Quais fatores explicam a insegurança alimentar no mundo?

Insegurança alimentar é quando o acesso e a disponibilidade de alimentos são escassos. Se uma família não tem acesso regular e permanente à alimentação, em quantidade e qualidade adequadas, ela está em situação de insegurança alimentar.

As escalas de insegurança abrangem situações de alimentação de má qualidade até a fome em larga escala. A situação pode ser crônica ou transitória e o acesso pode ser limitado a algum momento do ano, devido à falta de dinheiro e outros recursos.

A situação econômica familiar está intimamente ligada à insegurança alimentar, existindo principalmente em países pobres e em desenvolvimento. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, a insegurança alimentar atinge 52 milhões de brasileiros.

As duas faces do mesmo problema

A troca da qualidade dos alimentos com o objetivo de otimizar os recursos financeiros é muito comum nas famílias de baixa renda e a consequência é a obesidade. Essa carência alimentar é mais difícil de identificar, porém, é potencialmente perigosa.

A má alimentação gera uma cascata de vulnerabilidades, que muitas vezes se traduz em doenças. Essa fome, parcialmente saciada com uma dieta pobre em carboidratos complexos e rica em açúcares simples e gorduras, compromete ainda mais a qualidade de vida de pessoas já prejudicadas socialmente.
A questão da alimentação não se resume apenas a ter comida na mesa ou não, ela também envolve a qualidade, procedência e elaboração dessa comida. Não se trata apenas de comer, mas de comer bem. A privação de comida, fome severa e a obesidade são a ponta de um iceberg muito maior do que temos noção.

As deficiências de micronutrientes como ferro, vitamina A e iodo são crescentes. Bilhões de pessoas sofrem hoje as consequências do modelo de alimentação fast food, que mina a saúde e aumenta os casos de diabetes, alergias, colesterol alto, hiperatividade infantil, etc.

Cada vez mais pessoas são empurradas a comprar produtos baratos e menos nutritivos. Embora a situação de insegurança alimentar no Brasil tenha diminuído com o auxílio de programas federais, a falta de qualidade do alimento é um problema exponencial, que gera muita preocupação.

A Organização Mundial da Saúde aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. A projeção é que, em 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso, e mais de 700 milhões, obesos.

No Brasil, números da pesquisa Vigitel 2014 (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) indicam que mais da metade de população está acima do peso (52,5%) e, destes, 17,9% são obesos.

A fome e a obesidade são dois lados da mesma moeda: um sistema alimentar que não funciona e condena milhões de pessoas à má nutrição. De acordo com o relatório O Estado Mundial da Agricultura e da Alimentação 2013, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 870 milhões de pessoas no mundo passam fome, enquanto 500 milhões têm problemas de obesidade.

Como afirma Raj Patel em seu livro Obesos e famélicos (Los Libros de Lince, 2008): ?A fome e o sobrepeso globais são sintomas de um mesmo problema. (?) Os obesos e os famélicos estão vinculados entre si pelas cadeias de produção que levam os alimentos do campo à nossa mesa?.

A cadeia agroalimentar afastou progressivamente a produção do consumo. Cada vez mais empresas agroindustriais apropriam as diferentes etapas da cadeia, o que gera uma perda de autonomia tanto dos camponeses quanto dos consumidores. O modelo agrobusiness busca o lucro econômico em detrimento das necessidades alimentares das pessoas e do respeito ao meio ambiente.

Para transformar esse paradigma, é fundamental promover uma agricultura local, diversa, camponesa e sustentável, que respeite o território, entendendo o comércio internacional como um complemento à produção local.

Atualmente, grande parte dos grupos de consumo se encontra nos núcleos urbanos. A distância e a dificuldade para contatar diretamente com os produtores são maiores nessas condições. Contudo, obter informações sobre o conteúdo nutricional e preços menores para os alimentos mais saudáveis, incluindo frutas e legumes, é necessário.

Estratégias inovadoras para tornar mais acessíveis os produtos nutritivos são essenciais para transformar as escolhas alimentares saudáveis em escolhas fáceis.

*Via eCycle.

Há mais de 20 anos, a ActionAid vem atuando no combate à fome e à injustiça no Brasil. Neste período, temos feito parte de diversas ações e vimos com esperança o país sair do Mapa da Fome da ONU em 2014.  Mas esse alívio durou pouco. De acordo com o IBGE, o Brasil retrocedeu 15 anos em 5, com mais de 84 milhões de pessoas enfrentando algum grau de insegurança alimentar em 2018. Número que tende a aumentar ainda mais diante dos impactos socioeconômicos do novo coronavírus.

É por isso que lançamos um alerta neste Dia Mundial da Alimentação 2020, celebrado em 16 de outubro. A partir da análise de estatísticas de organizações nacionais e internacionais e com base nas nossas experiências em rede com 13 parceiros no país, elaboramos uma Nota Técnica para apontar cinco dimensões que aprofundam esse cruel cenário da fome, propondo também quatro medidas emergenciais para conter esse flagelo social.

Acesse a nota técnica na íntegra.

Conheça os 5 fatores que aprofundam a fome no país

1 – Crescimento da extrema pobreza

Nos últimos anos, as medidas empregadas pelos governantes para o enfrentamento da crise econômica não apresentaram os resultados prometidos. Aconteceu o contrário, com o agravamento da extrema pobreza e das desigualdades no país. Sem poder aquisitivo, reduz-se a alimentação, cai a qualidade dos alimentos e aumenta a insegurança alimentar. Com isso, estima-se que 5 milhões de pessoas voltaram a passar à condição de extrema pobreza em 2019. Com a crise do novo coronavírus, a situação tende a se agravar.

Analista de Políticas e Programas da ActionAid, o economista Francisco Menezes destaca:

O crescimento da extrema pobreza e da desigualdade não foi um acidente de percurso. Isso já ocorre desde 2016, quando se intensificaram medidas que atingem diretamente a população em maior vulnerabilidade, como o corte de investimentos sociais com a aprovação da Emenda Constitucional 95 e o aprofundamento da precarização do trabalho. Nesse contexto, mulheres e crianças são os mais afetados.

A ActionAid acompanha a situação de comunidades como Heliópolis, maior favela de São Paulo. A parceria UNAS relatou que pelo menos 68% das famílias perderam renda. O impacto sobre a alimentação foi direto: 67% afirmaram que precisaram, pelo menos uma vez durante a pandemia, diminuir a quantidade de alimentos em suas refeições diárias. E 42% estavam deixando de fazer uma das três refeições diárias por falta de recursos para a compra de alimentos.

Quais fatores explicam a insegurança alimentar no mundo?

Com apoio da ActionAid e de diferentes financiadores, a UNAS promoveu uma campanha de arrecadação e distribuição de cestas básicas e itens de higiene para famílias em Heliópolis. Foto: UNAS / ActionAid

Esse novo contexto vem direcionando a atuação da sociedade civil, reforçando estratégias de proteção e assistência às famílias das comunidades mais vulneráveis. Com apoio da ActionAid e de diferentes financiadores, a UNAS promoveu uma campanha de arrecadação e distribuição de cestas básicas e itens de higiene, doando mais de 27 mil cestas em Heliópolis e nas comunidades do entorno, apenas entre março e julho.

2 – Desmonte das políticas públicas de segurança

Nos últimos anos, todo um conjunto de programas e ações que foram construídos e implementados na área da segurança alimentar e nutricional nas últimas duas décadas sofreram drásticos cortes orçamentários. O Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa Cisternas e o Programa de Restaurantes Populares, todos de ainda maior importância no atual quadro de fome da população mais vulnerável, têm na soma de seus orçamentos menos da metade daquilo que se estima necessário. O Programa Bolsa Família, por seu lado, acumulou uma fila de espera até o fim do primeiro semestre deste ano de 1,5 milhão de famílias, que já estavam habilitadas para receberem essa transferência de renda.

A ActionAid observou, nas cidades e no campo, como o crescimento da pobreza e a ameaça da fome vão se fazendo presentes pelo estreitamento desses programas. Há muitos relatos de que estoques de alimentos da agricultura familiar estão se perdendo devido à impossibilidade de comercialização nas feiras e no PNAE diante do contexto da pandemia. E também pela quase extinção do PAA, já antes da pandemia.

Medidas como a liberação de R$ 500 milhões como crédito extraordinário para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) mostraram-se insuficientes. A ActionAid também identificou que medidas de proteção social e econômica não foram efetivadas, embora diferentes organizações da sociedade civil organizada, movimentos sociais e parlamentares progressistas tenham se empenhado na aprovação do Projeto de Lei 14.048/20, vetado pelo presidente em agosto, que previa apoios para a produção da agricultura familiar com objetivo de gerar renda e garantir alimentos saudáveis, fortalecendo, assim, a luta contra a fome.

3 – Demolição da estrutura institucional

Se percebemos, por um lado, o enfraquecimento das políticas públicas, também detectamos, por outro, um esvaziamento de participação social e política, o que acarreta um distanciamento cada vez maior entre a sociedade civil e o Estado. São exemplos a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), respectivamente em 2016 e 2019. Helena Lopes, assessora de Agroecologia e Justiça Climática da ActionAid, explica:

O Estado deixa de ser um aliado importante no fortalecimento e na valorização das práticas coletivas e dos territórios e, ao contrário, passa a valorizar relações privatistas que enfraquecem a dimensão de público antes atribuída aos alimentos ou a outros bens como a água e o solo.

Quais fatores explicam a insegurança alimentar no mundo?

Por meio de organizações parceiras, como a AS-PTA, a ActionAid apoiou a compra de alimentos de famílias agricultoras para a distribuição em cestas básicas. Foto: AS-PTA

Isso implica que, nos territórios ou na vida cotidiana, as organizações coletivas se deparam com o descaso do Estado e precisam muitas vezes construir ações para tentar reduzir o impacto da falta de políticas públicas abrangente. Nos seis primeiros meses da pandemia, por exemplo, a ActionAid apoiou 13 organizações parceiras na distribuição de 36.515 cestas de alimentos em 167 comunidades de sete estados (MA, PB, PE, BA, MG, RJ, SP). Dessas cestas, 15.270 foram provenientes da agricultura familiar, com alimentos comprados diretamente dos produtores.

4 – Destruição dos meios de subsistência

A devastação ambiental que atualmente sofre o Brasil e o negacionismo frente ao problema climático têm direta relação com a fome. Agricultores e agricultoras familiares, povos e comunidades tradicionais têm desenvolvido, ao longo de gerações, práticas produtivas que se dão pela conexão com a biodiversidade, numa relação entre o fazer agrícola e a ecologia dos lugares. Esse alimento saudável é um importante conector entre campo e cidade. O impacto sofrido pelas mudanças climáticas e pelo descaso com as políticas ambientais é drástico.

5 – Alta dos preços dos alimentos básicos e a redução do auxílio emergencial.

Segundo a PNAD Covid-19, no final de julho, 41 milhões de pessoas estavam sem emprego no Brasil. O Auxílio Emergencial aprovado no Congresso Nacional evitou efeitos ainda mais extremos em relação à fome e à crise sanitária. No entanto, na última prorrogação da medida, o governo reduziu o valor do repasse à metade, e prevê seu fim no mês de dezembro. Combina-se a isso a preocupante situação da alta dos preços de alimentos, já alertada pelo economista Francisco Menezes em junho deste ano.

Para vencer a fome, é preciso reagir

Acreditamos, por experiência nos territórios, que é possível transformar realidades com base na potência das comunidades Brasil afora. São muitos os exemplos que nos fazem pensar: e se o Estado apoiasse de forma efetiva e se propusesse a aprender e fazer junto com essas organizações? Já vimos na prática esse encontro dar certo e gerar grandes avanços.

Quais fatores explicam a insegurança alimentar no mundo?

Na Bahia, nossos parceiros do MOC também se mobilizaram para a compra e distribuição de alimentos da agricultura familiar na pandemia. Foto: MOC

Para a construção de um desenvolvimento inclusivo e com políticas de segurança alimentar e nutricional efetivas e com suporte orçamentário suficiente, diversas esferas da sociedade precisam se engajar nesse objetivo. Esse engajamento se torna crucial diante dos impactos socioeconômicos do novo coronavírus. No entanto, destacamos que é fundamental frear retrocessos para que iniciativas exemplares e potentes possam ganhar escala. Assim, recomendamos:

  • A revogação da Emenda Constitucional 95, para que o equilíbrio fiscal não seja feito às custas dos mais vulneráveis;
  • A implementação de uma Renda Básica permanente, com urgência confirmada pela pandemia;
  • O fortalecimento e garantia das Políticas Públicas, que por diferentes caminhos têm garantido a segurança alimentar e nutricional da população brasileira;
  • A implementação de um sistema tributário progressivo com mais impostos sobre renda e patrimônio, como: Impostos sobre grandes fortunas – IGF; Imposto sobre o sistema financeiro – IOF; Sobre a distribuição lucros e dividendos; Fim dos privilégios fiscais, de incentivos, isenções e benefícios tributários ineficientes.

Leia a nota técnica na íntegra e saiba mais.

Você também pode fazer parte da nossa rede de solidariedade no combate à fome e à pobreza no Brasil. Junte-se a nós.

Quais os fatores que contribuem para a insegurança alimentar?

Suas causas são diversas: escassez de alimentos, problemas de abastecimento, produção insuficiente, perda de fonte de renda (desemprego), pobreza, preços elevados, mudanças climáticas.

Quais fatores explicam a má distribuição de alimentos e a fome no mundo?

Os fatores que causam a fome no mundo são vários, dentre os quais estão a desigualdade social, a pobreza, os conflitos e guerras, as crises econômicas, a má distribuição de alimentos e o manejo inadequado dos recursos naturais.

Quais são os principais tipos de insegurança alimentar explique um deles?

Insegurança alimentar leve - quando há receio de passar fome em um futuro próximo; Insegurança alimentar moderada - quando há restrição na quantidade de comida para a família; Insegurança alimentar grave - nos casos de falta de alimento na mesa.

Qual a situação geral em relação à insegurança alimentar no mundo?

Cerca de 924 milhões de pessoas (11,7% da população global) enfrentaram a insegurança alimentar em níveis severos, um aumento de 207 milhões em dois anos. Mulheres e crianças - A lacuna de gênero na insegurança alimentar continuou a aumentar em 2021.