Qual o número de jogadores no futebol?

Qual o número de jogadores no futebol?

A história dos números e dos principais sistemas de numeração do mundo

É relativamente raro eu revisitar temas históricos, o que normalmente faço quando percebo que há vários fatos inexplorados pelo texto original aqui no Cultura FC. Bom, é isso que vou fazer agora sobre a história da numeração nas camisas de futebol, tema que voltou à minha atenção depois de ler dois livros sobre a história dos sistemas táticos (afinal, evolução de esquemas táticos e de numeração andam lado a lado).

Aliado a isso, meu texto original sobre o tema é lá do começo do Cultura, está quase completando dez anos, e vejo também como a necessidade de me aprofundar no tema reflete também como evoluiu a minha capacidade de apurar fatos ao longo dos anos. Bom, sem mais delongas, vamos à história dos números no futebol na sequência.

Sobre números e táticas

Hoje reina no futebol de alto nível a numeração fixa nos clubes, em que titular ou reserva, não importa a posição, pode escolher o número que bem entender. Para quem tem menos de 30 anos, pode parecer que o futebol sempre foi assim, mas basta um exercício mental rápido para mostrar como esse “vale-tudo” tem alguns limites culturais: apesar de ser plenamente possível pelas regras do futebol, quantos atacantes você se lembra que usam a camisa 2 ou a 4? E quantos defensores jogam a 9 ou a 10?

Isso é o resquício que o sistema anterior de numeração, que perdurou por mais ou menos 70 anos (a depender da parte do mundo), deixou na cultura do futebol. Nele, não só a equipe titular era apresentada com camisas de 1 a 11, como cada número era associado a uma posição.

Porém, como as posições evoluíram ao longo dos anos em formas e épocas distintas em cada país, isso fez com que cada “escola futebolística” tivesse o seu sistema próprio de numeração. Para ficar inicialmente em dois exemplos, uma linha de quatro defensores no Uruguai é numerada 4-2-3-6 (nota: neste texto, sempre será sequenciado as linhas da direita para a esquerda no campo); já na Inglaterra, essa mesma linha é 2-5-6-3.

Apenas como aperitivo do que se seguirá, recomendo o vídeo abaixo do Tifo Football, que além de resumir bem como alguns sistemas tradicionais evoluíram, ainda acerta em cheio em algo fundamental: como os jogadores de defesa tradicionalmente têm mais rigor de posicionamento em campo, as numerações também eram mais fixadas nas linhas de defesa (via de regra, camisas de 2 a 6); no ataque, com os jogadores tendo mais liberdade de movimentação, a linha ofensiva sempre recebeu uma numeração mais fluida (em geral, camisas de 7 a 11).

Como o vídeo fala, a linha ofensiva tem números mais ligados a funções do que a posicionamento e, embora haja várias exceções à regra, eis o padrão básico: o 8 é o meio de campo de ligação (o “box-to-box”, ou área a área); o 10 é o criativo ou o craque do time; o 7 e o 11 são os meias de lado ou os atacantes de velocidade, seja por dentro ou pelas pontas; já o 9 é o goleador – por motivos históricos, o meio de campo marcador (cabeça de área ou volante) foi numerado juntamente com os demais defensores.

Como tudo começou

Voltando um pouco na história, é preciso primeiro ver como começou essa história de numeração na camisa. E para o título de “primeiro jogo com numeração”, a briga é boa, envolvendo partidas na Austrália (1911), Argentina (1923) e Estados Unidos (1924). Mas nenhuma deles gerou o embrião para a expansão da prática.

Quem de fato começou a fazer experiências com os números que desembocaria na sua adoção mundial foram os ingleses, liderados por mentes progressistas no Chelsea (como David Calderhead e Claude Kirby) e no Arsenal em 1928. É provável que o Chelsea seja o real pioneiro, mas como o Arsenal teve um papel muito mais relevante na história do futebol à época, contando com a figura mítica de Herbert Chapman como técnico, muitos atribuem a invenção ao próprio Chapman. Mostrando novamente a ligação umbilical entre evolução tática e da numeração, Chapman e o Arsenal também são responsáveis por popularizar a evolução do 2-3-5 para o esquema W-M (3-2-2-3).

Voltando aos números, a ideia dos seus defensores era facilitar a identificação dos jogadores pela torcida e também facilitar a própria orientação dos jogadores em campo, tomando os números dos companheiros e adversários como referência. Após jogos testes em que Arsenal e Chelsea usaram números no começo da temporada de 1928-29, e embora a reação de muitos jornalistas e do público tenha sido de aprovação, outros jornalistas e dirigentes deram uma mostra do conservadorismo inglês, vetando a sua plena adoção.

Entre as reações contrárias, algumas são surpreendentes para o leitor de hoje, como um dirigente que rechaçou a ideia dizendo que jogadores não eram jóqueis ou cavalos para usar números e outro dizendo que a prática prejudicaria o intelecto do espectador, que não precisaria mais se esforçar tanto para identificar os jogadores (traduções livres).

Essa reação, porém, não impediu a continuidade dos números em jogos testes. Em uma excursão pela América do Sul do Chelsea em 1929, por exemplo, o time ganhou o apelido nos países hispânicos de “Los Numerados“. Em 1933, a FA (a federação inglesa) finalmente cedeu um grande palco para testes: a final da Copa da Inglaterra. E nela é possível ver uma curiosidade extra do sistema defendido originalmente.

Nele, a equipe mandante (que na ocasião era o Everton) jogaria com camisas de 1 a 11. Já a visitante (no caso, o Manchester City), jogaria com camisas de 12 a 22 (na foto que abre o artigo). E mais: se a numeração do mandante ia do goleiro para o ponta-esquerda, a do visitante ia no sentido contrário. A lógica é fácil de ser notada ao se posicionar ambos os times no campo.

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Numeração na Final da Copa da Inglaterra de 1933. Clique na imagem para ampliá-la.

A reação novamente foi positiva na imprensa, mas já houve logo questionamentos sobre a numeração de 12 a 22 do visitante ser uma complicação desnecessária. Além de dificultar a produção de materiais por necessitar que cada jogo de camisa seja produzido em dobro, um com numeração de 1 a 11, outro de 12 a 22 (o que, muito diferente de hoje, era uma preocupação enorme na época até para o time com maior poder aquisitivo), também criava-se um grau extra de dificuldade para o expectador: ao invés de gravar apenas que o 5 em ambos os times era o centro-médio, ele precisaria gravar que essa posição era o 5 em um time e o 18 no outro.

Ainda assim, demorou até 1939 para a FA aprovar a adoção da medida, já quando havia uma nova diretoria empossada que era mais afeita à prática. E, claro, a adoção foi feita no sistema em que os dois times usariam 1 a 11. Porém, mostrando mais uma vez o tradicionalismo inglês, foi definido que a numeração seria por posição, mas nas posições do esquema 2-3-5, que naquele momento já era ultrapassado. Isso ajudou a que cada país que passasse a adotar a numeração a partir de então precisasse fazer os seus ajustes, conforme veremos no próximo tópico.

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Atacar para cima ou para baixo? Os sentidos da numeração. Clique na imagem para ampliá-la.

Uma observação relevante, ilustrada na imagem acima. É muito comum no Brasil que visualizemos os times atacando para o alto da tela, o que faz parecer que a numeração seja em ordem decrescente. O motivo para isso é que na Inglaterra o mais comum é visualizar o time atacando para a parte de baixo da tela.

Outra curiosidade da época, que existiu já nesses jogos testes e que perdurou por mais alguns anos é que, embora o goleiro fosse oficialmente o camisa 1, não era exigido que sua camisa de fato fosse numerada. Como ele vestia uma cor diferente, achava-se desnecessário o uso para ele, então alguns goleiros da época apareciam com número às costas e outros não, com o número subentendido. E ainda houve o raríssimo caso do goleiro do Chelsea na excursão pela América do Sul de “Los Numerados”: enquanto todos os jogadores de linha tinham os números às costas, o goleiro o tinha à frente. O motivo? Goleiros raramente ficam de costas para o árbitro.

Antes de chegar a era da numeração fixa generalizada (o que veremos mais abaixo), uma última inovação foi a introdução da possibilidade de substituições no futebol. Quando uma foi permitida, esse atleta deveria usar a 12; quando permitiu-se a segunda, ele poderia usar a 13 ou a 14 (sim, por mera superstição, era aberta a possibilidade de evitar o 13).¹

Mas além da quantidade de substituições em si, aumentou-se gradativamente a quantidade de substitutos (atletas inscritos como possibilidade de serem usados): de um, para dois, até chegar a sete (mais do que isso já foi depois da era da numeração fixa). A lógica era a de uso da menor numeração possível. Se havia cinco reservas, camisas de 12 a 16 neles; se havia sete, era só adicionar a 17 e a 18.

  • Obs.: Sobre as posições dos números nas camisas, em geral eles foram logo estabelecidos nas costas. Ainda assim, confira clicando aqui a experiência com eles na frente na partida pioneira na Argentina em 1923 e, pulando para as décadas de 1960 e 1970, clicando aqui outra experiência feita pela NASL nos EUA.
1- Quando um dos reservas passou a ser um goleiro, também foi comum em vários países entregar a 13 para o goleiro reserva, partindo do princípio que ele seria o substituto com menos chance de entrar no jogo. Essa tradição chega aos dias atuais: um levantamento do site Squad Numbers mostra que na Euro 2016, a maioria dos atletas inscritos com a 13 eram goleiros (5), e só havia mais goleiros com as camisas 1 (24, todas as seleções), 12 (19, o primeiro número de "reserva") e 23 (14, o último número da lista). Outros números usados foram 16 (herança da época de só 5 reservas), 21 (número terminado em 1) e 22 (herança da época de só 11 reservas).

A evolução na teoria e na prática

Para entendermos como a numeração evoluiu em diversas partes do mundo é preciso entender um pouco de história de evolução tática. Daquele 2-3-5 original, também conhecido como “pirâmide”, a transição natural foi para o W-M ou alguma de suas variações, como o M-M húngaro. Mas o importante é que de dois defensores, passou-se para três e só depois se passou para quatro, normalmente no sistema 4-2-4. A maioria foi assim, mas escolas importantes também pularam a etapa do W-M, indo diretamente para de dois defensores para quatro.

São relativamente poucas perguntas que precisam ser feitas: quantos defensores foram recuados em cada etapa, quais foram e por onde foram recuados (pelo seu lado ou pelo centro). Mas só isso dá várias possibilidades (mais de 20), de forma que fiz um esquema resumido abaixo focado na linha de defesa. E vale observar que diferentes ordens ao mexer essas peças podem ter resultados iguais ou não. Exemplos: recuar pelo centro primeiro o 4 depois o 5 ou o fazer o inverso é decisivo para saber quem ocupa o lado direito e o esquerdo da zaga, mas a mesma operação envolvendo o 4 e o 6 dará o mesmo resultado independentemente da ordem.

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As possibilidades teóricas de evolução na defesa. Clique na imagem para ampliá-la.

Um extra, já assinalado no gráfico acima, é que dependendo do estágio em que a numeração chegou num país (ou mesmo da afeição de tal país pela lógica), o sistema poderia ser simplesmente renumerado. É por isso que é difícil ver um número que começou em um lado aparecer no lado oposto (o 2 não aparece na lateral-esquerda, nem o 3 e o 6 na lateral-direita), mas o 4 consegue fazer essa inversão por conta de sistemas renumerados. E mais: quem passou pelo processo de renumeração na primeira etapa (2-3-5 para W-M) não vai necessariamente renumerar de novo os jogadores na etapa seguinte.

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As possibilidades teóricas de evolução no ataque. Clique na imagem para ampliá-la.

Já para o ataque, preparei um gráfico bem mais resumido conforme acima, porque de fato é bem mais maleável a numeração ofensiva em qualquer país. Ainda assim, é importante entender como sistemas diferentes evoluíram de forma a possibilitar que um camisa 7, 8 ou 11 possam ir desde volante até centro-avante.

– E na prática, como foi?

Como dito acima, considerado só os números de defensores, onde os sistemas de numeração eram mais rigorosos, já possuía uma quantidade grande de resultados distintos. E isso de fato se configurou em diferentes sistemas espalhados pelo mundo. Abaixo, alguns dos principais aos quais tive acesso.

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Evolução de diferentes numerações no mundo (foco na defesa). Clique na imagem para ampliá-la.

Aqui é preciso fazer uma pausa para observações fundamentais acerca do meu próprio trabalho:

  • Ele é uma generalização, deixando de fora particularidades da evolução tática de cada país;
  • Infelizmente, não achei nada sobre sistemas fora do eixo Europa-América do Sul;
  • Pelo simples fato de simplificação, pulei o 4-2-4 e fui do W-M diretamente para o 4-3-3;
  • Pelo simples fato de simplificação, usei os ataques exatamente iguais no 4-3-3, o que (conforme já exposto) nem sempre se converteu na prática de diversas equipes;
  • Também por simplificação, parei no 4-3-3 (com exceção do classicíssimo líbero italiano), além do fato de ser fácil, a partir dele, visualizar as opções do que veria a seguir.

Mesmo com a observação do último ponto, fica o registro de que as opções são muitas e foram feitas de diversas formas, por exemplo: num 3-5-2, quem vira o terceiro zagueiro, um volante ou um lateral? Se for um lateral, quem vira ala? Se for um volante, quem vira volante?

Respondendo a isso, teve time que acabou com o camisa 8 na zaga, de volante, de meia, de ala direito e até de atacante, para ficar só em um exemplo. Minha dica é sempre ir mexendo peça por peça no quadro que você visualizará rapidamente como isso podia acontecer.

A evolução no Brasil

O Brasil ficou fora do quadro mundial porque ele de fato merece um quadro à parte. Sem brincadeira, porque a numeração no Brasil, conforme Paulo Vinícius Coelho, o PVC, expõe em seu livro “A Escola Brasileira”, é contemporânea ao uso de um esquema tático que só se usou por aqui, conhecido como diagonais.

Desenvolvido nos anos 1940 por Flávio Costa, o técnico brasileiro da Copa de 1950, a diagonal consistia em entortar o W-M trazido para o Brasil pelo técnico húngaro Dori Kürschner. Segundo muitos, Costa fez isso mais para não copiar o sistema do húngaro, de quem era desafeto, do que por grande vantagem tática frente ao W-M tradicional.

Seja como for, o fato é que a visualização das diagonais em funcionamento explica de maneira muito mais elegante as diferentes variações de numeração da linha de quatro defensores que existiram no Brasil: o tradicional 2-3-4-6, a linha santista de 4-2-6-3 e uma que chamei de “gaúcha” (2-3-6-4) pelo seu amplo uso no Rio Grande do Sul, mas que não ficou restrita àquele estado (e que, ao contrário das outras duas, não tem um herdeiro hoje).

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Evolução da numeração no Brasil. Clique na imagem para ampliá-la.

Nos exemplos que usei na evolução teórica, pincei a dedo algumas opções para ver que as linhas brasileiras até ocorrem por outros caminhos, mas ela dependeria de evoluções completamente distintas e por caminhos que foram raros, como movimentar peças pelas laterais. Dessa forma, reforço que a explicação das diagonais parece muito mais coerente.

Nova pausa para observações fundamentais acerca do meu próprio trabalho:

  • Este gráfico também é uma generalização, deixando de fora particularidades de cada clube;
  • A numeração “gaúcha” pode ter sido uma evolução direta do sistema húngaro (técnicos húngaros foram influentes no Brasil e na América do Sul), da diagonal ou simplesmente uma troca de camisas na parte esquerda da tradicionalíssima linha 2-3-4-6;
  • Seja qual for a hipótese correta, a numeração “gaúcha” foi persistente o bastante para merecer ser colocada como um sistema à parte, pois teve adeptos dos anos 1950 aos 1980, ao menos;
  • Na etapa do 4-2-4 tradicional, usei o esquema “Bahia 1959” como exemplo de time que recuou o 10 e deixou o 8 avançado nessa etapa, mas com certeza ele não foi o único;
  • Os sistemas “renumerados” no Brasil ganham aspas porque, embora se mostrem lógicos no resultado final, não há nenhuma prova que isso tenha sido feito de maneira intencional;¹²
  • Por motivos de clareza, as numerações das Copas considera o time que foi inscrito como “ideal”, não considerando alterações feitas na equipe ao longo da preparação ou do torneio;³
  • Na última linha, trabalhando com o 4-3-3 com dois volantes, usei exemplos que mostram como, embora menos comuns, grandes times usaram como meia mais adiantado o camisa 8 e até o 5.

Como na evolução de vários sistemas, nem tudo é completamente lógico na evolução brasileira. Por exemplo, seria normal que, independentemente se a falsa linha de três formada pela diagonal fosse “a la Santos” (4-2-3) ou “a la tradicional” (2-3-6), o recuo do quarto zagueiro seria pelo lado em que aquela camisa já jogava.

Em outras palavras, pela lógica o 6 (half back esquerdo) seria recuado à esquerda do beque central (que nesse caso era o 2) e, simetricamente, o 4 (half back direito) seria recuado à direita do beque central (que aqui era o 3). Não foi o que aconteceu: na prática, ambos foram posicionados à esquerda do beque central, talvez por esse sempre ter vindo antes na escalação (mas aqui é só um palpite mesmo).

1- Como exemplo desse processo, analisemos a numeração de 1970. Embora o seu resultado, uma numeração "uruguaia", tenha um sentido lógico em que a numeração começa pelos dois zagueiros (2-3) e passa para uma segunda linha de defensores formada pelos laterais e pelo volante (4-5-6). Todavia, esse resultado é muito provavelmente acidental pelo simples fato que o lateral-direito e capitão do time, Carlos Alberto Torres, jogava no Santos, onde pela numeração santista ele usava a 4, e deve ter optado por permanecer com esse número. Inclusive, em 1969, durante as eliminatórias, o Brasil usou uma zaga toda santista e foi numerado conforme a tradição do clube (4-2-6-3). Na Copa, só Carlos Alberto era do clube. Para concluir, também não há nenhuma prova de que o processo de "renumeração" nos outros dois exemplos tenha sido intencional.

2- A numeração "uruguaia" da Copa de 1970 também teve herdeiros por algum tempo, devido à importância dada à equipe brasileira daquela Copa, tida como a melhor seleção de todos os tempos. Para ficar só em um exemplo, o Fluminense foi campeão brasileiro em 1984 com o mesmo sistema na linha defensiva (4-2-3-6). Já a linha ofensiva como sempre é mais fluida.
3- Usando também a Copa de 1970 como exemplo, o lateral-esquerdo inscrito com a 6, pensando-se que seria o titular, foi Marco Antônio, mas este perdeu a vaga para Everaldo, que disputou todo o torneio como titular da função usando a camisa 16. Já na Copa de 1962, três atletas foram titulares na Copa com numeração acima de 11, todos no ataque, por motivos diversos (ganhar a vaga ou contusão do titular).

Numeração fixa: hoje é o oposto do que era antes

Voltamos a nosso leitor imaginário com menos de 30 anos, tão habituado a ver os times com numeração fixa, onde atletas podem escolher absolutamente qualquer coisa de 1 a 99,¹ mesmo que ainda sinta reverberar os efeitos da numeração posicional tradicional até hoje. Mal sabe ele que o que vivemos hoje é basicamente o oposto do que foi o futebol até os anos noventa.

Mal parece que estamos falando de um dos esportes que já foi um dos mais rigorosos de todos no que diz respeito à numeração.

Como Denis Hurley, fundador e um dos principais escritores do site especializado em numeração de camisas Squad Numbers comenta, a Copa do Mundo era o momento de exceção em que se via grandes números em campo. Fora uma ou outra exceção a mais, como a Eurocopa a partir da década de 1970, nos demais campeonatos todos usavam números de 1 a 11.

A numeração fixa, assim como a história da numeração em si, não é um pioneirismo inglês (a NASL, liga dos EUA onde Pelé jogou pelo Cosmos, já a usava), mas precisou de um empurrão inglês para se espalhar. Bastou a adoção no campeonato inglês de 1993-94, em sua segunda temporada como Premier League, que em menos de dez anos o sistema havia se espalhado pelo mundo.

(Obs.: É curioso notar como a Inglaterra é, ao mesmo tempo, extremamente conservadora, mas ainda assim consegue dar uma tração enorme às inovações que adota.)

Seguindo no paralelo de oposição entre passado e presente, assim como hoje vários campeonatos (inclusive nacionais, como vimos) exigem numeração fixa, mas mesmo quando não há tal exigência vários clubes passaram a adotá-la por conta própria (como o caso do Brasil, onde o Campeonato Brasileiro não exige a numeração fixa por regulamento), o reverso ocorria no passado. Embora alguns lugares não exigissem a numeração de 1 a 11, mesmo com quase a totalidade dos clubes a usando, outras competições a exigiam sim.

Um exemplo notável disso é a trajetória de Johan Cruyff, eternizado com a camisa 14 no Ajax e pela atuação inesquecível com a Holanda em 1974. Tão memorável que poucos se lembram que o jogador atuou inúmeras vezes com a 9 na seleção em jogos eliminatórios que exigiam numeração de 1 a 11 e só usou a 9 pelo Barcelona, porque o Campeonato Espanhol exigia isso.

Antes, competições que exigem numeração fixa eram as exceções; hoje, são raríssimas as que fazem o contrário, para manter viva a tradição do passado, como é o caso da Copa da França.

  • CURIOSIDADE: para ver e comparar, eis o sistema de numeração de um esporte que ainda hoje é tão ou mais rigoroso do que o futebol já foi – e que chegou a testar um sistema de letras: o rugby (clique aqui para artigo do Squad Numbers).
1- Existem as competições que se enquadram no meio do caminho, como a Copa do Mundo e a Libertadores, onde atletas têm uma numeração fixa, mas ela não é aberta de 1 a 99. Deve-se seguir o princípio da menor numeração possível, ou seja: em um plantel de 23 atletas, eles podem escolher números de 1 a 23; em um plantel de 40 atletas, devem escolher de 1 a 40 e assim por diante. Outra exceção importante é que alguns torneios (Copa do Mundo incluso, atualmente) exigem que o número 1 seja designado a um goleiro.

Camisa é conquistada

Em um tópico curto, mas com grande teor de lembrança pessoal, uma das consequências na cultura do futebol do sistema de 1 a 11 é que você não conquistava só a vaga no time titular: você conquistava a camisa. Sentado no vestiário antes dos jogos, era uma realização quando o treinador entregava a camisa de titular para você. Da mesma forma, a expressão “dono da camisa” vem do fato de que o titular absoluto da equipe já tinha a camisa de titular garantida. Hoje, por exemplo, Filipe Luís é titular absoluto da lateral-esquerda do Flamengo, mas dizer que ele é o “dono da camisa 16” diz muito pouco.

Nem tudo era tão certinho também

Como em vários momentos em que escrevemos sobre tradição do passado (principalmente como o caso desse, em que o autor tem admiração e um certo saudosismo), corremos o risco de passar a falsa impressão de que tudo era lindo e organizado. Não, não era. Como dito lá em cima, apresentar o sistema tradicional de cada país será sempre uma generalização que deixará de fora várias nuances. Entre coisas que podiam fazer um sistema sair do padrão, iam coisas das mais naturais do mundo, com isso podendo ocorrer a um atleta e ele querer manter seu número antigo:

  • Atleta trocou de posição durante o jogo ou mesmo de um jogo para outro;
  • Atleta começou a carreira em uma posição e mudou para outra;
  • Atleta foi invertido de lado para jogar com o pé trocado (alô, CR7);
  • Um atleta que levou um número para uma posição pouco usual num clube fez história e cristalizou essa mudança no universo daquele clube;
  • Atleta foi improvisado na posição;
  • Atleta veio de país com outro sistema de numeração e quis manter o seu número de origem, mesclando dois sistemas distintos;
  • Devido a mudanças graduais ou preferências de atletas com mais prestígio, o atleta pegou a camisa que sobrou de 1 a 11, mesmo sem ter muito a ver com sua posição.

Aqui pauso novamente para recomendar o site Squad Numbers, que faz duas análises bem detalhadas de como dois times tradicionalíssimos acabaram, por uma combinação dos fatores acima, passando por numerações pouco convencionais. A primeira foca no Liverpool de 1990, que foi gradativamente se desviando do padrão inglês (clique aqui).

Qual o número de jogadores no futebol?

Padrão inglês e Liverpool de 1990. Clique na imagem para ampliá-la.

A segunda foca no Barcelona da era Cruyff como técnico, no começo dos anos 1990 (clique aqui). E mais do que se desviar apenas do padrão espanhol, é interessante notar como houve uma evolução interna na equipe, com a 7 indo de ponta-direita para lateral-esquerdo e a 11 fazendo exatamente o oposto em momentos diferentes.

Qual o número de jogadores no futebol?

Evolução do Barcelona sob comando de Cruyff. Clique na imagem para ampliá-la.

E nem tente me perguntar como foi que o Club Brugge de 1992 terminou com um trio de zaga com as camisas 2-9-8, enquanto o 4 era segundo atacante (sendo que a Bélgica é um dos países com o sistema de numeração mais lógicos, como veremos na parte 2 da série).

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Club Brugge de 1992. Fonte: Squad Numbers.

Dito tudo isso, sempre houve os atletas que escolhiam seu número pelos mais variados motivos, inclusive muitos deles pela sorte. O grande exemplo é novamente Johan Cruyff, cuja lendária camisa 14 foi pegada a esmo numa bacia do Ajax: um companheiro de ataque ficou sem a camisa 7 por problema na lavanderia, então Cruyff entregou a sua 9 para ele e puxou uma qualquer. Continuou porque achou que deu sorte (além de destacá-lo em campo numa época que ninguém usava nada acima de 11).

Outros exemplos banais (alguns até atuais), mas que ilustram o que podia acontecer:

  • Kanu (meia ou atacante da Nigéria) usava a 4 porque era o número do seu irmão mais velho (que era defensor);
  • Robson-Kanu (atacante de Gales) usava a 4 no clube porque ele gostava de um dígito só (e era o único disponível na época) e por se inspirar no Kanu nigeriano;
  • Gyan (atacante de Gana) usava a 3 porque ele achava que era um número forte;
  • Dempsey (atacante dos EUA) usava a 2 porque seu nome de rapper era “Deuce“, que pode ser traduzido tanto como “Duque” quanto como “Dois” (um sinônimo mais rebuscado do que o famoso “two“);
  • Tem até jogador que escolhe o número para fazer piada quando somado ao seu nome na camisa, como o caso de Julian Watts, que já foi “WATTS 4” (trocadilho significando “pra quê”) e “40 WATTS”;
  • Fora os vários casos de quem pegou um número porque foi “o que sobrou”.

Ou seja, a história do números no futebol é uma belíssima história, que envolve evolução tática, particularidades de cada país e merece ser sempre relembrada. Mas sempre esteve longe de ser uma ciência exata.


Confira a parte 2 da série: sistemas de numeração diferentes

Na segunda parte, reservamos espaço para curiosidades sobre sistemas: quais foram as alternativas propostas ao longo da história para o sistema posicional.

Confira a parte 3 da série: algumas curiosidades adicionais e reflexão final

Na terceira parte, é hora de vermos curiosidades como camisas com números estranhos, aposentadorias e se existe padrão numérico para reservas, além de olharmos para o futuro.

Atualização – EXTRA: curiosidade de outros esportes


Nota pessoal sobre pouco uso de imagens: em uma série com textos tão longos e de um tema tão visual, eu geralmente usaria bem mais imagens para ilustrar o conteúdo. Não deu, porque devido a um problema técnico, meu arquivo com o texto já finalizado da série inteira foi corrompido. O tempo que dedicaria, então, a ilustrar melhor o texto eu tive que dedicar a reescrevê-lo.


Fontes (usadas em todas as partes da série): 

Neste especial preciso fazer uma menção honrosa ao site Squad Numbers, referência no tema como pode ser comprovado pela enorme quantidade de textos de lá que foram utilizados. E, mais do que fonte, registro que o site é uma verdadeira sugestão de leitura da minha parte.

  • Squad Numbers
    • 13: Unlucky for Some Sub Goalkeepers
    • A History of Rugby Numbering Systems
    • Alphabetical Numbering Systems at the World Cup
    • Arsenal’s Brief Reversion To 1-11
    • Brazil and Their Numbering Maze
    • Examining the Euro 2016 Squad Numbers
    • Goalkeepers to Wear an Outfield Number
    • Going Dutch… or Not
    • How It All Began
    • How Pedro Nearly Ended Up Wearing 2 for Spain at the 2010 World Cup
    • Johan Cruyff and the Number 14
    • Julian Watts and other pun based number wearers
    • Just in Case You Thought We Always Gave the Impression It Was Better in the Past
    • Kanu Believe It
    • Liverpool’s Beautiful Imperfections
    • Our New Favourite Dutch Team
    • Right-back, left-back, wrong-back
    • Scotland Cap It All Off
    • The History of Numbers: Argentina
    • The History of Numbers: Brazil
    • The History of Numbers: Eastern Europe
    • The History of Numbers: Italy
    • The History of Numbers: Uruguay
    • The Netherlands’ World Cup Rehabilitation
    • The Numbering of Johan Cruyff’s Barcelona
    • WC 1950, USA, Gaetjens and the First Chaos
    • When Pep Guardiola Was a False 9
    • When Things Turned Out Differently for Cruyff
    • World Cup Block Party
  • Outras fontes
    • Jersey Vice – Il degenero dei numeri primi: storia dei numeri di maglia nel calcio: vol.1
    • Jersey Vice – Il degenero dei numeri primi: storia dei numeri di maglia nel calcio: vol.2
    • Jersey Vice – Il degenero dei numeri primi: storia dei numeri di maglia nel calcio: vol.3
    • The Guardian – The forgotten story of… how the white ball was dismissed as an unwanted fad (and the relation with the history of numbers)
    • The Guardian – Which clubs have retired shirt numbers?
    • The Guardian – What is the highest combined shirt number in a football substitution? (and Mexico youth system)
    • The Guardian – Footballers with the shirt numbers to match their names
    • Daily Mail – A shot in time: When Manchester City made up the numbers at the 1933 FA Cup Final and an Everton fan hung a horseshoe at No 10 Downing Street
    • Daily Mail – Mario Balotelli’s lucky number, Argentina’s alphabetical World Cup and Clint Dempsey’s rap name… The strangest squad numbers in sport, and the reasoning behind them
    • BBC – Ortega fills Maradona’s shirt
    • Medio Tiempo – ¡Excepcionales! Los porteros que no usan el ‘1’
    • Medio Tiempo – Guillermo Ochoa presumió el número que usará con América a partir del Apertura 2020
    • Diário de Notícias – Do Euro 1984 ao Euro 2016. Como tudo é diferente
    • FIFA – First for Japan, fourth for Cannavaro (first player to use #23 and to score with #23)
    • Mirror – Worst ever squad numbers: Our 1-11 of football’s most baffling numerical decisions
    • Joe – Joe takes a look at 10 footballers with the oddest jersey numbers
    • Wales Online – This is why Wales star Hal Robson-Kanu wears the number 4 shirt for West Brom
    • Viejos Estadios – Cuando los números de las camisetas aún no eran “dorsales”
    • Sports Pundit – Squad Numbers

Qual o número de jogadores em uma partida de futebol?

- A partida será jogada por duas equipes formadas por um máximo de 11 jogadores cada uma, dos quais um jogará como goleiro.

Quantos jogadores tem um time de futebol com os reservas?

O time de futebol é formado por onze jogadores titulares – dentre eles um goleiro – e doze jogadores reservas. No caso de múltiplas expulsões, é necessário que haja, no mínimo, sete jogadores de cada time em campo para que a partida continue.

Qual o número de cada jogador?

O goleiro é o um, o lateral-direito o dois, a dupla de zaga no 3 e 4 e o lateral-esquerdo… o seis. O cinco na verdade é o primeiro volante, e o segundo (ou primeiro meia-de-criação) é o oito. O sete, que já deveria ter aparecido, é o ponta direita. O meia-armador é o 10.

Como funciona a numeração no futebol?

Os números foram originalmente usados para indicar também a posição, com os jogadores iniciantes recebendo números de 1 a 11, embora esses números geralmente tenham pouca ou nenhuma significância no jogo moderno além dos números favoritos dos jogadores e dos números disponíveis.