Quando é possível determinar que é nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a administração?

A Secretaria Geral Administrativa solicita a esta Procuradoria a análise da possibilidade de repactuação do Contrato nº 04/2017, nos termos do quanto solicitado pela contratada às fls. 739, bem como requer seja analisada a viabilidade de se pagar por indenização o período em que a contratada continuou a prestar normalmente os serviços contratados, após a extinção do contrato, fato que ocorreu em 18 de abril do corrente ano.

Pelo que se depreende dos autos a contratada continuou a prestar serviços sem cobertura contratual no período de 19 de abril a 03 de maio do corrente ano.

No tocante à solicitação de repactuação do Contrato 04/2017 observo que a última repactuação do ajuste se deu a partir de 10/11/2017.

Na espécie, o direito de retroagir a repactuação à data do fato gerador do pedido precluiu, nos termos dos itens 9.5 e 9.6. da Cláusula Nona do Contrato nº 04/2017. Determina os referidos dispositivos contratuais, que:

9.5. A solicitação de repactuação dependerá exclusivamente de iniciativa da CONTRATADA, devendo ser apresentada à CONTRATANTE em até 30 (trinta) dias da ocorrência do fato gerador da variação dos componentes de custos.

9.6. Caso a CONTRATADA não efetue de forma tempestiva a solicitação de repactuação, ocorrerá a preclusão do direito de retroagir os respectivos efeitos, prevalecendo como fato gerador da repactuação, a data do pedido por parte da CONTRATADA.

A contratada somente requereu a repactuação do contrato em 10 de novembro de 2017, portanto, após trinta dias do fato gerador do direito de repactuar que é a data-base fixada na convenção coletiva de trabalho.

Assim precluso o direito de retroação à data do fato gerador do pedido, deve-se considerar para fins de contagem do prazo de anualidade a data do pedido, consoante preconiza o item 9.6. retro transcrito.

O pedido da contratada foi efetivado em 10/11/2017. Não foi, portanto, preenchido um requisito essencial para a concessão de repactuação, que é justamente o decurso de um ano da última repactuação efetuada.

No que pertine à prestação de serviços sem cobertura contratual, inicialmente importa ponderar que não é regular a prestação de serviços sem cobertura contratual, se o contrato prevê um determinado limite, deve a unidade administrativa gestora do mesmo diligenciar para que tal limite seja observado, ou providenciar um aditamento contratual para o aumento de tal limite.

A lei de licitações (Lei nº 8.666/93) impõe um regime formal para as contratações da Administração Pública. Assim, nos termos do disposto no parágrafo único do art. 60 do referido diploma legal é nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração. Neste sentido determina o referido preceptivo legal que:

“Art. 60. (….)

Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23 inciso II, alínea “a” desta Lei, feitas em regime de aditamento.”

Portanto, configurando-se como ato nulo, em regra não produziria qualquer efeito, conforme determina o art. 59 da Lei nº 8.666/93, nos termos do qual a declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.

Entretanto, pelo que se pode depreender do parágrafo único do referido dispositivo legal, a nulidade do contrato não elide o dever da Administração indenizar. Neste sentido determina o mencionado dispositivo legal, que:

“Art. 59. (…)

Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado, até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.

Preleciona Marçal Justen Filho que até pode-se admitir a validade de contratos verbais quando existem situações emergenciais que a justifiquem. Porém, não vislumbro, no caso, a ocorrência de situação emergencial, principalmente quando se tem por parâmetro a jurisprudência do Tribunal de Contas da União que exige para a caracterização de emergência que esta não tenha se originado da desídia da Administração. Neste sentido a Decisão nº 347/1994 do Plenário daquela Corte de Contas, assentada no voto do Min. Carlos Átila, assevera que:

“além da adoção das formalidades previstas no art. 26 e seu parágrafo único da Lei nº 8.666/93, são pressupostos da aplicação do caso de dispensa preconizado no art. 24, IV, da mesma Lei: a.1) que a situação adversa dada, como emergência ou de calamidade pública, não tenha se originado, total ou parcialmente, da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos disponíveis, ou seja, que ela não possa, em alguma medida, ser atribuída à culpa ou dolo do(s) agente(s) público(s) que tinha(m) o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação; (…)”

Assim, no presente caso afigura-se irregular a existência de prestação de serviços sem cobertura contratual, contudo uma vez efetivados os referidos serviços, a Administração, nos termos do parágrafo único do art. 59 da Lei nº 8.666/93, deve indenizar o contratado pelo que este houver realizado, em atenção ao princípio que veda o enriquecimento sem causa.

Este é o entendimento que deflui, também, dos acórdãos cuja ementa abaixo se transcreve (cópias em anexo):

CONTRATO ADMINISTRATIVO. NULIDADE. DEVER DE INDENIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUE SUBSISTE. INDENIZAÇÃO PELO QUE EFETIVAMENTE FOI EXECUTADO PELO CONTRATADO. INTELIGÊNCIA DO ART. 59, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI N. 8.666/93. O CONTRATO ADMINISTRATIVO NULO NÃO EXIME A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO DEVER DE INDENIZAR O CONTRATADO PELO QUE EFETIVAMENTE EXECUTOU, DEMONSTRADO QUE A CAUSA DA NULIDADE NÃO LHE É IMPUTÁVEL, À LUZ DO ART. 59, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI N. 8.666/93. RECURSO NÃO PROVIDO. (Apelação nº 0095453-13.2009.8.26.0000, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Rel. Des. Nelson Jorge Júnior)

ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE COBRANÇA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À ADMINISTRAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONTRATO. INDENIZAÇÃO. CABIMENTO. ART. 59, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI N. 8.666/93. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE, SÚMULA 7/STJ. (AgRg no AREsp 239295/DF, STJ, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª. T, DJ 25/09/2013).

ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE COBRANÇA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE PUBLICIDADE. NULIDADE DO CONTRATO ADMINISTRATIVO POR AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. ART. 59, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI N. 8.666/93.
1. Segundo a jurisprudência desta Corte, embora o contrato administrativo cuja nulidade tenha sido declarada não produz efeitos, a teor do art. 59, da Lei nº 8.666/93, não está desonerada a Administração de indenizar o contratado pelos serviços prestados, ressalvada a hipótese de má-fé ou de ter o contratado concorrido para a nulidade. 2. Procedência da ação de cobrança que se mantém. 3. Recurso especial improvido. (REsp 928315/MA, STJ, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª. T, DJ 29/06/2007)

Conforme se depreende dos autos a contratada agiu com boa-fé na medida em que a prestação dos serviços de jardinagem além dos limites contratuais foi efetivada porque a mesma estava na expectativa da prorrogação do ajuste por um período de mais 90 (noventa) dias, consoante relata a supervisão da unidade gestora às fls. 705. Há que se considerar ainda que não houve prestação concomitante do mesmo serviço já que, conforme relata a unidade gestora do ajuste (fls. 705vº) a nova contratação para prestação de serviços de jardinagem passou a vigorar a partir de 03 de maio do corrente ano.

Estabelecido o entendimento de que os serviços prestados sem cobertura contratual devem ser indenizados importa fixar, então, o que se deve entender por dever de indenizar, ou seja, deve-se pagar o valor previsto em contrato ou somente o valor do custo dispendido pela contratada, sem a inclusão do lucro.

A propósito da questão assevera Marçal Justen Filho que “o Estado terá de indenizar o particular por todos os danos e pelo lucro que a ele adviria se o contrato fosse válido e fosse integralmente executado. Ou seja, aplicando-se a teoria das nulidades o reconhecimento do vício acarreta o desfazimento de todos os atos. Mas, em função da teoria da responsabilidade civil, a Administração tem o dever de responder por todos os atos que pratica, inclusive (e especialmente) aqueles viciados. Em suma, o particular terá o direito de auferir o exato proveito previsto no contrato (nulo)”.

Importar ressaltar que o contratado tinha uma justa expectativa de auferir o lucro advindo da relação contratual. Não se afigura justo que mesmo estando de boa-fé veja frustrada esta justa expectativa em virtude de ocorrência de vício para o qual não deu causa.

Neste sentido assevera o Min. Luiz Fux no julgamento do REsp 547.196/DF que “(…) se o ato administrativo era inválido, isto significa que a Administração, ao praticá-lo, feriu a ordem jurídica. Assim, ao invalidar o ato, estará, ‘ipso facto’, proclamando que fora autora de uma violação da ordem jurídica. Seria iníquo que o agente violador do direito, confessando-se tal, se livrasse de quaisquer ônus que decorreriam do ato e lançasse sobre as costas alheias todas as consequências patrimoniais gravosas que daí decorreriam, locupletando-se, ainda, à custa de quem, não tendo concorrido para o vício, haja procedido de boa-fé. Acresce que, notoriamente, os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade. Donde quem atuou arrimado neles, salvo se estava de má-fé (vício que se pode provar, mas não pressupor liminarmente), tem o direito de esperar que tais atos se revistam de um mínimo de seriedade”.

Há julgados do Superior Tribunal de Justiça que acolhem o entendimento de que o contratado somente deve ser indenizado pelo custo quando está de má-fé, conforme se depreende do acordado no REsp 1153337/AC, onde restou consignado o entendimento de que: “Em relação ao contratado de má-fé, não lhe é retirada a posição normal de quem sofre com a declaração de invalidade do contrato -retorno ao estado anterior, prevista no caput do artigo 49 do Decreto-Lei 2.300/86. Esse retorno faz-se com a recolocação das partes no estado anterior ao contrato, o que por vezes se mostra impossível, jurídica ou materialmente, como ocorre nos autos (obra pública), pelo que as partes deverão ter seu patrimônio restituído em nível equivalente ao momento anterior, no caso, pelo custo básico do que foi produzido, sem qualquer margem de lucro”.

Assim, é lícito afirmar – interpretando-se o referido acórdão a contrario sensu –, que estando a empresa de boa-fé a indenização a ser paga deve ir além do custo básico para abarcar também a margem de lucro que deveria auferir caso o contrato fosse válido.

A respeito da matéria em exame, qual seja, realização de despesas sem cobertura contratual, a Advocacia Geral da União emitiu a Orientação Normativa nº 4, de 12 de abril de 2009, destacando a necessidade de se apurar responsabilidade de quem tenha dado causa à situação de prestação de serviço ou aquisição de bens sem cobertura contratual. Neste diapasão determina a referida orientação normativa que:

“A despesa sem cobertura contratual deverá ser objeto de reconhecimento da obrigação de indenizar nos termos do art. 59, parágrafo único, da Lei nº 8.666, de 1993, sem prejuízo da responsabilidade de quem lhe der causa.”

Em face do exposto, opino no sentido de que o pedido de repactuação seja denegado, salientando que o prestador de serviço sem cobertura contratual deve ser indenizado, conforme preconiza o parágrafo único do art. 59 da Lei nº 8.666/93, pelo valor efetivo do contrato, sem a exclusão de seu lucro, cabendo à autoridade competente determinar as providências que entender cabíveis no tocante à apuração de eventual responsabilidade.