta exige vício nos elementos essenciais do negócio jurídico, o que não ocorre na fraude contra credores. Sob este contexto, o efeito da fraude contra credores é de gerar a ineficácia em relação ao credor, haja vista que o instituto se destina a protegê-lo. Portanto, a fraude contra credores atuaria no plano da eficácia do negócio jurídico, e não da validade por ausência de vício. O professor Dinamarco [9] elucida:
Portanto, o resultado obtido pelo credor por meio da sentença constitutiva, só a ele aproveita e não aos demais credores [10] constantes da cadeia de transmissão do bem, por uma simples razão: essa sentença não anula o ato, limitando-se a reconhecer sua ineficácia perante o credor, autor da ação. Ônus da provaA insolvência oriunda ou agravada pelo ato de disposição realizada pelo devedor, conforme leciona o Professor Dinamarco:
Segunda a regra de distribuição do ônus da prova estabelecido no artigo 373, incisos I e II, do Código de Processo Civil, cabe às partes a comprovação de suas alegações, impondo ao demandante a prova dos fatos constitutivos de seu direito e ao demandado a prova dos fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor. Partindo dessa premissa legal, tratando-se de ação pauliana com esteio em robusta prova documental, compete ao réu o ônus de provar que não está em estado de insolvência, trazendo aos autos prova inequívoca da existência de bens livres de qualquer ônus capazes de fazerem frente ao valor do débito. De outro lado, não seria lícito impor-se a produção de prova negativa à parte. Por conseguinte, comprovar o autor que os devedores não têm bens suficientes para saldar o débito mostra-se extremamente difícil. Está-se, evidentemente, diante da prova diabólica (probatio diabolica). Em contrapartida, aos devedores, é simples comprovar sua solvência, bastando trazer aos autos prova da existência de outros bens em seu nome, junto com sua resposta à demanda, na esteira do disposto pelo artigo 434 do Código de Processo Civil. Aspectos práticosNão foi estabelecido um procedimento especial, assim, aplica-lhe o procedimento comum (artigos 318 a 512 do CPC). A legitimidade ativa é do credor prejudicado, frisa-se, ao tempo da fraude, privado de qualquer garantia real que sirva de situação privilegiada. Cabe ao autor na inicial demonstrar que seu crédito antecede ao ato fraudulento, que o devedor estava ou, por decorrência do ato, veio a ficar em estado de insolvência e, cuidando-se de ato oneroso – se não se tratar de hipótese em que a própria lei dispõe haver presunção de fraude – a ciência da fraude (scientia fraudis) por parte do adquirente, beneficiado. Exemplos de prova neste contexto são os atos de protesto, distribuição de ações executivas e de falência, parentesco, sociedade, amizade e etc. A lei protege o terceiro adquirente de boa-fé. Assim sendo, para o êxito da ação deve o autor provar a scientia fraudis, como bem observado pelo Relator Des. Lazaro Guimarães, no REsp n. 1.294.462, acima transcrito:
Doutra parte, a legitimidade passiva, é o devedor que praticou o ato fraudulento. Compartilhando do posicionamento do Professor Dinamarco [12], no sentido que a ação em estudo visa obter a ineficácia do ato de disposição fraudulento do devedor, não se mostra necessário o litisconsórcio passivo necessário do adquirente do bem, porquanto, como bem frisado pelo ilustre processualista:
Por outro lado, poderá o réu na sua resposta provar a sua solvência, após o ato de disposição do seu bem e/ou outro ato oneroso, mediante a prova da garantia de patrimônio suficiente para responder por suas obrigações. A ação própria para apreciar o vício de fraude a credores é a pauliana, não podendo ser reconhecida incidentalmente em sede de embargos de terceiros: Neste sentido:
Na ação revocatória, cuja finalidade é apenas a declaração de ineficácia do negócio celebrado dentro do termo legal da quebra, não é admitida a denunciação da lide, uma vez que esta traria ao processo um novo litígio completamente divorciado da causa principal. A ação pauliana tem caráter pessoal porquanto visa garantir ao credor prejudicado e quirografário, sem qualquer garantir real sobre o bem alienado pelo devedor, o retorno a sua esfera de domínio, que ficou reduzido à insolvência, como forma de garantir o cumprimento do crédito daquele. Por consequência, devem obedecer as regras de competência estatuídas no artigo 46 do CPC (domicílio do réu). O valor da causa da ação deve ser equivalente ao negócio na qual se pretende ver declarado ineficaz. Se imóvel, pode ser o seu valor venal. Ressalte-se que o objeto da ação pode ser a existência de fortes indícios de movimentação fraudulenta de ativos financeiros do devedor em prol de familiares e partes a ele relacionados. Deste modo, poderá o causídico da parte autora pleitear perante o juízo da ação a quebra do sigilo bancário via BACEN/COAF de todos os envolvidos para se apurar o destino final dos ativos financeiros ocultados. Bem de família x fraude contra credoresTendo o bem penhorado retornado ao patrimônio do devedor após acolhimento de ação pauliana, é de se excluir a aplicação da Lei 8.009, porque seria prestigiar a má-fé do devedor. Segundo a conhecida lição de Clóvis:
Neste contexto, a 4ª Turma do E. Superior Tribunal de Justiça não diverge:
E a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo:
Com a procedência da ação pauliana o imóvel retorna ao patrimônio do devedor, que se sujeitará aos atos de execução para a satisfação do crédito do autor, prestigiando-se a boa-fé e a efetividade do processo nas contendas judiciais. Prazo decadencialA natureza do prazo para o exercício da ação revocatória é de decadência, e não de prescrição, considerando que a desconstituição de negócio jurídico realizado com fraude configura direito potestativo do credor, ainda que, nesse caso, somente possa ser exercido por meio de ação judicial. O prazo é de quatro anos, nos termos do inciso II do artigo 179 do Código Civil: O prazo decadencial não se interrompe nem se suspende segundo a regra do artigo 207 do Código Civil:
Contudo, o simples ajuizamento desta ação tem o condão de interromper, por obvio, o prazo de decadência, momento em que o credor salvaguarda seu direito e a partir do qual não mais corre o prazo de decadência. O Registro do titulo aquisitivo respectivo no assento imobiliário constitui o termo inicial do prazo decadencial de quatro anos, nos casos envolvendo bens imóveis, ocasião em que o ato registrado passa a ter validade contra terceiros (erga omnes) Acerca do termo inicial do prazo decadencial da ação pauliana são os seguintes precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça:
Nos demais atos de disposição fraudulentos (movimentação de ativos e etc) o prazo decadencial se inicia a partir da data da ciência ou realização do negócio/transação. ConclusãoO instituto da fraude contra credores somente tem razão de ser com o advento da noção de responsabilidade patrimonial do devedor, porquanto é apenas neste momento que se coloca a questão da insuficiência do patrimônio para responder pelas dívidas. O artigo 789 do Código de Processo Civil é claro em afirmar que o devedor responde com todos os seus bens, presentes e futuros, para o cumprimento de suas obrigações. A responsabilidade patrimonial do devedor fez surgir uma clara obrigação no sentido de não alterar a solidez do seu patrimônio, destinado à satisfação de seus credores, como uma garantia de caráter real. Este limite é traçado pelo princípio da boa-fé que deve permear as contendas judiciais. Repreende-se, portanto, os atos de disposição praticados pelo devedor eivados de fraude. [11] A Fraude pode ser compreendida como qualquer artifício ardil, engenhoso, vil, utilizada pelo devedor por meio de transações ou atos de disposição para com terceiro com o intuito de causar prejuízos econômicos aos credores. Em suma, é todo o ato de disposição praticado pelo devedor prejudicial ao credor (eventus damni) por tornar o devedor insolvente ou ter sido praticado em estado de insolvência. O atual Código Civil, conforme visto acima sedimentou a ocorrência presumida de fraude contra os credores nos artigos 158 e 159 do Código Civil. Todavia, na prática, no julgamento das ações desta natureza é necessário conferir maior operabilidade à fraude contra credores, por meio de conceito objetivo, afastando-se a necessidade de produção de provas extremamente difíceis ou diabólicas. Deste modo, é presumida a intenção fraudulenta em se tratando de transmissão gratuita ou por preço vil de propriedade de vultosa importância, ainda mais a parente ou conhecido do devedor. Ao analisar as provas o Juízo deve perquirir acerca da razoabilidade do ato de disposição nas circunstancias que o cercam, de modo a tentar encontrar motivos que o legitimem com amparo no princípio da boa-fé. Se positivo, o ônus da prova da fraude recairá sobre o credor, autor da ação, e se for negativa, ao réu/devedor. Essa regra de julgamento propiciará ao instituto mais efetividade, utilidade prática e operabilidade [12]. Assim, do conjunto dos fatos, emergem indícios, circunstâncias e presunções capazes de demonstrar a configuração do vício do ato jurídico. Nessa seara, a Doutrina [14] não diverge no que tange a força da presunção como força para legitimar esta ação:
O atual texto do artigo 158 do código civil é claríssimo a esse respeito, assentando a dispensabilidade existência de consilium fraudis – manifesta intenção de lesar o credor – com a inclusão da frase “ainda quando o ignore”. O objetivo do instituto é a proteção dos credores e seu fundamento é resguardar e tornar eficaz a regra segundo a qual o patrimônio do devedor constitui a garantia geral das obrigações. Sob este contexto, deve-se evitar impor ao credor – autor da ação – o ônus de produção de provas extremamente difíceis ou, até mesmo, impossíveis, em face da dinamicidade dos negócios, desapegando-se do rigorismo formal, em detrimento ao seu direito. Portanto, o que se exige, a rigor, na hipótese do art. 159 do CC/2002, em atenção à operabilidade do instituto da fraude contra credores, é a scientia fraudis, isto é, o conhecimento, pelo terceiro, da situação de insolvência do devedor (que pode ser presumida), e não o consilium fraudis, que, verdadeiramente, foi abstraído pela lei. Referências Bibliográficas[1] ARAUJO JUNIOR, Gediel Claudino de. Prática no Processo Civil. 20ª.
Ed. GEN. Pág. 427.
Alexandre Assaf FilhoAdvogado e Consultor. Pós-Graduado em Direito Societário pelo Instituto Insper (SP), com Especialização em Direito Processual Civil pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP (Lato Sensu). Atua nas áreas de Direito Empresarial, Societário, Direito Bancário e Recuperação Judicial. Autor de diversos trabalhos científicos publicados na área. Publicidade Quem tem legitimidade ativa e passiva na ação pauliana?V – LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA DA AÇÃO PAULIANA
Legitimado ativo é o credor prejudicado, abstraindo-se de qualquer garantia real que sirva de situação privilegiada. Legitimado passivo é o devedor, pois foi ele quem fraudou. Ao terceiro com scientia fraudis, dá-se legitimidade passiva, pois adquiriu o bem.
O que é a ação pauliana ou revocatória?Define-se a ação pauliana, ou ação revocatória para alguns, como aquela que tem por objetivo a anulação de ato tido como fraudulento, que tal tenha gerado prejuízos a terceiros, in casu, a um credor.
Quando é usada a ação pauliana?O prazo decadencial de 4 anos para a propositura de ação pauliana (anulação de negócios jurídicos realizado em fraude contra credores) conta a partir do registro especial exigido para a efetivação da transferência de propriedade.
O que é ação pauliana e quais os seus efeitos?A Ação Pauliana é um instrumento utilizado no meio jurídico para reverter ao patrimônio do devedor, o bem que o mesmo desviou com a finalidade especifica de não vê-los disponibilizados para o cumprimento do pagamento de seus débitos junto a terceiros.
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