1. Novo Mundo Show Nesta parte Darcy trata das caracter�sticas iniciais do territ�rio brasileiro, das terras encontradas pelos portugueses que desembarcaram pela primeira vez no ano 1500 do calend�rio europeu. Estas terras que se encontravam povoadas por um grande n�mero de povos ind�genas que viviam por toda superf�cie do Brasil. Segundo Darcy: "Eram, t�o-s�, uma mir�ade de povos tribais, falando l�nguas do mesmo tronco, dialetos de uma mesma l�ngua, cada um dos quais, ao crescer, se bipartia, fazendo dois povos que come�avam a se diferenciar e logo se desconheciam e se hostilizavam" (1996, p. 29). Essas tribos aqui encontradas eram na sua maioria do tronco tupi, cerca de um milh�o de �ndios. Elas se encontravam nos primeiros passos da revolu��o agr�cola na escala da evolu��o cultural. J� conseguiam domesticar diversas plantas. Diz:
Com o cultivo da terra garantiam a subsist�ncia do ano inteiro. � importante lembrar que as aldeias possu�am uma estrutura igualit�ria de conviv�ncia. Mas, por coloniza��o de suas terras, as tribos se chocavam em guerra umas com as outras. Al�m dos povos tupi, outros povos ind�genas participaram da forma��o do povo brasileiro, como os Paresi, os Bororos, os Xavantes, os Kayap�s, os Kaigangs e os Tapuias. Ao contr�rio do modelo constitu�do pelas tribos ind�genas na ilha Brasil, os portugueses invasores possu�am rela��es sociais baseadas na estratifica��o das classes, tinham uma velha experi�ncia como civiliza��o urbana. Com eles veio a Igreja cat�lica que exerceu uma grande influ�ncia no processo de forma��o s�cio-cultural do povo brasileiro. Na vis�o de Darcy, a Igreja exerceu um forte poder de mando, influenciando na vida dos ind�genas e negros. No contexto mundial Portugal entrava na disputa pelos novos mundos, animada pelas for�as transformadoras da revolu��o mercantil. Diz Darcy:
Era a supera��o da estado feudal, o processo civilizat�rio no seu momento mercantil. Para Darcy al�m de protagonizarem o inferno da expans�o territorial pol�tico-econ�mico, se entitularam propagadores da unidade dos homens num s� cristandade. Diz:
Para o �ndio que passava a conviver com aquela situa��o nova n�o foi nada simples compreender o que representava aqueles acontecimentos novos. O fato � que deste choque de culturas, como quisemos tornar mais claro no primeiro cap�tulo, surgiram concep��es que os �ndios estupefatos por certo tempo sustentaram, como a de que os rec�m chegados eram deuses. Para Darcy, de in�cio, os �ndios ali na praia recebendo aqueles indiv�duos t�o estranhos estavam espantados. Seriam at� mesmo gente de seu deus Ma�ra. Comenta:
Como sabemos, a grande decep��o n�o demorou para acontecer. Os ind�genas perceberam que os rec�m chegados do mar n�o passavam de enganadores, mentirosos, lhes traziam pequenos utens�lios e em troca lhes tiravam a alegria de viver, lhes enchiam de doen�as que os dizimava ao milhares. Darcy aponta para as duas perspectivas de mundo que se chocavam. Para os conquistadores essa nova terra era um espa�o de explora��o em ouro e gl�rias, na vis�o dos �ndios, (1996, pp. 44-45) "o mundo era um luxo de se viver, t�o rico de aves, de peixes, de ra�zes, de frutas, de flores, de sementes, que podiam dar as alegrias de ca�ar, de pescar, de plantar e colher a quanta gente aqui viesse ter". Enquanto os brancos n�o mediam esfor�os para alcan�ar as riquezas que lhes interessavam, os �ndios acreditavam que a vida era d�diva de deuses bons. Na perspectiva de Darcy os brancos para os �ndios, eram aflitos demais. Para os brancos, a vida era uma sofrida obriga��o em todos estavam condenados ao trabalho e subordinados ao lucro, enquanto que, para os �ndios, "a vida era uma tranquila fun��o de exist�ncia, num mundo dadivoso e numa sociedade solid�ria". Darcy preocupa-se em estudar o processo civilizat�rio, tendo em vista situar as na��es germinais dos povos latino-americanos. Comenta:
2. Gesta��o �tnica A partir desse ponto Darcy vai desenvolvendo sua vis�o sobre as condi��es em que os brasileiros foram se formando, o que denominou cunhadismo. O cunhadismo, segundo ele, era a pr�tica ind�gena que tornou poss�vel incorporar estranhos �s comunidades. Consistia em se oferecer uma mo�a �ndia como esposa aos rec�m-chegados. A partir de ent�o, o estranho estabelecia uma rela��o de parentesco com os �ndios dessa fam�lia. Esse processo acabou influenciando decisivamente no processo de forma��o do brasileiro. Para o colonizador essa pr�tica tornou-se a condi��o de possibilidade para o processo de pilhagem nas terras conquistadas e tamb�m a pr�pria condi��o da conquista das terras. Pois contavam com um enorme contingente de �ndios que segundo determinava o sistema de parentesco dos �ndios, deveriam p�r-se a servi�o do parente. Diz Darcy:
Por fim, � medida em que a demanda de m�o-de-obra foi aumentando, tiveram de passar da utiliza��o do sistema de cunhadismo �s guerras de captura dos �ndios. Outras institui��es que tiveram grande influ�ncia na gesta��o �tnica do Brasil foram as donatarias e as redu��es, onde os �ndios viviam submetidos �s ordens dos mission�rios. Na concep��o de Darcy o Brasil tem sido, ao longo dos s�culos, um terr�vel moinho de gastar gentes. O fato � que se gastaram milh�es de �ndios, milh�es de africanos e milh�es de europeus. Comenta:
Nossa matriz negra foi respons�vel por remarcar o am�lgama racial e cultural brasileiro com suas cores mais fortes. Pelo fato de aprenderem o portugu�s com que os capatazes lhes gritavam e que com o tempo passavam a se comunicar entre si, acabaram conseguindo aportuguesar o Brasil. Diz:
A condi��o de vida do negro � descrita por Darcy como uma situa��o espantosa. Relata a viol�ncia permanente pela qual foram obrigados a viver. Pergunta-se: como conseguiram permanecer humanos? Como sobreviver sobre tanta press�o, trabalhando dezoito horas por dia todos os dias do ano? A triste conclus�o � de que seu destino era morrer de estafa que era sua morte natural. Para Darcy:
Darcy assinala com grande lamento que "nossos patr�cios negros" sofreram e ainda sofrem o drama de sua penosa ascens�o de escravo a assalariado e a cidad�o, sobre a dureza do preconceito racial. 3. Processo Sociocultural Segundo a vis�o de nosso autor, o processo de forma��o do povo brasileiro foi marcado constantemente por situa��es de conflitos. Caracteriza o entendido entrechoque dos contingentes �ndios, negros e brancos dentro do quadro de conflitos n�o puros. Pois, segundo entende, sempre ocorreu uma mescla entre uns e outros. Para Darcy uma nova situa��o se imp�s com a chegada do dominador europeu, tendo em vista que este queria buscar de todas as formas impor uma hegemonia nessas terras. Os conflitos inter�tnicos que aqui existiam, sem maiores consequ�ncias, agora de maneira mais ampla, � surpreendido por uma nova situa��o de guerra irreconcili�vel. Nesse confronto, as for�as que se chocam s�o muito desiguais. Comenta:
Entre os momentos conflitivos Darcy aponta para os conflitos entre os invasores. Dizendo que entre colonos e jesu�tas houve uma longa guerra sem quart�is, marcada por componentes classistas, racistas e �tnicos, situa as motiva��es de coloniza��o dos jesu�tas num plano distinto ao da coloniza��o espanhola e portuguesa. Um outro enfrentamento altamente conflitivo � o que se deu por consequ�ncias predominantemente raciais. Entre as tr�s matrizes vemos um sentimento de preconceito. Darcy diz que para o negros de ontem e de hoje, a liberdade passa a ser uma dif�cil e ut�pica busca. Por ela, s�o for�ados a luta constante a fim de alcan�arem uma situa��o de vida mais digna. Diz:
Outra situa��o � a de car�ter fundamentalmente classista, que configura a luta entre propriet�rios e as massas trabalhadoras. Darcy, ao que parece, v� essas lutas identificando-a como o recrutamento de m�o-de-obra para a produ��o mercantil. No processo de forma��o sociocultural do Brasil, Darcy v� a organiza��o do que ele chama de empresas. A empresa escravista, ele a v� como a principal, latifundi�ria e monocultora que foi sempre altamente especializada e essencialmente mercantil. Outra, j� como forma alternativa de coloniza��o, foi a empresa jesu�tica. Esta estava fundada na m�o-de-obra servil dos �ndios. Uma terceira, que tinha um alcance social bastante consider�vel, foram as m�ltiplas microempresas de produ��o de g�neros de subsist�ncia e de cria��o de gado, baseada em diferentes formas de aliciamento de m�o-de-obra. Estas incorporam os mesti�os de europeus com �ndios e negros dando corpo ao que viria a ser o grosso do povo brasileiro. Darcy diz que essas empresas, cada qual com seus fins espec�ficos, atuaram para garantir o �xito do empreendimento colonial portugu�s no Brasil. Uma quarta empresa foi constitu�da pelo n�cleo portu�rio de banqueiros armadores e comerciantes de importa��o e exporta��o. Formavam o componente predominante da economia colonial e o mais lucrativo dela. Ainda sobre o processo de forma��o sociocultural, Darcy elabora uma vis�o de conjunto do processo de urbaniza��o brasileira. Segundo ele, o Brasil nasceu j� como uma civiliza��o urbana, separada em conte�dos rurais e citadinos. Comenta:
Ele elabora um quadro da quest�o agr�ria brasileira, onde comenta as dimens�es espantosas dos latif�ndios, a quest�o do monop�lio da terra e a monocultura. Relaciona o tem�vel �xodo rural com o incha�o das cidades em consequ�ncia causando a miserabiliza��o da popula��o urbana. Para Darcy formou-se um modelo pol�tico-econ�mico que estratifica a popula��o brasileira. Diz:
Sobretudo, a dist�ncia social entre ricos e pobres �, para Darcy, uma condi��o extremamente espantosa, somando-se a isso a discrimina��o sofrida pelos negros, mulatos e �ndios. O problema racial constitui-se num s�rio problema no Brasil. De maneira mais seria � aquele que pesa sobre os negros, a mais �rdua foi e, ainda �, a conquista de um lugar e de um papel de participante leg�timo na sociedade nacional. Comenta:
Ainda hoje, comenta haver a mentalidade assimilacionista que leva os brasileiros a supor e desejar que os negros desapare�am pela branquea��o progressiva. Para Darcy a caracter�stica distintiva do racismo brasileiro � que ele n�o incide sobre a origem racial das pessoas, mas sobre a cor de sua pele. Para ele, a possibilidade de exist�ncia de uma democracia racial est� vinculada com a pr�tica de uma democracia social, onde negros e brancos partilhem das mesmas oportunidades sem qualquer forma de desigualdade. Darcy avalia o processo de estrutura��o como uma configura��o diferente de quantas haja, segundo ele s� explic�vel em termos, hist�ricas. Comenta:
Para Darcy, os brasileiros s�o hoje, um dos povos mais homog�neos lingu�stica e culturalmente. Fala-se, como diz, uma mesma l�ngua, sem dialetos. Como mesti�os "na carne e no esp�rito" temos o desafio de firmar nosso potencial, nossos modos distintos entre todos os povos. Devemos forjar um verdadeiro conceito de povo que englobe a todos sem distin��o, em todos os direitos que devem assistir a cada cidad�o brasileiro. Nesse pa�s mesti�o, o povo brasileiro segundo Darcy, veio formando-se como uma nova Roma. A maior presen�a neo-latina no mundo, ainda em ser, forja-se como a grande presen�a do futuro. CONCLUS�O No conjunto da obra de Darcy Ribeiro reconhecemos uma clara contribui��o para o pensamento latino-americano, a qual Darcy escreveu uma vasta obra sobre ind�genas, negros e mesti�os no processo de forma��o do povo brasileiro. Sua obra surge como um espelho em que n�s brasileiros podemos nos identificar, nos reconhecer. Nela encontra-se um esfor�o que ilumina o processo de desenvolvimento humano, social e cultural do nosso povo e de toda a Am�rica Latina. Acredito que seja indispens�vel o conhecimento da obra de Darcy Ribeiro para uma profunda tomada de consci�ncia a partir de uma vis�o de conjunto do Brasil e da Am�rica Latina. A obra de Ribeiro abre-se ainda para uma nova perspectiva onde identificamos o brasileiro com caracter�sticas revalorizadas peculiarmente. Assim, h� uma consci�ncia que ainda estamos construindo, o que, para Darcy, � um dos grandes desafios que enfrentamos: o de inventar o humano, com propriedades diferentes, mais solid�rios e fraternas. Como uma descri��o de aventuras, Darcy fala do processo de forma��o do povo fazendo-se a si mesmo. Exp�e sua grande convic��o sobre a forma��o de um novo g�nero humano, a partir do estudo dos componentes novos da transfigura��o, resultado do choque entre �ndios, negros e europeus. Da� lan�a sua den�ncia, "o Brasil sempre foi um moinho gastando gente", "endossando" a boca do europeu, enriquecendo-o com a explora��o do Brasil. Na ang�stia por entender porque o Brasil n�o deu certo do ponto de vista de seu povo, d� um importante exemplo de compromisso com este povo, sobretudo, atrav�s de sua sensibilidade com os �ndios, com os quais se comoveu e se identificou. Destes, emocionado, diz haver ganhado dignidade. Por fim, identificamos em Darcy, de forma inconfund�vel, os tra�os fortes dos grandes pensadores latino-americanos, como: Sim�n Bol�var e Jos� Mart�, principalmente no que tange a constru��o a id�ia de uma "na��o latino-americana" mais humana, como uma nova civiliza��o, mais "generosa, porque aberta � conviv�ncia com todos as ra�as e todos as culturas". * Biografia: trecho extra�da do livro O Brasil como Problema de Darcy Ribeiro publicado pela editora Francisco Alves).BIBLIOGRAFIA
F�bio I. Pereira. Qual o objetivo da obra O Povo Brasileiro de Darcy Ribeiro?A obra, para Ribeiro, tinha o objetivo de entender o porquê o Brasil não deu certo, tendo a oportunidade de ser um país criado de acordo com a vontade de seu povo miscigenado.
Qual a tese principal de Darcy Ribeiro?No conjunto da obra de Darcy Ribeiro reconhecemos uma clara contribuição para o pensamento latino-americano, a qual Darcy escreveu uma vasta obra sobre indígenas, negros e mestiços no processo de formação do povo brasileiro.
Como Darcy Ribeiro explica a origem do povo brasileiro?Darcy Ribeiro tem uma interpretação própria da formação do povo brasileiro a partir de três matrizes básicas: os índios que habitavam originalmente a terra, o europeu descobridor-colonizador (os portugueses) e os africanos escravizados.
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