Qual o principal objetivo de Darcy Ribeiro no seu livro O Povo Brasileiro?

 

1. Novo Mundo

Nesta parte Darcy trata das caracter�sticas iniciais do territ�rio brasileiro, das terras encontradas pelos portugueses que desembarcaram pela primeira vez no ano 1500 do calend�rio europeu. Estas terras que se encontravam povoadas por um grande n�mero de povos ind�genas que viviam por toda superf�cie do Brasil.

Segundo Darcy: "Eram, t�o-s�, uma mir�ade de povos tribais, falando l�nguas do mesmo tronco, dialetos de uma mesma l�ngua, cada um dos quais, ao crescer, se bipartia, fazendo dois povos que come�avam a se diferenciar e logo se desconheciam e se hostilizavam" (1996, p. 29).

Essas tribos aqui encontradas eram na sua maioria do tronco tupi, cerca de um milh�o de �ndios. Elas se encontravam nos primeiros passos da revolu��o agr�cola na escala da evolu��o cultural. J� conseguiam domesticar diversas plantas. Diz:

Al�m da mandioca, cultivavam o milho, a batata-doce, o car�, o feij�o, o amendoim, o tabaco, a ab�bora, o urucu, o algod�o, o carau�, cuias e caba�as, as pimentas, o abacaxi, o mam�o, a erva-mate, o guaran�, entre muitas outras plantas. Inclusive dezenas de �rvores frut�feras, como o caju, o pequi etc. Faziam, para isso, grandes ro�ados na mata, derrubando as �rvores com seus machados de pedra e limpando o terreno com queimadas. (1996, p. 32)

Com o cultivo da terra garantiam a subsist�ncia do ano inteiro. � importante lembrar que as aldeias possu�am uma estrutura igualit�ria de conviv�ncia. Mas, por coloniza��o de suas terras, as tribos se chocavam em guerra umas com as outras.

Al�m dos povos tupi, outros povos ind�genas participaram da forma��o do povo brasileiro, como os Paresi, os Bororos, os Xavantes, os Kayap�s, os Kaigangs e os Tapuias.

Ao contr�rio do modelo constitu�do pelas tribos ind�genas na ilha Brasil, os portugueses invasores possu�am rela��es sociais baseadas na estratifica��o das classes, tinham uma velha experi�ncia como civiliza��o urbana. Com eles veio a Igreja cat�lica que exerceu uma grande influ�ncia no processo de forma��o s�cio-cultural do povo brasileiro. Na vis�o de Darcy, a Igreja exerceu um forte poder de mando, influenciando na vida dos ind�genas e negros.

No contexto mundial Portugal entrava na disputa pelos novos mundos, animada pelas for�as transformadoras da revolu��o mercantil. Diz Darcy:

Esse complexo do poderio portugu�s vinha sendo ativado, nas �ltimas d�cadas, pelas energias transformadoras da revolu��o mercantil, fundada especialmente na nova tecnologia, concentrada na nau oce�nica, com suas novas velas de mar alto, seu leme fixo, sua b�ssola, seu astrol�bio e, sobretudo, seu conjunto de canh�es de guerra.

Era a humanidade mesma que entrava noutra inst�ncia de sua exist�ncia, na qual se extinguiriam milhares de povos, com suas l�nguas e culturas pr�prias e singulares, para dar nascimento �s macroetnias maiores e mais abrangentes que jamais se viu. (1996, p.38)

Era a supera��o da estado feudal, o processo civilizat�rio no seu momento mercantil.

Para Darcy al�m de protagonizarem o inferno da expans�o territorial pol�tico-econ�mico, se entitularam propagadores da unidade dos homens num s� cristandade. Diz:

Eles se davam ao luxo de propor-se motiva��es mais nobres que as mercantis, definindo-se como os expansores da cristandade cat�lica sobre os povos existentes e por existir no al�m-mar. Pretendiam refazer o orbe em miss�o salvadora, cumprindo a tarefa suprema do homem branco, para isso destinado por Deus: juntar todos os homens numa s� cristandade, lamentavelmente dividida em duas caras, a cat�lica e a protestante. (1996, p.39)

Para o �ndio que passava a conviver com aquela situa��o nova n�o foi nada simples compreender o que representava aqueles acontecimentos novos. O fato � que deste choque de culturas, como quisemos tornar mais claro no primeiro cap�tulo, surgiram concep��es que os �ndios estupefatos por certo tempo sustentaram, como a de que os rec�m chegados eram deuses.

Para Darcy, de in�cio, os �ndios ali na praia recebendo aqueles indiv�duos t�o estranhos estavam espantados. Seriam at� mesmo gente de seu deus Ma�ra. Comenta:

Provavelmente seriam pessoas generosas, achavam os �ndios. Mesmo porque, no seu mundo, mais belo era dar que receber. Ali, ningu�m jamais espoliara ningu�m e a pessoa alguma se negava louvor por sua bravura e criatividade. Visivelmente, os rec�m-chegados, sa�dos do mar, eram feios, f�tidos e infectos. N�o havia como neg�-lo. � certo que, depois do banho e da comida, melhoraram de aspecto e de modos. Maiores teriam sido as esperan�as do que os temores daqueles primeiros �ndios. (1996, p. 42)

Como sabemos, a grande decep��o n�o demorou para acontecer. Os ind�genas perceberam que os rec�m chegados do mar n�o passavam de enganadores, mentirosos, lhes traziam pequenos utens�lios e em troca lhes tiravam a alegria de viver, lhes enchiam de doen�as que os dizimava ao milhares.

Darcy aponta para as duas perspectivas de mundo que se chocavam. Para os conquistadores essa nova terra era um espa�o de explora��o em ouro e gl�rias, na vis�o dos �ndios, (1996, pp. 44-45) "o mundo era um luxo de se viver, t�o rico de aves, de peixes, de ra�zes, de frutas, de flores, de sementes, que podiam dar as alegrias de ca�ar, de pescar, de plantar e colher a quanta gente aqui viesse ter". Enquanto os brancos n�o mediam esfor�os para alcan�ar as riquezas que lhes interessavam, os �ndios acreditavam que a vida era d�diva de deuses bons. Na perspectiva de Darcy os brancos para os �ndios, eram aflitos demais. Para os brancos, a vida era uma sofrida obriga��o em todos estavam condenados ao trabalho e subordinados ao lucro, enquanto que, para os �ndios, "a vida era uma tranquila fun��o de exist�ncia, num mundo dadivoso e numa sociedade solid�ria".

Darcy preocupa-se em estudar o processo civilizat�rio, tendo em vista situar as na��es germinais dos povos latino-americanos. Comenta:

Somos um rebento mutante, ultramarino, da Civiliza��o Ocidental Europ�ia, na sua vers�o iber-americana. Produto da expans�o europ�ia sobre as Am�ricas, que destruindo milhares de povos modelou com o que restou deles uns poucos novos povos, multiformemente refeitos. Todos configurados como extens�es da metr�pole que regeu a coloniza��o, impondo sua l�ngua e suas singularidades. (1995, p. 11)

2. Gesta��o �tnica

A partir desse ponto Darcy vai desenvolvendo sua vis�o sobre as condi��es em que os brasileiros foram se formando, o que denominou cunhadismo. O cunhadismo, segundo ele, era a pr�tica ind�gena que tornou poss�vel incorporar estranhos �s comunidades. Consistia em se oferecer uma mo�a �ndia como esposa aos rec�m-chegados. A partir de ent�o, o estranho estabelecia uma rela��o de parentesco com os �ndios dessa fam�lia. Esse processo acabou influenciando decisivamente no processo de forma��o do brasileiro.

Para o colonizador essa pr�tica tornou-se a condi��o de possibilidade para o processo de pilhagem nas terras conquistadas e tamb�m a pr�pria condi��o da conquista das terras. Pois contavam com um enorme contingente de �ndios que segundo determinava o sistema de parentesco dos �ndios, deveriam p�r-se a servi�o do parente.

Diz Darcy:

Como cada europeu posto na costa podia fazer muit�ssimos desses casamentos, a institui��o funcionava como uma forma vasta e eficaz de recrutamento de m�o-de-obra para os trabalhados pesados de cortar paus-de-tinta, transportar e carregar para os navios, de ca�ar e amestrar papagaios e so�ns.

A fun��o do cunhadismo na sua nova inser��o civilizat�ria foi fazer surgir a numerosa camada de gente mesti�a que efetivamente ocupou o Brasil. � cr�vel at� que a coloniza��o pudesse ser feita atrav�s do desenvolvimento dessa pr�tica. Tinha o defeito, por�m, de ser acess�vel a qualquer europeu desembarcado junto �s aldeias ind�genas. Isso efetivamente ocorreu, pondo em movimento um n�mero crescente de navios e incorporando a indiada ao sistema mercantil de produ��o. Para Portugal � que representou uma amea�a, j� que estava perdendo sua conquista para armadores franceses, holandeses, ingleses e alem�es, cujos navios j� sabiam onde buscar sua carga. (1996, p. 82)

Por fim, � medida em que a demanda de m�o-de-obra foi aumentando, tiveram de passar da utiliza��o do sistema de cunhadismo �s guerras de captura dos �ndios.

Outras institui��es que tiveram grande influ�ncia na gesta��o �tnica do Brasil foram as donatarias e as redu��es, onde os �ndios viviam submetidos �s ordens dos mission�rios.

Na concep��o de Darcy o Brasil tem sido, ao longo dos s�culos, um terr�vel moinho de gastar gentes. O fato � que se gastaram milh�es de �ndios, milh�es de africanos e milh�es de europeus. Comenta:

Foi desindianizando o �ndio, desafricanizando o negro, deseuropeizando o europeu e fundindo suas heran�as culturais que nos fizemos. Somos, em consequ�ncia, um povo s�ntese, mesti�o na carne e na alma, orgulhoso de si mesmo, porque entre n�s a mesti�agem jamais foi crime ou pecado. Um povo sem peias que nos atenham a qualquer servid�o, desafiado a frorescer, finalmente, como uma civiliza��o nova, aut�noma e melhor. (1995, p.13)

Nossa matriz negra foi respons�vel por remarcar o am�lgama racial e cultural brasileiro com suas cores mais fortes. Pelo fato de aprenderem o portugu�s com que os capatazes lhes gritavam e que com o tempo passavam a se comunicar entre si, acabaram conseguindo aportuguesar o Brasil. Diz:

Nossa matriz africana � a mais abrasileirada delas. J� na primeira gera��o, o negro, nascido aqui, � um brasileiro. O era antes mesmo do brasileiro existir, reconhecido e assumido como tal. O era, porque s� aqui ele saberia viver, falando como sua l�ngua do amo. L�ngua que n�o s� difundiu e fixou nas �reas onde mais se concentrou, mas amoldou, fazendo do idioma o Brasil um portugu�s falado por bocas negras, o que se constata ouvindo o sotaque de Lisboa e o de Luanda. (1995, p. 14)

A condi��o de vida do negro � descrita por Darcy como uma situa��o espantosa. Relata a viol�ncia permanente pela qual foram obrigados a viver. Pergunta-se: como conseguiram permanecer humanos? Como sobreviver sobre tanta press�o, trabalhando dezoito horas por dia todos os dias do ano? A triste conclus�o � de que seu destino era morrer de estafa que era sua morte natural.

Para Darcy:

Nenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida, atrav�s de s�culos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos n�s, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e �ndios supliciados. Todos n�s brasileiros somos, por igual a m�o possessa que os supliciou. A do�ura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de n�s a gente sentida e sofrida que somos e a gente insens�vel e brutal, que tamb�m somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da marginalidade destilada e instalada em n�s, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exerc�cio da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crian�as convertidas em pasto de nossa f�ria. (1996, p. 120)

Darcy assinala com grande lamento que "nossos patr�cios negros" sofreram e ainda sofrem o drama de sua penosa ascens�o de escravo a assalariado e a cidad�o, sobre a dureza do preconceito racial.

3. Processo Sociocultural

Segundo a vis�o de nosso autor, o processo de forma��o do povo brasileiro foi marcado constantemente por situa��es de conflitos. Caracteriza o entendido entrechoque dos contingentes �ndios, negros e brancos dentro do quadro de conflitos n�o puros. Pois, segundo entende, sempre ocorreu uma mescla entre uns e outros.

Para Darcy uma nova situa��o se imp�s com a chegada do dominador europeu, tendo em vista que este queria buscar de todas as formas impor uma hegemonia nessas terras.

Os conflitos inter�tnicos que aqui existiam, sem maiores consequ�ncias, agora de maneira mais ampla, � surpreendido por uma nova situa��o de guerra irreconcili�vel.

Nesse confronto, as for�as que se chocam s�o muito desiguais. Comenta:

De um lado, sociedades tribais, estruturadas com base no parentesco e outras formas de sociabilidade, armadas de uma profunda identifica��o �tnica, irmanadas por um modo de vida essencialmente solid�rio. Do lado oposto, uma estrutura estatal, fundada na conquista e domina��o de um territ�rio, cujos habitantes, qualquer que seja a sua origem, comp�em uma sociedade articulada em classes, vale dizer, antagonicamente opostas mas imperativamente unificadas para o cumprimento de metas econ�micas socialmente irrespons�veis. A primeira das quais � a ocupa��o do territ�rio. Onde quer que um contingente etnicamente estranho procure, dentro desse territ�rio, manter seu pr�prio modo tradicional de vida, ou queira criar para si um g�nero aut�nomo de exist�ncia, estala o conflito cruento. (1996, p.169)

Entre os momentos conflitivos Darcy aponta para os conflitos entre os invasores. Dizendo que entre colonos e jesu�tas houve uma longa guerra sem quart�is, marcada por componentes classistas, racistas e �tnicos, situa as motiva��es de coloniza��o dos jesu�tas num plano distinto ao da coloniza��o espanhola e portuguesa.

Um outro enfrentamento altamente conflitivo � o que se deu por consequ�ncias predominantemente raciais. Entre as tr�s matrizes vemos um sentimento de preconceito. Darcy diz que para o negros de ontem e de hoje, a liberdade passa a ser uma dif�cil e ut�pica busca. Por ela, s�o for�ados a luta constante a fim de alcan�arem uma situa��o de vida mais digna. Diz:

As lutas s�o inevitavelmente sangrentas, porque s� � for�a se pode impor e manter a condi��o de escravos. Desde a chegada do primeiro negro, at� hoje, eles est�o na luta para fugir da inferioridade que lhes foi imposta originalmente, e que � mantida atrav�s de toda a sorte de opress�es, dificultando extremamente sua integra��o na condi��o de trabalhadores comuns, iguais aos outros, ou de cidad�os com os mesmos direitos. (1996, p. 173)

Outra situa��o � a de car�ter fundamentalmente classista, que configura a luta entre propriet�rios e as massas trabalhadoras. Darcy, ao que parece, v� essas lutas identificando-a como o recrutamento de m�o-de-obra para a produ��o mercantil.

No processo de forma��o sociocultural do Brasil, Darcy v� a organiza��o do que ele chama de empresas. A empresa escravista, ele a v� como a principal, latifundi�ria e monocultora que foi sempre altamente especializada e essencialmente mercantil. Outra, j� como forma alternativa de coloniza��o, foi a empresa jesu�tica. Esta estava fundada na m�o-de-obra servil dos �ndios. Uma terceira, que tinha um alcance social bastante consider�vel, foram as m�ltiplas microempresas de produ��o de g�neros de subsist�ncia e de cria��o de gado, baseada em diferentes formas de aliciamento de m�o-de-obra. Estas incorporam os mesti�os de europeus com �ndios e negros dando corpo ao que viria a ser o grosso do povo brasileiro.

Darcy diz que essas empresas, cada qual com seus fins espec�ficos, atuaram para garantir o �xito do empreendimento colonial portugu�s no Brasil.

Uma quarta empresa foi constitu�da pelo n�cleo portu�rio de banqueiros armadores e comerciantes de importa��o e exporta��o. Formavam o componente predominante da economia colonial e o mais lucrativo dela.

Ainda sobre o processo de forma��o sociocultural, Darcy elabora uma vis�o de conjunto do processo de urbaniza��o brasileira. Segundo ele, o Brasil nasceu j� como uma civiliza��o urbana, separada em conte�dos rurais e citadinos. Comenta:

Essas cidades e vilas, grandes e pequenas, constitu�am ag�ncias de uma civiliza��o agr�rio-mercantil, cujo papel fundamental era gerir a ordena��o colonial da sociedade brasileira, integrando-a no corpo de tradi��es religiosas e civis da Europa pr�-ind�strial e fazendo-a render proventos � Coroa portuguesa. Como tal, eram centros de imposi��o das id�ias e das cren�as oficiais e de defesa do velho corpo de tradi��es ocidentais, muito mais que n�cleos criadores de uma tradi��o pr�pria. (1996, p. 197)

Ele elabora um quadro da quest�o agr�ria brasileira, onde comenta as dimens�es espantosas dos latif�ndios, a quest�o do monop�lio da terra e a monocultura. Relaciona o tem�vel �xodo rural com o incha�o das cidades em consequ�ncia causando a miserabiliza��o da popula��o urbana. Para Darcy formou-se um modelo pol�tico-econ�mico que estratifica a popula��o brasileira. Diz:

A estratifica��o social gerada historicamente tem tamb�m como caracter�stica a racionalidade resultuante de sua montagem como neg�cio que a uns privilegia e enobrece, fazendo-os donos da vida, e aos demais subjuga e degrada, como objeto de enriquecimento alheio. Esse car�ter intencional do empreendimento faz do Brasil, ainda hoje, menos uma sociedade do que uma feitoria, porque n�o estrutura a popula��o para o prenchimento de suas condi��es de sobreviv�ncia e de progresso, mas para enriquecer uma camada senhorial voltada para atender �s solicita��es ex�genas. (1996, p. 212)

Sobretudo, a dist�ncia social entre ricos e pobres �, para Darcy, uma condi��o extremamente espantosa, somando-se a isso a discrimina��o sofrida pelos negros, mulatos e �ndios. O problema racial constitui-se num s�rio problema no Brasil. De maneira mais seria � aquele que pesa sobre os negros, a mais �rdua foi e, ainda �, a conquista de um lugar e de um papel de participante leg�timo na sociedade nacional. Comenta:

A na��o brasileira, comandada por gente dessa mentalidade, numca fez nada pela massa negra que a construira. Negou-lhe a posse de qualquer peda�o de terra para viver e cultivar, de escolas em pudesse educar seus filhos, e de qualquer ordem de assist�ncia. S� lhes deu, sobejamente, discrimina��o e repress�o. Grande parte desses negros dirigiu-se �s cidades, onde encontra um ambiente de conviv�ncia social menos hostil. Constitu�ram, originalmente, os chamados bairros africanos, que deram lugar �s favelas. Desde ent�o, elas v�m se multiplicando, como a solu��o que o pobre encontra para morar e conviver. Sempre debaixo da permanente amea�a de serem erradicados e expulsos. (1996, p. 222)

Ainda hoje, comenta haver a mentalidade assimilacionista que leva os brasileiros a supor e desejar que os negros desapare�am pela branquea��o progressiva. Para Darcy a caracter�stica distintiva do racismo brasileiro � que ele n�o incide sobre a origem racial das pessoas, mas sobre a cor de sua pele.

Para ele, a possibilidade de exist�ncia de uma democracia racial est� vinculada com a pr�tica de uma democracia social, onde negros e brancos partilhem das mesmas oportunidades sem qualquer forma de desigualdade.

Darcy avalia o processo de estrutura��o como uma configura��o diferente de quantas haja, segundo ele s� explic�vel em termos, hist�ricas. Comenta:

Composta como uma constela��o de �reas culturais, a configura��o hist�rico-cultural brasileira conforma uma cultura nacional com alto grau de homogeneidade. Em cada uma delas, milh�es de brasileiros, atrav�s de gera��es, nascem e vivem toda a sua vida encontrando solu��es para seus problemas vitais, motiva��es e explica��es que se lhes afiguram como o modo natural e necess�rio de exprimir sua humanidade e sua brasilidade. Constituem, essencialmente, partes integrantes de uma sociedade maior, dentro da qual interagem como subculturas, atuando entre si de modo diverso do que o fariam em rela��o a estrangeiros. Sua unidade fundamental decorre de serem todas elas produto do mesmo processo civilizat�rio que as atingiu quase ao mesmo tempo; de terem se formado pela multiplica��o de uma mesma protoc�lula �tnica e de haverem estado sempre debaixo do dom�nio de um mesmo centro reitor, o que n�o enseja defini��es �tnicas conflitivas. (1996, p. 254)

Para Darcy, os brasileiros s�o hoje, um dos povos mais homog�neos lingu�stica e culturalmente. Fala-se, como diz, uma mesma l�ngua, sem dialetos.

Como mesti�os "na carne e no esp�rito" temos o desafio de firmar nosso potencial, nossos modos distintos entre todos os povos. Devemos forjar um verdadeiro conceito de povo que englobe a todos sem distin��o, em todos os direitos que devem assistir a cada cidad�o brasileiro.

Nesse pa�s mesti�o, o povo brasileiro segundo Darcy, veio formando-se como uma nova Roma. A maior presen�a neo-latina no mundo, ainda em ser, forja-se como a grande presen�a do futuro.

CONCLUS�O

No conjunto da obra de Darcy Ribeiro reconhecemos uma clara contribui��o para o pensamento latino-americano, a qual Darcy escreveu uma vasta obra sobre ind�genas, negros e mesti�os no processo de forma��o do povo brasileiro. Sua obra surge como um espelho em que n�s brasileiros podemos nos identificar, nos reconhecer. Nela encontra-se um esfor�o que ilumina o processo de desenvolvimento humano, social e cultural do nosso povo e de toda a Am�rica Latina. Acredito que seja indispens�vel o conhecimento da obra de Darcy Ribeiro para uma profunda tomada de consci�ncia a partir de uma vis�o de conjunto do Brasil e da Am�rica Latina.

A obra de Ribeiro abre-se ainda para uma nova perspectiva onde identificamos o brasileiro com caracter�sticas revalorizadas peculiarmente. Assim, h� uma consci�ncia que ainda estamos construindo, o que, para Darcy, � um dos grandes desafios que enfrentamos: o de inventar o humano, com propriedades diferentes, mais solid�rios e fraternas.

Como uma descri��o de aventuras, Darcy fala do processo de forma��o do povo fazendo-se a si mesmo. Exp�e sua grande convic��o sobre a forma��o de um novo g�nero humano, a partir do estudo dos componentes novos da transfigura��o, resultado do choque entre �ndios, negros e europeus. Da� lan�a sua den�ncia, "o Brasil sempre foi um moinho gastando gente", "endossando" a boca do europeu, enriquecendo-o com a explora��o do Brasil. Na ang�stia por entender porque o Brasil n�o deu certo do ponto de vista de seu povo, d� um importante exemplo de compromisso com este povo, sobretudo, atrav�s de sua sensibilidade com os �ndios, com os quais se comoveu e se identificou. Destes, emocionado, diz haver ganhado dignidade.

Por fim, identificamos em Darcy, de forma inconfund�vel, os tra�os fortes dos grandes pensadores latino-americanos, como: Sim�n Bol�var e Jos� Mart�, principalmente no que tange a constru��o a id�ia de uma "na��o latino-americana" mais humana, como uma nova civiliza��o, mais "generosa, porque aberta � conviv�ncia com todos as ra�as e todos as culturas".

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Biografia: trecho extra�da do livro O Brasil como Problema de Darcy Ribeiro publicado pela editora Francisco Alves).

BIBLIOGRAFIA

  • RIBEIRO, Darcy. O processo Civilizat�rio: Etapas da Evolu��o S�cio-Cultural. 10� ed., Petr�polis: Vozes, 1987.
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  • _____________. O Dilema da Am�rica Latina: Estruturas de Poder e For�as Insurgentes. 5� ed., Petr�polis: Vozes, 1988.
  • _____________. Os Brasileiros: 1. Teoria do Brasil. Editora Paz e Terra, 1972.
  • _____________. Os �ndios e a Civiliza��o: A Integra��o das Popula��es Ind�genas no Brasil Moderno. Rio de Janeiro: Editora Civiliza��o Brasileira, 1970.
  • _____________. O Brasil como Problema. 2� ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.
  • _____________. O Povo Brasileiro: A forma��o e o sentido do Brasil. 2� ed., S�o Paulo: Companhia das Letras, 1996

F�bio I. Pereira.

Qual o objetivo da obra O Povo Brasileiro de Darcy Ribeiro?

A obra, para Ribeiro, tinha o objetivo de entender o porquê o Brasil não deu certo, tendo a oportunidade de ser um país criado de acordo com a vontade de seu povo miscigenado.

Qual a tese principal de Darcy Ribeiro?

No conjunto da obra de Darcy Ribeiro reconhecemos uma clara contribuição para o pensamento latino-americano, a qual Darcy escreveu uma vasta obra sobre indígenas, negros e mestiços no processo de formação do povo brasileiro.

Como Darcy Ribeiro explica a origem do povo brasileiro?

Darcy Ribeiro tem uma interpretação própria da formação do povo brasileiro a partir de três matrizes básicas: os índios que habitavam originalmente a terra, o europeu descobridor-colonizador (os portugueses) e os africanos escravizados.